DISCURSO, DESCONVERSA, DESONESTIDADE etc
Um dos problemas com a argumentação baseada em termos de discurso metonímico é que após assumir como válidos tais termos -- verbetes e expressões de um dialeto histérico -- a própria apreensão da realidade começa a se ajustar a uma articulação de sentenças que não remetem objetivamente a coisas, eventos, fenômenos, mas tão somente ao próprio discurso, como se entre interlocutores houvesse um código de subentendidos ativados sempre que necessário, sem o menor compromisso com causalidade, coerência interna do discurso e plausibilidade.
Segue, a título de exemplo, a abordagem de um post de redes sociais :
A RELIGIÃO INCENTIVA A EXCLUSÃO
Existe 'exclusão' decorrente do processo religioso?
A noção mesma de exclusão aplicada a um meio religioso talvez não passe de uma pegadinha sem muita criatividade, pelo que, entrar diretamente no mérito da questão a partir do que é insinuado no post é assumir a legitimidade do pressuposto embutido, qual seja, o de que exista mesmo 'exclusão' como consequência da religião.
A sugestão de que a religião fomente desagregação de algum tipo baseia-se no fato de que a palavra 'exclusão' constitui uma aposta desonesta em assumir que tal 'exclusão' seja entendida como 'exclusão social', que por sua vez encerra em si todo o estigma depreciativo típico de expressões de discurso metonímico (ou palavras-gatilho), que atuam como ativadores de reações emocionais e não como indicadores de elementos da realidade, num esquema saussurreano 'significante-significado-referente'; assume-se tacitamente que exista uma coisa chamada 'exclusão social', que é necessariamente ruim e, portanto, deve ser universalmente condenada.
Uma vez estabelecida a sugestão de uma relação fundamental entre religião e 'exclusão' (a coisa condenável), a reação desejada é a de adesão à tese sustentada pelo post, qual seja, a de que a religião é essencialmente ruim pois promove algo tão terrível como a 'exclusão'.
A condenação sumária, sem critério definido do que quer que seja, por atributos contíguos do objeto em questão, pode ser aplicada a praticamente qualquer contexto discursivo, a partir de outros termos de discurso metonímico, a fim de estigmatizar outros elementos, grupos, indivíduos, etc.
Em outras situações, termos como 'intolerância', 'fascismo', 'fundamentalismo', 'desigualdade-social' no sentido da condenação arbitrária a partir de noções vagas a respeito do que deve-ser-moralmente-reprovável, e , por exemplo, 'sororidade', 'pluralidade', 'empoderamento' , em relação ao que deve ser promovido como algo fundamentalmente aceitável desde uma perspectiva de uma agenda-do-bem.
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Insistindo na tese da religião-opressora, atalhando:
"A mulher não usará roupas de homem, e o homem não usará roupas de mulher, pois o Senhor, o seu Deus, tem aversão por todo aquele que assim procede."
Deuteronomio 22:5
"A religião exclui por motivos idiotas como o pano que as pessoas usam pra se cobrir."
Ao que podemos responder nestes termos :
1.Um mandamento do pentatêuco tomado por si só é um fundamento meio frágil para sustentar a tese proposta no post, a exclusão promovida pela religião.
2 Além do que, cada preceito da lei mosaica entra na construção de um código que tem por finalidade justamente, vejam bem, a identidade nacional.
Eram os rudimentos da legislação de um povo que se desvencilhava de quatro séculos de escravidão (no Egito ) em direção a uma nova terra (Canaã) , ambos de hábitos e costumes incompatíveis com a adoração do Deus único.
Veja que o uso do texto bíblico não poderia estar mais equivocado, na medida em que cada prescrição, desde a mais banal ( como recolher os próprios dejetos em local distante dos acampamentos) aos mais estranhos para nós (como certos cortes de cabelo e barba, ou certas restrições alimentares) , tudo concorrendo para a construção de um caráter distinto das demais nações, a já mencionada identidade nacional.
Em tudo e por tudo, o avesso mesmo de exclusão.
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