A filosofia volta a moda - Carta 047
A FILOSOFIA VOLTA Á MODA
Um leitor do Paraná diz que hoje se escuta falar muito em
filosofia, assunto que antes não se comentava tanto.
Quando publiquei nos veículos onde tenho espaço “Na vida tudo passa”, enfocando a produção dos filósofos estoicos, muitas pessoas me pediram que desse mais algumas noções sobre a filosofia voltada para leigos.
Depois de muitos anos de obscurantismo, o ensino da Filosofia e da Sociologia volta ao Segundo Grau. Já volta tarde; nunca deveria ter sido banido. Na verdade, foi extirpado de nossos currículos por imposição da burrice da ditadura. Como o militar não pensa, apenas cumpre cegamente as ordens de quem está acima, ele tem ódio de quem desenvolve algum tipo de raciocínio natural. Além disto, quem pensa é perigoso, e tudo que os “gorilas de 64” queriam é que o povo não pensasse. Para fazer a cabeça da escumalha havia a Rede Globo, o Estado de São Paulo, as OSPB e a “Moral e Cívica”, além dos hinos cívicos como “Este é um país que vai pra frente”. Era nocivo para o sistema que o povo pensasse, por isso a filosofia e a sociologia eram uma ameaça.
Mesmo assim, é impossível negar que o brasileiro seja o povo mais filósofo do mundo. Os nossos não são decalque de outras escolas, são filósofos naturais, mesmo! É sério mesmo! Ele é um filósofo autêntico, que ri dele próprio e faz piada com sua desgraça. Na verdade, é preciso enxergar, como cabe a um filósofo, a profundidade de uma questão, desde as primeiras causas, até o corolário. Piada, historieta jocosa ou picante, é filosofia pura. Assim Sócrates fez rir o povo de Estagira, subjugado pelos tiranos.
Aliás, na extirpação das disciplinas humanistas (filosofia, sociologia, antropologia, psicologia) do Segundo Grau, reside um dos tantos crimes da ditadura que devastou o país, desde 1o. de abril de 1964. Filosofia fazia pensar, e tudo o que o déspota não quer é que o povo pense. Aliás, eu não sei como essa geração que teve as disciplinas humanistas castradas de seus currículos conseguiu aprender matemática e seus derivados.
Agora é chegada a hora de resgatar aquelas perdas. A verve do brasileiro, do homem de rua, do engraxate, do operário, é recheada de uma filosofia que faria a alegria dos peripatéticos, componentes da academia, e o desbunde dos sofistas. Nada mais socrático que o deboche irreverente sobre as crises nacionais. Nada mais aristotélico que a lógica: “Eu trabalho pro patrão enricar; ora, enricando ele não vai mais percisar de mim; logo, eu devo trabalhar menos prele não enricar”.
Na grandeza de quem sofre e acha graça dos seus males, vê-se o estoicismo heraclitiano. No drama diário do brasileiro vivem as “leis do eterno retorno”, provando que as situações, embora cruéis, nunca são as mesmas, afinal, “não nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. Tudo passa! Aliás, já dizia o filósofo Lulu Santos. Ah essa filosofia tão esquecida, como, aliás, anda esquecido o mais elementar humanismo! A filosofia natural, não essa metodologizada pelos “intelectuais” e editores de livros “técnicos”, longe do que se imagina, não nasce nas universidades, onde pedantes, de óculos na ponta do nariz, mal-arrumados, descabelados (para serem confundidos com “filósofos”), cabeças cheias de estereótipos, mas brota do cotidiano do povo simples.
Nas “academias” ela é apenas aprisionada. A verdadeira filosofia, mais como “arte de pensar” do que “amor ao estudo”, é fruto de uma geração espontânea, brota da cultura popular. O que pensa é como o pássaro, não se detém, mas voa.
