SERMÃO DE PÁSCOA
O pessimismo antropológico de Kafka, com certeza, não é uma mensagem pascal. Mas serve para destacar o sentido desta mensagem. Franz Kafka conta, em sua curta “Fábula do Ratinho e do Gato”, que o mundo do ratinho se situava entre dois muros. Mas no início da vida o ratinho achava estes muros bem distantes entre si, e o seu mundo lhe parecia imenso, amplo, maravilhoso. Parecia até que nem existiam estes muros. No entanto, no decorrer de sua corrida existencial os muros iam se estreitando. E, ao final destes muros, estava a ratoeira. Quando chegou perto desta ratoeira um gato lhe gritou: retorna! E, ao retornar, o gato o devorou.
Nesta fábula de Kafka o rato é o ser humano, e o gato o mistério. No início de sua vida, na infância, na adolescência e na Juventude o ser humano percebe o mundo como se não tivesse limites. Joga-se na vida. Mas, na medida em que avança em seu existir, percebe que este mundo tem limites, possui “muros”, doenças e a velhice se fazem presentes. Biologicamente a vida do homem é uma corrida desgastante que o arrasta para frente. E ao final, o que o espera? O fracasso biológico: a morte (a ratoeira). Durante a vida ouvem-se mil vozes que previnem a todos: cuidado com a saúde, cuidado com a violência, cuidado com a velhice. É o “gato” da fábula que grita. Mas de nada adianta querer evitar a ratoeira ou este “gato” kafkiano (o mistério da vida, o destino). Ninguém escapa de um ou de outro. O destino humano kafkiano é este: por mais que corramos na vida, tudo resulta no fracasso, na morte.
A mensagem da Páscoa é um contraponto ao pessimismo kafkiano. A Páscoa lembra ao homem o valor da vida, a libertação de escravidões, fala das possibilidades e esperanças de restauração da vida por mais humilhada que tenha sido. A vida humana não se reduz simplesmente ao biológico. Os espinhos, as torturas, os escarros, os abusos de poder, as injustiças não estreitam inexoravelmente o mundo dos homens. A Páscoa aponta para a vida humana restaurada pela esperança, pela dedicação, pela solidariedade, pela compaixão, que brotam do mais íntimo do ser humano. E isto faz com que ao final estreito dos muros da vida não esteja a ratoeira do destino, mas se abra nova porta para uma vida mais plena, que se espera para além desta nossa vida biológica. Uma vida espiritual plena de valores, norteadores para a construção de uma vida digna e mais plena já nesta terra.
Inácio Strieder é professor de filosofia- Recife-PE.