Caruaru, do meu bom Jesus do monte...

Na nossa memória estão guardados momentos, histórias, sentimentos, alegrias, as quais, às vezes, nem temos consciência da existência delas. Freud chamará isso de subconsciente. Lá estão nossas memórias esquecidas, geralmente fortes e que têm um significado imenso. Boa parte dessas memórias, sejam esquecidas ou explícitas, ajudam na criação do que seria a cultura nos termos antropológicos, isto é, o significado que damos para determinadas ações, valores, tradições.

A mais que isso, nosso imaginário enquanto povo, ou pertencente de uma localidade, fica mais evidente mediante manifestações artísticas que descrevem nossa região, pois ativam memórias de nossa infância, e ativam o senso de pertencimento. Caruaruense bom é aquele que por onde vai, diz: sou de Caruaru, capital do forró, tu conhece? Quem nunca?

Ao revisitar algumas obras de Azulão para escrita deste texto, minha memória infantil foi ativada. Ao ouvir a música “Mané Gostoso” lembrei de quando meu pai trouxe um brinquedo oriundo da feira de Caruaru, brinquedo que nas palavras do Pequeno Grande,

"Mané Gostoso é dois paus com um cordão

Pula dengoso quando a gente aperta a mão

Quem na lembrança não tem um Mané Gostoso

Nunca foi criança, nunca foi treloso"

Quem na lembrança não tem uma subida, sofrida, ao monte Bom Jesus, o meu bom Jesus do monte? E ao chegar lá se maravilhou com a vista? "Meu Deus, a cidade cresceu…" Quem nunca ouviu falar da festa do comércio na virada do ano, onde as luzes da cidade se apagavam, simbolizando um ano por vir? Quem nunca ouviu, ou participou, de uma história de amor, ou cômica, no pátio do forró? Quem nunca viu a fogueira imensa na igreja do convento? Quem nunca vibrou com um gol do Porto ou Central? Caruaru está na nossa memória…

Quem na lembrança não tem um Mané Gostoso na memória, e quem, quando o vê, não remete a imagem à família, à localidade? O que seria a Vila Kennedy sem seu campo, o famoso Campo da Vila, ou ainda o da Muamba, se o racha fosse em menor número? Quem estudou no Nossa Senhora de Lourdes, Paulo Galindo, Espaço Verde, Príncipe da Paz, Elisete Lopes, Santo Amaro? Quem, ao sair do culto do Vale, ou da missa de São Bento não deliciou-se na pastelaria de Dona Val, com um pastel enorme, cheio de memória e histórias lá feitas? Quem não comprou algo no mercadinho de Seu João, ou em Nel, ou comprou carne em Bento? Quem não jogou conversa fora por horas nas praças? Pegando emprestado o verso de Petrúcio Amorim, a minha velha Vila Kennedy está no meu imaginário.

O que faz, então, Mestre Vitalino mestre senão suas genialidades eternizadas em cenas cotidianas do seu meio? O que fez Azulão eterno senão a sua Caruaru tão bem retratada e versada, aquela do seu tempo de menino? A Caruaru por eles moldadas e cantadas é a nossa Caruaru, está no nosso imaginário. Caruaru continua viva em nossa memória, no senso de pertencimento, ela é nossa, é de todos, e sua cultura merece ser mantida, pensada, cantada, moldada, relembrada, vivida, sentida.

Data comemorativa esta que estamos, a Princesa do Agreste faz 163 anos de cultura, significados, tradições, memórias, infâncias, contos, lugares, pessoas, fogueiras, tiros de bacamarte, barro, forró.

Davi Alves,

Caruaru, 18 de maio de 2020