FOTO FULVIA.
(Da esq. pra direita) Carlos Sena, Ariano e Dr. Fernando Menezes - Secretario Executivo.

 No palco com sua mesinha cenário inseparáveis.

Tive o prazer e o privilégio de coordenar a SEMANA DA MULHER, em comemoração ao seu   DIA INTERNACIONAL, numa iniciativa da Secretaria de Saúde de Pernambuco. No encerramento dessas comemorações, pela manhã, fizemos a palestra “MACHO NÃO AMA MULHER” que nos deixou felizes pela quantidade de servidores que se interessaram pelo tema. À tarde, fomos premiados com uma AULA ESPETÁCULO! Quem a proferiu? Simplesmente um “pernamparaibano” chamado ARIANO SUASSUNA, atual Secretário de Cultura de Pernambuco, membro da Academia Brasileira de Letras e conhecido no Brasil e no exterior pela vigorosa obra literária.

Coube ao Secretário Saúde em Exercício, Dr. Fernando Menezes e eu, fazermos as honras da casa. A plateia foi ao delírio com as histórias dele repletas de sabedoria e ensinamentos, mas sempre norteadas com o pano de fundo da sua terra natal Taperoá – sertão dos Cariris Velhos da Paraiba e por RECIFE – cidade que ele escolheu para viver, amar, e se notabilizar.

De tantas histórias contadas na linha “causos”, muitas eu já conhecia de outros encontros feitos com a presença dele. Contudo dois momentos me marcaram esse encontro com o Mestre Ariano: o primeiro, quando o recebemos no gabinete do Secretário de Saúde. Enquanto não chegava a hora de ir para o auditório, tiramos fotos com ele que, como sempre, não deixa de falar, dando-nos a impressão que a “aula” teria começado. Sua simplicidade chega a ser inexplicável. Seu permanente bom humor não se desliga da capacidade que tem de contextualizar tudo e todos. Ela abusa do direito de ser versátil, inteligente, gentil e paciente – conjugação a que convenhamos parece rara, principalmente no seio da geração mais jovem.

Ainda no Gabinete, lembrei-lhe o episódio de uma cirurgia (hernioplastia) que ele teria se submetido no hospital Barão de Lucena, da rede SUS. Ele se lembrou com detalhes. O grande detalhe intrigante é que ele foi se internar na rede pública contrariando o desejo de boa parte da sua família. Provavelmente a família não confiava (como muitos ainda não confiam) na resolutividade das ações de saúde da rede pública. Ele enfrentou a família usando com base de enfrentamento sua cidadania, fincada nos seus direitos – ele  tinha certeza de que o SUS era UNIVERSAL E EQUANIME e isto seria garantir um direito SEU enquanto cidadão. Cirurgia bem sucedida! Não porque ele era ARIANO SUASSUNA, haja vista que num primeiro momento não foi reconhecido por ninguém. Saiu da sala de cirurgia direto para a da recuperação foi ali que alguém, desconfiadamente, teria lhe perguntando: “o Senhor não é Ariano Suassuna”? Depois disto, não teve mais sossego. Todos queriam tirar fotos com ele, conversar com ele e tudo mais. Ele, elegantemente, como forma de agradecimento, fez um “lançamento” de livro com os médicos e enfermeiros do Hospital Barão de Lucena. Tão logo mencionei esse episódio ele foi imediatamente lembrado com detalhes. Confesso que imaginei que ele pudesse até ter dificuldade de lembrar... Mas este foi um dos motivos (ser usuário do SUS) pelos quais decidimos convidá-lo para encerrar o evento da semana das mulheres. Uma personalidade conhecida mundialmente em função da defesa da nossa CULTURA brasileira, em especial nordestina. Afinal, era uma plateia preponderantemente de servidores da saúde pública pernambucana, do SUS.

