Sociologia do Futebol

Perdi o encanto pelo futebol quando descobri ainda adolescente que time bom ou ruim depende antes de tudo de investimentos. Não há tradições, nomes ou valores suficientes para tornar um time independente do jogo do mercado.

Este carisma relacionado ao futebol é hoje explorado pelos dirigentes dos times de forma capitalista. A sua torcida é importante, mas a lógica da condução dos negócios esportivos não se submete a deste valores e símbolos.

A mágica que leva o torcedor a pagar caros por ingressos e até mesmo arriscar sua segurança para ir a um estádio, não é produzida pela empresa de forma tão eficaz como a tradição e a simbologia dos times a criam. Há hoje um marketing muito forte, que talvez no futuro supere as fontes tradicionais de carisma do torcedor.

A visão encantada do futebol presume coisas como a "força da camisa", a história do time, uma certa personalidade coletiva que envolve jogar ou torcer por um ou outro que seria a explicação de suas vitórias e justificativas para as suas derrotas.

Em todo caso, para aquele que é encantado pelo futebol, existe um carisma em seu time que é protegido das críticas, do peso da derrota e do mau desempenho. É por este carisma que o torcedor vai aos estádios, assiste os jogos na TV e briga com parentes e amigos.

O futebol, deixando o carisma de lado, funciona como uma empresa capitalista. Os pequenos times vivem de vender potenciais craques depois de um ou dois anos de bom desempenho em suas campanhas.

Eles raramente conseguem acumular jogadores com potencial de enfrentar os grandes times e ainda que conseguissem lhes faltaria estrutura de recursos humanos, como médicos e treinadores, além de campos de treinamento especializados.

Os grandes times no Brasil passam por situações parecidas. Times como o Cruzeiro apostam a longo prazo, se capitalizando com vendas, sem comprar grandes jogadores, fazem uma campanha mediana, até que tenham aporte para montar um time razoável. Assim conseguiram dois campeonatos brasileiros seguidos e agora voltaram para o momento de captação de recursos sem grandes investimentos.

O Atlético Mineiro, rival clássico do Cruzeiro, adota uma outra estratégia que é do marketing futebolístico. Funciona assim, compram algum craque em decadência em outros grandes clubes ou no exterior. Compram barato, em relação aos preços originais de quando estes jogadores brilhavam.

Patrocinadores se interessam em estampar a camisa de um craque ou mesmo ex-craque. A imprensa se interessa por estes personagens e lá está a marca da sua empresa sendo divulgada. A torcida fica super entusiasmada, os membros tradicionais do time ganham novo ânimo e lá se vai o time lutando com raça e com forças além da suas possibilidades normais.

É uma estratégia arriscada, mas funciona em torcidas que acompanham o time em qualquer situação - em outras palavras que gostam de fortes emoções.

Existem times que por força de corrupção dos seus cartolas, nem o seu know-how, história e força da torcida conseguem evitar sua decadência. São times que são espoliados pelos seus dirigentes. Uma coisa é lucrar com o time, que acho até legítimo, outra é espoliar o time com desvios, fraudes e enriquecimento ilícito a ponto dele quebrar mesmo tendo fontes de recursos superiores aos dos adversários que o derrotam.

Da mesma forma, fazemos com a política. Defendemos muitas bandeiras, brigamos com parentes, amigos e ofendemos pessoas que não conhecemos, mas não conhecemos o verdadeiro jogo. Por que o carisma no cega em relação as condições concretas em que a política se estabelece.

Raramente verá um torcedor discutindo futebol como questão empresarial, de investimentos e riscos, e condições materiais em que possam se sustentar como empresa. Por que discutimos bandeiras e não os motivos de quem as levanta.

Na política, discutimos pessoas e suas intenções. Não discutimos projetos políticos que cada um representa. Não somos capazes de perceber a relação entre estes projetos e as condições econômicas e sociais que são a base de seu sucesso ou fracasso.

Quando pensamos em projeto político, não pensamos no país, pensamos nos adversários deste projeto, em convencê-lo ou em destruí-lo. isto por que não sabemos fazer a relação entre a formação de um projeto político e as condições existentes para que ele ocorra.

Política deveria ser voltada para a sociedade, como uma ciência e filosofia que nos leve a condução de uma sociedade para rumos definidos de forma clara.

Voltando ao futebol, já imaginaram se os torcedores participassem mais das decisões estratégicas dos times? Exigissem maior transparência nas negociações e na contabilidade do time?

Não. O que nos resta, torcedores e militantes, é o símbolo, o carisma. E aos cartolas e políticos o verdadeiro jogo.

* este artigo supõe que o leitor conheça um pouco de futebol e seus bastidores. Por isto, para efeito de estilo, economia de espaço e tempo do leitor não apresento as referências aqui - que podem ser buscadas facilmente na internet pelos interessados ou solicitada nos comentários.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 09/07/2016
Código do texto: T5692485
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