Um bode expiatório chamado professor
O magistério é uma profissão ambígua. Melhor, é uma profissão que é vista pela sociedade de forma ambígua: enxergam no professor um sujeito importante, afinal ele ensina as coisas ás pessoas, mas não tão importante a ponto de merecer um salário digno. E diante do fato de que nosso sistema educacional está falido a conclusão é imediata: a culpa é do professor. Do professor e do governo, mais ainda do primeiro porque ao contrário dos políticos, que já se espera que desviem verbas, o professor desviou-se do seu dever sagrado: ensinar.
Em primeiro lugar, cristalizou-se a imagem de que o professor é algo como um sacerdote. O seu dever é tão nobre que ele deve ter vocação para tanto e também - essa é a melhor de todas! - suportar com resignação os sacrifícios que o trabalho requer. Os sacrifícios vão desde alunos rebeldes até o baixo salário.
De repente me lembrei do conselho de Paulo Maluf quando governador de São Paulo para aumentar o salário dos professores: "elas deviam se casar então!" O digníssimo governador na hora que disse isso estava na cabeça com a imagem do professor que todos nós temos: geralmente uma mulher solteira muito paciente e muito carinhosa com seus alunos. Paulo Freire já escreveu um ótimo texto sobre o caráter ideológico da nossa imagem da "tia", por hora basta dizermos que essa representação ajuda a mantermos uma imagem do professor como um dócil profissional, um personagem que deve ser adorado e não tem com que reclamar.
O professor, parafraseando Pink Floyd, é apenas mais um tijolo no muro, mais uma engrenagem do sistema. A educação através dos tempos serviu ao propósito de doutrinar, de fazer com que os indivíduos compreendam qual sua função na sociedade. Isso não impediu que fossem criadas teorias pedagógicas voltadas para o desenvolvimento humano e não da ordem social.
Continuando, ser professor não é só vocação. Ela tem um papel importante, é claro, mas existem métodos que podem te ajudar muito mais que sua própria intuição. Aí está a importância da pedagogia. Ela te dá recursos para se ter uma boa didática (entendendo didática como métodos e meios adotados por um professor para ensinar). Cada vez mais acredito que métodos não são suficiente, é preciso ter também uma boa relação com seus alunos.
Enfim, o que eu quero dizer é que ser professor não é fácil. Ser paciente, ter vocação, ser carinhoso não é o bastante, ainda mais aqui no Brasil e hoje quando a escola é mal aparelhada e os alunos estão distraídos por um mundo de novidades. Você entra na faculdade achando que é tudo muito fácil: se eu sei o conteúdo e sei os métodos, ensinar vai ser molezinha! Então, na reta final do curso, você finalmente encara a sala de aula no estágio e fica espantado: como eu vou controlar esse pessoal? Aí ou o cara desiste do curso ou se forma e decide que não vai mais se importar com os "monstrinhos". E temos assim mais um professor que não está nem aí para a educação e só piora a situação não ensinando efetivamente e deixando as aulas maçantes.
Ora que o sistema está falido isso é visível, mas não se resolve o problema fingindo que não o vê. O professor finge que ensina e o aluno finge que aprendeu, no dizer do Prof. Adelson Barros que me fez ver claramente esse paradoxo. O que é preciso então? Comprometimento. Alguém realmente comprometido com a educação reconhece o tamanho do problema, mas continua lutando tentando mudar a situação. Tentando realmente ensinar, tentando conseguir melhores condições de trabalho e de vida. Realmente não é fácil. O professor para se sustentar tem que se desdobrar em mil: assume como horista emprego em várias instituições, particulares e privadas. Com todo o seu tempo ocupado como sobrará tempo para investir em sua formação frequentando os programas de especialização das universidades e do governo?
Realmente precisamos ter melhores condições de vida senão a qualidade de nosso trabalho decai. Como conseguir? Se depender do governo nunca conseguiremos. Nossos secretários de educação, geralmente burocratas ou velhas raposas da política, sempre nos respondem com um "ah, você vai ter que esperar um pouco, ter de ser paciente". Esperar é exatamente o que não precisamos. A resposta que Amanda Gurgel, uma professora potiguar, deu a alguns políticos quando estes lhe deram esta desculpinha é ótima. Faço delas as minhas palavras: nossas necessidades são imediatas.
O que podemos fazer é pressionar para que ajam. No entanto, as organizações sindicais dos professores não são tão unidas a ponto de fazer a pressão com as quais dimensões necessárias para que algo seja feito. Existem algumas com mais força que outros, mas na maior parte dos estados elas são divididas. O que muito me entusiasmou foi a greve dos professores mineiros no ano passado que conseguiu visibilidade e reivindicações atendidas. A prova de que podemos mudar esta situação desanimadora.
Outra coisa que falta é a orientação. O contato com o sala de aula é um pouco tardia. A relação entre o professor e o estagiário não costuma ser das melhores: ou porque o professor escolhido não está realmente comprometido ou porque o estagiário quer implantar todos os moderníssimos métodos educacionais na sala de aula, ofendendo a experiência do seu orientador. Ora, o professor deve lembrar que está ali para orientar o estagiário, para mostrá-lo como são as coisas na prática, e o estagiário deve ter em mente que ele é passageiro na escola em que estagia e que deve respeitar a experiência do seu professor, seja ele comprometido ou não com o ensino.
Não sou um grande conhecedor da educação no Brasil. Nosso país é muito diverso, cada região tem seus problemas específicos. O que acredito é que comprometimento e uma boa orientação ajudariam e muito a mudar o nosso status quo, a começar pela maior união entre os professores o que geraria uma pressão maior por medidas necessárias e desconstruiria a imagem do professor-mártir. Só sei de uma coisa: "esperar mais um pouco" nunca foi uma boa opção.