A ÁRVORE DO SAMBA

Comparo a música aos arvoredos, porque, mais do que como obra artística, tenho-a também como um bem cultural. Mas para entendê-la como bem cultural não podemos esquecer-nos de sua dinâmica “emissor-receptor”. O emissor é o compositor, intérprete ou músico. O receptor, o público.

Toda música tem um alvo. O outro. Sob o jugo tirano da mídia, a música é produto de consumo, o alvo é a massa consumidora, que a compra, consome e exige mais, posto que, a ética do consumismo, filho primogênito do capitalismo, é a quantidade. Nas vias da alta cultura a música é bem artístico, o alvo é o apreciador de obra de arte, que a contempla e ao contrário da massa no afã do consumo desenfreado, não a descarta, pois para ele música não é um bem descartável, a preserva. Ao invés de quantidade, ele almeja qualidade.

Voltando a falar dos arvoredos, a beleza das árvores é a beleza das flores. De suas flores. Os ipês com suas grinaldas brancas, as cerejeiras com suas guirlandas vermelhas. Há ali também uma dinâmica “emissor-receptor”. O emissor é Deus, que por meio da mãe-natureza enfeita as madeixas de árvores e arbustos com adornos floridos, multicores. Os receptores não são os jardins ou bosques, estes são apenas a plataforma para a manifestação de tamanha beleza. Os receptores somos nós humanos que conferimos um juízo de valor ou de gosto à estética das flores.

E é atingindo o receptor que a música se torna cultura. Quando ela interfere no outro, o estimula, o diverte, o consola. Quando influencia o meio social se transforma em bem cultural. A música trancada dentro da gaveta, guardada numa pasta, arquivada num drive de mp3 e que não é compartilhada é apenas, e tão-somente, uma criação artística. Não contribui para cultura, não é um bem cultural, simplesmente porque não influencia o meio.

E porque comparo a música as árvores, lembro-me dos lindos manacás que florescem em fevereiro. Nesta época do ano é possível vê-los garbosos, cheios de pompa, tingindo as encostas da Serra do Mar de lilás e cor-de-rosa. Mas passados alguns meses suas flores murcham, perdem o viço, a vitalidade, a cor. Os manacás já não mais se destacam. Quem quer que suba a Serra e divisar a mata densa não poderá distingui-los em meio ao verde e seus dégradés. São assim as músicas passageiras, modinhas de verão, paixões de carnaval, sucessos espontâneos, efêmeros, transitórios. Iguais aos manacás encantam, mas logo somem sem deixar rastro ou lembrança. São descartáveis.

A música para influenciar outrem e se tornar bem cultural tem que conter uma mensagem. O emissor deve ter algo a dizer ao receptor ou o seu canto, caso contrário, igualar-se-á ao canto das cigarras, que não tem conteúdo reflexivo, pois cigarras não sabem pensar. O compositor é um formador de opinião. Mas como formar opiniões se ele mesmo não tiver as suas? A música para se tornar patrimônio popular ter que ir além dos “bunda-lelês, baba-babys e rebolations”, ir além dos "tchu bira birons, tchereretchês e quero tchus,quero tchas", essas já nem são manacás, são embaúbas. Árvores grandes, mas, vazias, ocas, inúteis. A polpa muito mole, não presta para lenha, nem pra fazer carvão, tampouco para canoa.

Mas há arvores mais raras, que crescem devagar, vão ficando mais altas, mais altas, mais altas, se distinguindo das outras. Seja fevereiro, seja setembro, pode-se identificá-la. Assinalam florestas mais antigas, seculares e servem de referência a muitas gerações. Sua madeira é nobre, é madeira de lei. É boa lenha, mobília duradoura e embarcação segura. Árvores como a canela, o pau pereira do campo, o jacarandá e a mais bela e frondosa de todas: a árvores do Samba.

Ricardo Bispo
Enviado por Ricardo Bispo em 06/09/2013
Código do texto: T4469013
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