Camafeu do Brumado
A estaçãozinha da Rede Mineira de Viação, do povoado - hoje bairro de Pitangui, para efeitos administrativos - teve curta, mas curtida existência - de poucas décadas - na vida da comunidade do Brumado.
Construída nos anos quarenta para substituir a mera plataforma que lá existia, viveu seu esplendor, modesto, mas tão honesto, e todo resto, até quando, com a auto-denominada gloriosa revolução, o governo central determinou e prontamente executou, a controversa eliminação dos ramais deficitários das ferrovias brasileiras. Sentença de morte, sem recurso de qualquer sorte.
Era a era do transporte rodoviário, que nascia na sua voragem avassaladora, sem admitir concorrência. E nome da expediência e da modernidade. A jardineira do Tonico, que fazia o transporte alternativo entre Brumado e Pitangui, de uma légua, não tinha nada com essa perversão. Era ordem vinda do alto, mais alto até do que as meras cabeças pensantes da federal capital.
O vazio lúgubre da estaçãozinha, contudo, despertou-se sob a síndrome da Fênix: virou Estação Cultural, e vale mais do que uma parada, para além de se gozar a nostalgia do trem que não mais vem.
Biblioteca, cyberstation e até os instrumentos de uma banda de música, compartilham harmoniosamente aquele pedaço sob a regência de uma brumadense de truz, Silvanya Antônia, de provada competência, e dum zelo que seduz.
Ganhou vida e sentido aquele prediozinho duns poucos cômodos hiper-higienizados, que dá sentido de pertencimento a um Brumado transformado, abençoado.
A fábrica de tecidos, desativada há duas décadas, na mesma pracinha, onde paravam o trem, a jardineira e até a churrasqueira ambulante do Nélson Pereira, guarda as marcas de um passado digno de ser lembrado.
Na Estação, já não há sinais daquela azáfama de outrora quando a Maria-Fumaça se aproximava e uns gostosos e gozosos minutos conosco passava. No entanto, o acesso à sala de espera, ao antigo armazém, à sala do chefe da estação e do telegrapho, é todo franqueado - e se o quereis, ciceroneado pela simpática Silvanya, que se compraz em mostrar e compartilhar os tesouros que estão sob seus cuidados.
Ali, na parede, o retrato do benemérito Sêo Afonso Arinos, gerente da Companhia, que tanto fez pelo bem da empresa e de sua gente. Noutra parede, o Maestro José Jacinto, musicoperário que dá nome à "furiosa" local.
As revistas O Sesinho, que eram os gibis do operariado nos anos doirados dum Brasil que fé, esperança e orgulho inspirava, marcam sua presença lá também. Uns três ou quatro exemplares, em estado imaculado, se abrem todas com a mensagem patriótica do Vovô Felício, o Vicente Guimarães que - estarreci-me ao ouvir o relato de Silvanya - já visitou o Brumado nos seus bons anos. Iniciativa feliz e bem-sucedida de uma dinâmica Dona Vezza, professora e genitora de minha interlocutora.
Mamãe Zezé, ex-operária da "fapa", que tantas e tantas vezes cruzou os trilhos da linha, acabou pega pelo trem da saudade e pra lá levou uma muda de paineira que, não demora, há de dar sombra pra estação inteira...