CONDENAÇÕES

CONDENAÇÕES

Antônio Mesquita Galvão

Eu não confio muito nas condenações dos tribunais. Acho-as demasiadamente parciais, legalistas, casuístas, tendenciosas etc. Eu não acredito nas condenações de Deus. Ele é justo, porém antes de sê-lo ele é pura misericórdia e gratuidade, e esses valores se sobrepõem à justiça. Eu acredito mais na condenação da natureza, por exemplo. Se as penas dos foros são discutíveis e as de Deus são minimizadas por sua bondade maternal, quem se condena mesmo são as pessoas, que buscam e cavam suas próprias masmorras morais. A natureza sim, essa não perdoa. Deus perdoa sempre, os homens raramente, mas a natureza é inflexível e geralmente se vinga de quem a desrespeitou.

Mas hoje aqui quero falar de outro tipo de condenação. O grande filósofo J. P. Sartre († 1980) afirmou, nas fráguas de seu existencialismo, que o ser humano “é condenado à liberdade”, como a dizer que ser livre é mais perigoso e impõe mais riscos que ser escravo, dominado ou subserviente ao sistema. Na semana que passou um amigo me perguntou se eu continuava escrevendo, apesar de meus cento-e-tantos livros publicados. Respondi que sim que a despeito de mais de setenta e quatro anos eu ainda escrevia livros, crônicas, ensaios e outros quejandos, pois quem um dia começou a escrever, e faço isto há mais de cinqüenta anos, é invariavelmente condenado a escrever. Já lancei livros nas Feiras de Porto Alegre, Pelotas, Canoas e Campo Grande (MS), mas isso hoje não me atrai mais... Embora minha capacidade de deitar textos no papel seja hoje superior à capacidade das editoras e redações de absorver meus escritos, não consigo parar de escrever, como vitima de uma irredutível e pertinaz condenação. Há dias em que, durante a noite sou assaltado por alguma idéia criativa e me vejo compelido a levantar e ir para o computador expressar as idéias que me vieram em borbotões de compulsão verborrágica.

Escrever é fruto dos pensamentos e das idéias que se acotovelam em nossa cabeça, como uma manada de potros selvagens que querem romper as cercas para ganhar liberdade. Chega a ser um tormento. Deste modo, pensar também é uma condenação. Se os que escrevem, têm no múnus intelectual suas penas, eu costumo dizer que também somos “condenados a pensar”. Ah, como o ato de pensar nos traz problemas! Os gregos já diziam que o falar (e o pensar está aí embutido) é fonte de todos os mal-entendidos. Quantas vezes a gente diz ou escreve alguma coisa e os outros entendem de forma diferente, gerando incompreensões, invejas e até erros de interpretação de nossas palavras, especialmente nas redes sociais. Nos odeiam por pensar... Esta é a sina de quem escreve e reproduz o torvelinho de seus pensamentos. Nunca está descansado, ameaçado por aquilo que pensa. Por isso os pensadores tem que estar sempre se policiando...

Escritor, Filósofo e Moralista