Abertura do carnaval recifense sem maracatu: Retrocesso?
Carlos Tomaz é da Rede Afro LGBT e MNU - Movimento Negro Unificado
Publicado em 08/01/2018 no Diário de Pernambuco
Pernambuco é um dos estados do Brasil que recebeu milhares de negros traficados do continente Africano no período colonial. Esse tráfico negreiro não só nos trouxe pessoas que, antes foram reis, e rainhas na sua terra, posteriormente transformados em escravos no Brasil, como também com elas veio muita cultura, muito saber.
Aqui nos portos de Pernambuco, boa parte do povo negro africano traficado pertencia à cultura yourubá, por isso as terras pernambucanas são consideradas “terras de nagôs”. É aqui em Pernambuco que essa tradição soa mais alto. Assim não é por acaso que nossos maracatus nos estrondos de seus tambores, e bombos batucam ao som de vozes femininas e masculinas a loa “nagô, nagô, nossa rainha já se coroou...” Quem no estado de Pernambuco não conhece essa loa? Qualquer pessoa recifense por mais desconhecimento que se tenha de cultura negra, sabe identificar que esse verso pertence ao Maracatu de baque virado.
Compreender essa História é necessário para se pensar até onde a importância, ou não, de se ter a abertura do carnaval recifense com o tradicional Encontro de Maracatus no Recife Antigo, Marco Zero. Durante mais de 14 anos presenciou-se a força, a beleza, o axé e a riqueza dos maracatus, com suas rainhas, reis, damas do passo e boneca de cera (calunga) elemento mais importante do maracatu, que protege e guia a grande corte como toda a festa.
Essa manifestação negra de origem africana abrilhantou a abertura do carnaval recifense por mais de 14 anos onde se tinha à frente o grande mestre Naná Vasconcelos como regente do grande coro de bombos, ganzás e abês. Essa abertura valorizando o que de mais antigo se há de manifestação cultural negra em Pernambuco, pois temos o Maracatu Leão Coroado com mais de 150 anos ininterruptos de atuação, não se resume a uma simples “brincadeira de carnaval”, mas é antes de tudo marca de resistência negra no estado de pernambuco, é política de igualdade racial, que talvez, para alguns, não se perceba assim.
Nesse sentido acordar com a notícia estampada nos jornais de que a abertura do carnaval de Recife perde essa riqueza cultural negra, é ao mesmo tempo perceber o retrocesso das políticas de igualdade racial no campo da cultura como também entender nas entrelinhas as estratégias de apagamento da luta do povo negro e das Comunidades tradicionais por igualdade de direitos e respeito às suas tradições, como bem preconiza o decreto nacional 6040/2007 Art. 10.
Reduzir os maracatus a um cortejo numa quinta pré carnavalesca é indiretamente devolver a cultura e a luta negra à cozinha da Casa Grande. É desconhecer ou ver com olhar menor a grande participação efetiva da construção de Pernambuco e do Brasil pelo povo negro escravizado no passado, é desmerecer a luta dos movimentos sociais negros do presente e suas contribuições na elaboração de legislações e decretos, nas diversas áreas como educação com a Lei Federal 10.639/2003, Segurança Pública PMPE, com o GT Racismo decreto nº 1.255/2009, o PCRI municipal, com o Decreto 24.301/ 2008, entre outras.