Uma viagem de bike pelo Nordeste – Santa Cruz Cabrália
Depois da aparição daquele simulacro de índio em Coroa Vermelha nós prosseguimos viagem até Santa Cruz Cabrália, o destino que nos propuséramos a atingir. As nossas bikes seguiam em boa marcha, favorecidas pelo bom estado de conservação da pista, sempre margeando o mar, e à brisa fresca que não largava de nossa companhia.
Não mais do que uns vinte minutos depois chegávamos a Cabrália, (já estávamos nos sentindo íntimos da Terrinha) mais exatamente no píer da cidade, aonde uns caras ofereciam serviço de lancha para turistas. Ficamos por ali batendo perna, (pedindo prá tudo quanto é santo que os caras, os das viagens, nos confundissem com gente da terra) olhar perdido no azul do mar. Eliana, a essa altura mais baiana do que nunca, (tão empreendedora é a moçoila que só estava faltando a banquinha de acarajé) aboletou-se nas pedras da amurada e só saiu de lá com a minha veemente promessa de tomarmos água de coco e comermos abacaxi fatiado no prato. Bem perto de onde estávamos tinha uma pizzaria com aparência sofisticada, fato que levou Eliana, ainda não familiarizada com os costumes da Boa Terra, a pensar que iríamos beliscar alguma coisa por ali. Claro e evidente que a dita pizzaria estava devidamente fechada, já que eram apenas cinco horas da tarde. Onde já se viu querer incomodar um pobre estalajadeiro em horário tão madrugador?!?
Dei toda minha solidariedade para Eliana, (à essa altura quase tendo um parto prematuro) e fui conduzindo minha mulher para cumprir a tal promessa da água de coco com abacaxi.
A Providência Divina veio em meu socorro, fato que evitou mais uma promessa não cumprida em minha longa conta correte com Eliana: Bem no dobrar da esquina da rua da pizzaria fechada, um restaurante estava aberto. Em respeito a verdade, aquilo nem parecia um restaurante no termo justo da palavra, (estava muito mais para um desses botecos pés sujos que temos por aqui no Sudeste) mas, era pegar ou largar. Pegamos.
Depois de uma guerra renhida com as moscas do lugar, (as desinfelizes haviam feito usucapião das mesinhas do restaurante) nós ficamos olhando estarrecidos para o cardápio que uma senhora com um lenço já sem cor na cabeça nos trouxe: o restaurante poderia bem ser tachado de somali, dada a sua aparência, mas os preços tinham o mais puro sotaque suíço. (tipo assim: o menorzinho deles beirava os três dígitos de nossa esquálida moeda, o real)
Minha mão direita se recusou a abrir a carteira e arcar com aquele despautério em forma de cardápio. Mediante outra bem argumentada promessa, consegui adiar o sacrifício de nossos fundos para uma outra oportunidade que, eu esperava, ficasse bem distante no tempo e no espaço.
A mesma senhora do tal lenço desbotado nos preparou (deixando de lado uns siris que ela descascava) dois abacaxis e dois cocos imensos, iguarias de preços bem mais modestos do que os constantes daquele cardápio escandaloso.
Depois do lanche de polpa de coco verde (tomamos, também, toda a água contida nos mesmos) e abacaxi fatiado pegamos as nossas bikes e fizemos o caminho de volta para o Bicho Grilo, o nosso famigerado hotel, aonde chegamos por volta das oito horas da noite.
O mesmo luar que iluminou o nosso caminho de Cabrália até Taperapuan, ficou montando guarda em nossa janela, a testemunhar o sono de Eliana grudada em meu peito, só saindo de lá quando a manhã já ia bem alta naquela Quarta-Feira chegante.