Vargas Llosa deixa literatura de lado e defende liberalismo em conferência
SYLVIA COLOMBO
DE SÃO PAULO
09/05/2016
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, 80, abriu, na noite desta segunda-feira (9), a programação 2016 do evento Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, fazendo uma ampla defesa do liberalismo ("é a corrente ideológica mais civilizada e a única que pode permitir a coexistência de pessoas, religiões e comportamentos diferentes e de construir economias mais prósperas").
O prêmio Nobel deixou de lado a literatura em sua conferência. Durante mais de uma hora, mapeou a trajetória de sua formação política, iniciada quando tinha 14 anos. Na época, o Peru atravessava a ditadura do general Odría (1948-1956). Indignado com o autoritarismo, Vargas Llosa se entusiasmou com o socialismo. "Fiz uma ideia do comunismo como algo que faria possível trazer o Paraíso à Terra."
A experiência como militante comunista, porém, durou pouco mais de um ano, porque o escritor diz ter se incomodado com o dogmatismo dos debates e com a contundência violenta com que seus colegas defendiam suas ideias.
Ainda assim, o Nobel disse ter continuado a se considerar de esquerda por certo tempo, por conta da Revolução Cubana de 1959. "Havia uma atmosfera de muito entusiasmo, então, em torno dos barbudos de Sierra Maestra, e a Revolução parecia ser a concretização de um grande ideal. Uma oportunidade para conciliar, por fim, as ideias de liberdade e de Justiça social com o compromisso com os direitos humanos."
A decepção e a ruptura com Fidel Castro e o regime, porém, viriam em 1971, quando se deu o famoso "caso Padilla", a prisão do poeta Heberto Padilla (1932-2000), antes um defensor da Revolução, depois considerado um traidor. O "caso Padilla" também fez com que vários outros intelectuais latino-americanos abandonassem o apoio a Fidel Castro.
Vargas Llosa contou algumas passagens tensas e anedotas daquele tempo em que frequentou Cuba. Uma delas foi uma reunião entre ele, outros intelectuais críticos a Castro e o próprio ditador, em Havana, para expressar sua insatisfação. Seu grupo, porém, praticamente não pôde falar. "A reunião foi das oito da noite às oito da manhã. Fidel é um homem carismático, falou o tempo todo com muita paixão sobre a Revolução, mas não conseguiu dar explicações plausíveis para as perseguições a homossexuais e a opositores."
O escritor disse que, após a decepção com Cuba e o socialismo, sentiu-se "órfão" do ponto de vista ideológico, mas que a leitura dos existencialistas franceses, dos liberais ingleses, e em especial de autores como Raymond Aron, Jean-Paul Sartre, Isaiah Berlin e Karl Popper o ajudaram a abrir os olhos para o que hoje considera ser o melhor modo de governo.
"As sociedades mais avançadas chegaram onde chegaram com democracias políticas e com liberdade no campo econômico."
Com relação a Popper, disse que a principal lição foi a ideia de tolerância e de que não se pode coagir as sociedades a viver sob modelos únicos, pois a busca da perfeição é impossível no campo político.
"Para Popper, todas as tentativas de baixar o Paraíso à Terra terminaram em tragédia."
Vargas Llosa acrescentou que "buscar a perfeição nas artes é perfeitamente legítimo, mas busca-la no campo social quando se trata de coletividades é brincar com fogo e pode nos jogar ao inferno."
PERU E BRASIL
Sobre as eleições em seu país, que ocorrem no próximo dia 5 de junho, Vargas Llosa diz esperar que as pesquisas não se confirmem, e que a filha do ex-ditador Alberto Fujimori (1990-2000), Keiko, não vença o pleito.
Vargas Llosa competiu com Fujimori em 1990, e fez um balanço da campanha eleitoral: "Foi uma experiência ingrata, descobri que a política real é muito diferente daquela que imaginamos no campo intelectual. Foi ingrata, mas muito instrutiva."
SYLVIA COLOMBO