A filosofia nasce do povo que vive, que pensa, que quer mudar. Nesse contexto, filosofia, longe de infletir na busca dos “primeiros princípios”, é um método que pensa, ensina, deduz e faz pensar. Hoje as pessoas não sabem mais pensar, resolvem os problemas técnicos com calculadora e computador. Para as questões existenciais vão para o analista. O que falta é a lógica (aristotélica, cartesiana, sei lá) para organizar suas vidas. Aliás, “organizar idéias” é a proposta da filosofia moderna.
Já desponta hoje, em países de Primeiro Mundo, a “filosofia clínica”, em que o indivíduo vai ao consultório do filósofo, não para desnudar seu inconsciente, na busca de solução para problemas de comportamento, traumas de infância, complexos de culpa, atração pela mãe, mas para que o especialista o ajude a colocar as idéias em ordem, a definir alternativas e a escolher caminhos. Enfim, alguém que o ajude a pensar. Pensar por sua própria cabeça. Luxo que a vida moderna nem sempre nos permite.
Sabendo que sou do ramo, muita gente liga ou escreve perguntando-me a respeito da “filosofia clínica”, que volta-e-meia se escuta falar por aí. Trata-se de uma terapia social realizada por filósofos. É uma atividade multidisciplinar que faculta aos profissionais de outras áreas cursar esta pós-graduação como uma especialização e utilizar os ensinamentos, em caráter introdutório, em suas áreas. Tenho recebido também muitos convites para dar aulas de filosofia.
Filosofia Clínica é a abordagem filosófica para aliviar as angústias humanas, a exemplo Filosofia do Aconselhamento, que surgiu na velha Alemanha, em fins do século XIX. Enquanto a psicologia procura harmonizar conflitos a partir de uma abordagem através do inconsciente, a FC procura resolver problemas a partir do consciente. Ajuda a tomar decisões eficazes e rápidas.
A filosofia, e nisso se invoca sempre a maiêutica de Sócrates, procura arrancar da pessoa aquilo que ela sabe e não sabe que sabe. Maiêutica, no grego, quer dizer parto. Já existe muita gente no Brasil desenvolvendo a filosofia clínica.
As bases metodológicas partem da historicidade do paciente, percorrendo-se desde o logicismo formal até a epistemologia das questões focadas no diagnóstico dos problemas. Diz-se que a filosofia ensinada em sala de aula visa ensinar o aluno a pensar. Pois a filosofia, transformada em “clínica” através de entrevistas realizadas em consultórios, visa ensinar a pessoa a organizar suas idéias, formular raciocínios através da lógica dos silogismos, e assim pensar de forma mais determinada.
Na FC não existe o conceito de normalidade ou de patologia; não existem concepções a priori como “o homem é um ser social” ou “alguém que busca a felicidade”.
A pessoa com dificuldade de estabelecer raciocínios lógicos (e isto se faz necessário em todos os quadrantes da vida) se angustia, se fecha e pode cair em depressão.A base dessa corrente é o trabalho dos chamados epicuristas da Grécia, seguidores de Epicuro. Para este último, filosofia era, por fim, “a terapia da alma”, daí sua utilização para aliviar as angústias humanas. O criador da Filosofia do Aconselhamento foi Gerd Achenbach, da cidade alemã de Colônia, espalhando sua criação pela Europa. A filosofia clínica é a atividade filosófica aplicada à terapia do indivíduo.
Nesse particular, as teorias filosóficas são empregadas em favor das possibilidades do ser humano enquanto se realiza por si mesmo.
Cabe ressaltar que em Filosofia Clínica não há doenças, patologias pelo fato de estes casos serem entendidos como diferenças, pois fazem sentido a uma visão de mundo em discordância com os “padrões”. A Filosofia Clínica trabalha em cima da lógica (aristotélica, cartesiana e hegeliana). Muitas pessoas sofrem porque não sabem organizar suas idéias, e por isso não conseguem expor seus argumentos de forma clara e, sobretudo convincente.
Na FC são trabalhados diversos métodos oriundos dos grandes autores da filosofia como Heráclito, Epicuro, Sócrates, Aristóteles, Locke, Hume, Nietzsche, Kant, Spinoza, Descartes, Husserl, Scheller, Habermas e outros.
Filósofo e escritor.