Brasil consolida-se como maior produtor cultural em Língua Portuguesa (atualizado - 2019)

Em comunicado recente, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) informou que hoje, no mundo todo, há mais de 300 milhões de falantes do idioma, distribuídos em mais de nove países, pelos cinco continentes, sendo o Brasil o mais importante em termos de produção sociocultural. Com os números apresentados, o português encontra-se na quarta posição entre as línguas comerciais mais faladas, atrás apenas do inglês, espanhol e do paparicado francês. Em quesito de dificuldades, o mesmo perde apenas para o árabe. Em resumo, quer dizer que é mais fácil um nativo dominar qualquer outra forma de expressão do que a própria língua.

Como exemplo, vejamos o Brasil. Seus 212 milhões de habitantes se comunicam por meio da língua europeia, mas boa parte não obedece e/ou desconhece sua normatização. Assim, é comum se ouvir "nóis vai" e "a gente fomos" em lugar de "nós vamos" e "a gente foi". Apesar disso, o País é o maior produtor de arte em língua portuguesa e possui um grande mercado consumidor. Um mercado que vai além de Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Guiné Equatorial e Portugal - países que, junto ao Brasil, formam a comunidade de língua portuguesa - e atinge bilhões pelo planeta. Sua forma de mostrar o mundo é singular e está retratada na grandeza das obras de Machado de Assis ou nas do contemporâneo Paulo Coelho; na realidade inquietante de Fernando Meirelles ou na "miséria social" do não menos realista Walter Salles. É justamente esse universo infinito de fazer e ser feito que conquista outros povos e transforma uma ex-colônia, deixada à bancarrota, numa metrópole irradiante, cuja supremacia é enaltecida vez ou outra pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

Mesmo desbravado impiedosamente por um rei sem classe e uma rainha louca, o Brasil não perdeu a oportunidade e buscou formas de reaver o que havia perdido ao longo dos anos. Sua economia é industrializada e sua balança comercial gira bilhões de dólares em transações no mercado de commodities, entretanto, é no mercado cultural que sua presença se faz respeitada. A indústria do entretenimento gera riquezas a partir da extravagante miscigenação de sua sociedade. Sua produção avança o mundo, diminui barreiras, mostra um pouco do seu povo. Tal essência muda valores por onde passa, desperta polêmica, gera insultos, aplausos ou mesmo desaguisados de caráter político, pondo em ebulição as diferentes esferas representativas de uma República. Um exemplo clássico dessa suposta "desestruturação cultural" aconteceu no limiar da década de 1990, com a transmissão de Barriga de Aluguel, novela de Glória Perez, que despertou a ira de muitos e a paixão de poucos. O tema central era a inseminação artificial e a locação do útero de terceiros por mães inférteis, algo novo para a época e alvo de bombardeios constantes por alas consideradas tradicionais do governo e da Igreja.

No Brasil, a novela quase foi retirada do ar por causa de uma ação movida no STF. Só não o foi porque Roberto Marinho, ainda na ativa, bateu um papinho, a portas fechadas, com o povo de Brasília. Em Portugal, transmitida pela estatal RTP, a novela sofreu diversos ataques da Igreja, que a considerou uma verdadeira heresia. Nos países africanos, onde a miséria se assemelha à força de um demônio e se apossa de mais da metade da população, a obra de Perez despertou o interesse de mulheres à boca do lixo que, diante das práticas da ficção, passaram a alugar o próprio ventre em troca de uma pataca. O fato se repetiu após a exibição de Cidade de Deus, de Meirelles, considerada pela crítica nacional um exemplo do cinema moderno, "um terror" para a crítica europeia e "normal" pela imprensa africana.

Mesmo de culto dúbio, as produções nacionais encontram-se entre as melhores do planeta e atendem a consumidores de todas as camadas sociais, daí a explicação para o caso de Portugal ser, atualmente, apesar de explicitamente xenófobo, o maior cliente da Rede Globo de Televisão, a mais bem-sucedida empresa midiática em língua portuguesa. Líder absoluta do mercado lusitano, a Globo estabelece novos conceitos de realidade, deturpa ou reitera valores tradicionais e insere, de modo desbravador - assim como fez a Coroa durante o período de colonização, uma forma diferente de linguagem ao impor um padrão de comunicação uniforme, não respeitando as diferenças lexicais existentes entre o português do Brasil, de Portugal, e dos demais países falantes pelo mundo. Veja um exemplo: os portugueses hoje falam "créu", dizem "créu", mas não compreendem o seu real significado, nem a implícita denotação sexual por trás desta palavra, tal a necessidade da SIC - atual parceira da Globo nas terras de Camões- optar por legendar as novelas brasileiras, evitando assim, dupla interpretação de sentido das palavras e transtornos futuros. Não há dublagem, como no Brasil. As vozes dos atores são as mesmas, mas há a legenda, com a versão portuguesa contrapondo-se à brasileira.

O português falado aqui não é o mesmo falado pelos outros países, por isso a necessidade de se estabelecer um acordo via CPLP para que, em breve, haja a redução dessas variações linguísticas e a criação de uma comunidade falante de um único português, como acontece, atualmente, com outras línguas. Há de se respeitar, ainda, a influência da regionalização no modo de falar, até porque, não é assinando um papel que tudo mudará; pelo contrário, as mudanças só serão possíveis por meio do diálogo e do consenso.

Algo difícil de acontecer, pois o que está em jogo é o interesse alheio, a arrogância da ex-metrópole em não se subordinar a quem já está subordinada há anos e a frágil relação político-estrutural africana. Quando todas essas barreiras hipócritas chegarem ao chão, um novo mundo será avistado no horizonte, repleto de talentos de todas as partes, com oportunidades iguais para todos, sem qualquer tipo de privilégio ou privilegiados, numa relação humana, digna, honrada, não de uma metrópole com suas colônias, nem de uma ex-colônia, com sua gigantez, e a de seus atuais subalternos; mas de um único povo, unido pelo mesmo ideal: construir a própria identidade! Uma identidade que não ruirá com o tempo, pelo contrário, eternizará o respeito mútuo, a liberdade de expressão e a democracia institucional, validando a importância de cada um dos povos representados na construção de um mundo mais justo e fraterno, em que os valores culturais deixarão de ser estabelecidos por poucos e vivenciados por muitos. É crer para ver!