O segundo momento foi durante sua AULA propriamente dita. Do alto dos seus oitenta e três anos, voz rouca, estatura alta, magro, tinha tudo para ser frágil em função de sua compleição. É forte que nem MANDACARU, xique-xique, velame, macambira, principalmente quando fala. Usando a palavra dá-nos a impressão de que vira um gigante em contradição com sua aparência frágil. Deu-se ao direito de esnobar no melhor sentido da palavra.  Falou da musica ruim que assola o País, falou dos que lhe procuram para dizer o que e como ele deve escrever. Falou da banda Calypso: relembrou quando um neto seu lhe disse que tinha coisa pior no Brasil e ele logo respondeu: então nem me diga! Falou bem demais de Debussy como um dos maiores músicos do mundo; falou bem demais de Villa Lobos, de Miguel de Cervantes Dostoievski e tantos outros escritores famosos que lhe serviram de inspiração e fonte. Falou de episódios pitorescos como um jantar que um homem rico do Rio de Janeiro lhe ofereceu por ocasião da sua posse na Academia Brasileira de Letras. Esse anfitrião era um novo rico que confundia dinheiro e bens materiais com cultura, coisas do gênero e isto, já nos conduz a certa previsão do que deve ter ocorrido com Ariano diante dessa inversão de valores. Interrogado se tinha gostado do salgadinho importado que estava comendo, respondeu que não sabia, mas que o gosto era de coco catolé – um coquinho pequeno muito comum no nordeste que vende nas feiras em forma de rosário. As crianças colocam no pescoço e ficam comendo até se empanturrar. Fico imaginando como se sentiu esse rico anfitrião diante dessa resposta.

Tenho a impressão de que o que mais impressionou a todos foi sua fala sobre o amor e o afeto. Confessou-se um apaixonado por sua mulher. Resgatou um pouco da trajetória deles desde o primeiro encontro na Rua Nova no centro do Recife até o encontro definitivo. Ele chegou a se emocionar quando falou da família, das netas que estão em Paris. Do filho que confeccionou o cenário que lhe acompanha sempre em suas aulas. Falou das irmãs e repetidamente da sua esposa. Enfim, deve ter deixado estarrecidos muitos que ainda tenham dúvidas quando às relações estáveis, em plena era que tenta institucionalizar o “FICAR”. Detalhe: sua aliança de casamento não lhe sai do dedo e tudo indica ser original.

Finalmente encerra sua aula enaltecendo o acolhimento que teve dos servidores da Saúde. Agora viria o terceiro tempo: sua saída! Fila enorme para cumprimenta-lo e tirar foto. Sua assessoria já está devidamente instruída pelo mesmo para não impedir o acesso. Ele, pacientemente e, como disse, com a gentileza que lhe é peculiar, atende a todos.

A impressão que a gente tem, diante de tudo que vimos e presenciamos, é que Ariano Suassuna se sente amado e querido pelo seu povo. Ele deve ter certeza de que, quando morrer, pouco será feito em termos de reconhecimento, além do que já se faz com ele em vida. Ariano é uma ilha de cultura cercada de amor pela sua terra por todos os lados. Ele, na qualidade de Secretario de Cultura, percorre todo interior de Pernambuco com um projeto de levar boa música para todas as pessoas, principalmente aquelas para quem a mídia só oferece baboseiras tipo Calypso, Garota Safada e semelhantes. Confessou que chegou a reunir numa pequena cidade do interior em torno de cinco mil pessoas. Sua equipe é de músicos e bailarinos que se interagem num universo de musicas clássicas e harmorialmente populares. Seu palco é a praça ou um circo que ao que pudemos entender, já faz parte do seu espetáculo itinerante.

Ariano é controvertido, mas poucos o enfrentam de cara. Alguns até tentaram, mas foram traídos pela falta de elementos culturais capazes de fazê-los levar vantagem nos argumentos. Ariano é Nordeste. Só esta condição já leva muitos intelectuais a olhá-lo de viés. Contudo, poucos alcançaram sua versatilidade nas letras, no teatro, na televisão, na musica.

Finalmente ele consegue atender a todos e retornar para tomar um café conosco. Mal se sentou e logo mais fotos, mais conversas. Só tomou água de coco e comeu uma única uva. Dava-nos a impressão de que estava em outro estágio da vida – aquele em que a comida passa a ser um detalhe e a leitura, o principal alimento do espírito. Saiu com sua equipe com ar de felicidade. De fato ele deve ter se sentido muito bem acolhido. Foi direto pra casa, pois já estava com saudades de sua mulher e dos seus netos. A mim, ao Dr. Fernando e demais  convidados, restou a certeza de que vale a pena ser nordestino e conterrâneo de Ariano Suassuna.

PS – Ariano nunca saiu do Brasil. Só viaja se for obrigação. Detesta avião, mas não tem medo. Acha um tédio ficar sem ver nada pelas janelas, “cança ver aquelas nuvens sem graça repetidamente"; detesta ouvir as aeromoças falarem com aquele linguajar avionês/aeroportês  (grifo meu). Pra ele o melhor lugar do mundo é sua casa. Falou e disse.