A GRAMÁTICA NORMATIVA (Para não deixar a escritora Anita D Cambuim sem uma resposta).
“Um dia surge um escritor que se torna campeão de vendas: Saramago, que praticamente rompe com a gramática. Vem Guimarães Rosa e seus neologismos... Entre o bem escrever e o conquistar o leitor qual a diferença, Professora?” (PERGUNTA DA ESCRITORA ANITA D CAMBUIM)
Pergunto e respondo como se fosse eu locutor e interlocutor, simultaneamente, e para dizer de tanto que me questionam. Professora, você odeia a Gramática? Não. E nem morro de amores por ela. A Gramática pode ser mudada? Até a Constituição Federal pode. E até precisa. E que tem a ver a CEF com a Gramática Normativa? Poxa, eu pensei que você já houvesse notado! E a senhora, quando escreve ou fala, se comporta como manda o figurino da Gramática? Naturalmente que sim e a depender da circunstância. E você faça o mesmo. Professora, isto não é incoerente? Absolutamente. Quando alguém come alimentos de boa qualidade nutritiva, mas de que não gosta tanto, não é pelo fato de ser obrigado, mas de ser inteligente. E é inteligente obedecer à Gramática? Claro, como igualmente é inteligente obedecer às leis que regem um país. Eu tenho horror às cadeias. Por que são sujas? Não. Porque se perde a liberdade. E o que faz a senhora obedecer à lei gramatical se a critica? O fato de ser civilizada e ser professora. Que difícil de entender.
Sobre o rompimento com as regras, cabe lembrar a Semana de Arte Moderna. Sobre as leis, elas caducam e precisam de reformulação para se ajustar aos tempos. De que adianta a Gramática Normativa ordenar que se escreva ou fale de um jeito que não existe, que não está na boca do povo e nem dos nobres? Se a língua tem poderosas forças e asas?
Talvez um dos motivos de Saramago haver alcançado esse nível de aceitação foi justamente essa quebra necessária de algumas correntes, como o fizeram os grandes intelectuais da Semana da Arte Moderna, assustando a tradicional família paulistana e o resto do país. Eu adorei o sapo-boi. E fico imaginando as cenas e os indignados ohs e ahs! Foi tudo muito bem empregado. Toma!
Acontece, porém, algo que não é entendido pela maioria das pessoas. O seguinte: para fazer essa ruptura, tem que ser alguém de coragem e autoridade na área. É o caso dos movimentadores do evento que abalou as estruturas da literatura brasileira, abriu espaços e mudou mentalidades. É o caso de Saramago e de tantos outros. Uma questão de personalidade. Quem muda a mesmice é o líder, seja ele um guerrilheiro ou um intelectual dedicado às letras.
“Outros passarão,/ eu passarinho”, disse-o muito bem Quintana. Eu não gostaria apenas de passar, gostaria de voar, mas ainda me encontro muito atada às concepções adquiridas nas aulas das inúmeras disciplinas do Curso de Letras. Disciplinas nazilinguísticas que nos fizeram acreditar num purismo inexistente. Sou muito feliz de haver mudado o meu pensamento e de usar algumas dessas concepções apenas para não ser “presa” por desacato à autoridade ou outro motivo qualquer, de acordo com a Lei. Mas o coração não se sujeita. A mente lógica rejeita os exageros. Nunca fui e nem serei uma promotora de holocaustos entre estudantes, aterrorizando-os de tal forma que se afastem dessas cercas farpadas da língua submetida ao gosto de alguns. Eu me orgulho de ter feito meus alunos amarem a literatura, a língua, o conhecimento e a liberdade. Paga-se caro, mas a satisfação é indizível.
Por falar de coração, verdadeiramente herdei o amor que me foi ensinado e amo o outro que me diz a inteligência. Esta, todos os dias repete: Tânia, “tudo é vaidade”. Tem horas que a gente precisa dessa vaidade porque o ser humano é julgado pela aparência e também pela demonstração de informação, cultura e outros. Se querem, eu dou. Só que o meu grande amor, o meu amante, é o simples, o natural, o despojado. Fiquei, portanto, esta criatura anfíbia. Sinto-me bem assim.
Por citar Guimarães Rosa, ele também enfrentou dificuldades para ser aceito e compreendido, e não falta escritor brasileiro que tenha sido renegado por editores. Quem tem raça e garra, faz o que lhe apetece. Guimarães fez, José Lins do Rego também.
Vivemos na sociedade capitalista e seria, sim, muito bom transformar o nosso exercício, o nosso conhecimento em dinheiro, mesmo porque, para termos uma bagagem, esta veio do investimento financeiro de nossas famílias. Investimento muitas vezes sem retorno.
A esta altura não alimento mais ilusões porque a maioria é quem vence e a nossa maioria gosta de outras coisas, compra outro tipo de música e de literatura. O melhor é aprender a conviver com o mundo para evitar o sentimento do fracasso e da impotência. Todos os dias eu me esforço para ser tolerante, coisa que antes não sabia ser. É mesmo delicioso quando se consegue.
E, por falar em intolerância, a Gramática Normativa é doutora honoris causa no assunto. E se torna daquelas antipáticas, esnobes e mandonas. Eu não tenho medo dela e a uso por conveniência. Sinceramente não me aborreço mais com as pessoas que dizem ou escrevem “nós vai”, “menino, vá lavar ar mão”. Estou curada. Neste caso, usaria a frase de determinados sermões modernos em algumas igrejas muito conhecidas: “Fui arrebatada”. Isto não quer dizer que eu ensine a contramão aos meus alunos. De forma alguma! Eu ensino a mão, falo dos perigos da estrada e ainda digo que, se não obedece à lei, se ultrapassa, possivelmente será acidentado e até morrerá socialmente.
A Lei é um departamento, o gosto é outro e, como diz o provérbio, “quem tem cabeça, tem juízo”.