LOGOSOFIA

Em 1930, Carlos Bernardo González Pecotche lançou as bases de uma nova cultura - a Logosofia - que haveria de se espalhar rapidamente por todo o continente americano. A nova ciência se mostrava como um caminho a ser percorrido por aqueles que pretendessem transformar as suas vidas num grande campo de aperfeiçoamento moral, psicológico e espiritual.

Quem era aquele jovem que, aos vinte e nove anos, trazia os novos conhecimentos? De onde os teria extraído? Em que fonte teria bebido?

Seriam necessárias décadas de esforços, estudos e realizações, a publicação de inúmeros livros, centenas de palestras, o surgimento de escolas de educação infantil e o resultado da aplicação daqueles conhecimentos na vida de milhares de estudantes, para que se pudesse avaliar a originalidade da ciência que estava no haver hereditário de seu criador que o ofereceu aos que quisessem construir um caminho para depois percorrê-lo com os próprios pés, sem nenhuma muleta.

Os conhecimentos, a técnica, o método pedagógico tinham uma diretriz fundamental: nenhum estudante deveria acreditar ou aceitar passivamente aquilo que a Logosofia vinha ensinar, senão buscar a comprovação daquilo que recebiam como instrução. “A comprovação prévia de uma verdade é lei no processo de evolução consciente”, dizia o pensador. Essa garantia não puderam dar os predicadores que pretenderam escravizar as mentes através de preconceitos que cegavam os entendimentos. Quando afirmava que os agentes causais da vida humana eram os pensamentos que habitavam as mentes dos seres humanos, e que seria necessário conhecê-los, identificá-los, classificá-los e selecioná-los através de um processo que tornasse possível a ascendência da vontade sobre eles, ao invés de ser seus escravos, isso não poderia ser aceito passivamente, senão compreendido profundamente.

Um dos pilares da Logosofia – especialidade científica e metodológica que trata da reativação consciente do individuo - é sua concepção sobre o sistema mental constituído por duas mentes: uma comum, inferior, utilizada para a vida comum, a material, e que pode ser parcialmente organizada através dos estudos correntes nas escolas e universidades; outra superior, que transcende, e que existe em latência em todo o ser humano. É muito comum ouvir-se dizer que usamos um quase nada de nossa capacidade mental que equivale à esfera mental inferior para a nossa sobrevivência na Terra. Já a esfera superior precisa ser ativada para que se transcenda os estados primitivos em que se encontre.

Os conhecimentos apresentados pela Logosofia tendem ao desenvolvimento do sistema mental como um todo, organizando a mente inferior e desenvolvendo as faculdades superiores.

Se o ser humano continua se comportando como um selvagem, apesar de incontáveis séculos de aparente evolução, é porque não aprendeu a pensar, a reconhecer o Criador em tudo quanto existe, especialmente em seus semelhantes que deveriam merecer o maior respeito.

Nestes tempos de violenta modernidade, o afastamento entre as pessoas e os povos é um distanciamento incompreensível provocado pela ignorância e preconceitos. O ser humano desentendeu-se consigo, com os semelhantes e o planeta; as guerras têm suas causas neste desequilíbrio. As degradações das relações humanas são o sintoma do grande vazio promovido pela ausência da chama superior que todo o ser humano traz, mas que jaz adormecida como a bela princesa dos contos infantis.

Para ter um domínio sobre si e conquistar a capacidade de enfrentar as dificuldades que a vida apresenta, é necessário preparar a mente, o que pouco tem ver com a instrução que se recebe nas escolas cujo objetivo se limita à capacitação profissional. Essa educação é mais ampla e abrange toda a vida.

O ser humano vive em um mundo onde imperam os pensamentos; onde os homens têm a equivocada sensação de serem senhores de suas vidas, dos acontecimentos e do espaço que habitam. Em geral, são os pensamentos que perambulam pelo mundo que governam a vida das pessoas. Veiculados pelos meios de comunicação, caminham de mente em mente, impressos em livros, provenientes, muitas vezes, de mentes exóticas cujos donos de há muito se decompuseram sob lajes ancestrais que não conseguiram sepultar as idéias e os costumes que compõem o grande cemitério das chamadas tradições.

Mas o que são os pensamentos? Sendo um produto da mente humana, não seríamos nós os seus senhores? Onde está o pensamento? Que sutil engenho poderia fotografá-lo? É invisível? A que mundo pertence?

A existência do pensamento como agente da inteligência e promotor da felicidade ou do sofrimento do ser humano é a prova cabal da realidade de um outro mundo, o mental, absolutamente desconhecido pela maioria das pessoas. Essas entidades invisíveis são perfeitamente visíveis aos olhos do entendimento desde que ele tenha sido convenientemente adestrado.

O caminho da evolução consciente exige que a mente seja preparada para o conhecimento e domínio dos pensamentos, e capacitada para a criação de outros novos, filhos mentais gerados e educados pela pessoa que, através deles, poderá chegar a sobreviver aos curtos anos da vida no planeta. O império dos pensamentos poderá ser substituído pelo da inteligência através da reversão da condição humilhante em que a maioria se encontra, escravizada por pensamentos que perambulam pelo mundo.

Carlos Bernardo González Pecotche faleceu em quatro de Abril de 1963 deixando uma vasta obra bibliográfica e uma Escola de Adiantamento Mental com sedes na Argentina, Uruguai e Brasil. A Logosofia - ciência original de sua criação-continuou a ser estudada nas diversas sedes da Fundação Logosófica em Prol da Superação Humana que conta hoje com diversas filiais na América, Europa e Oriente Médio; seu objetivo é o estudo e aperfeiçoamento do ser humano. Para González Pecotche, viver deveria significar muito mais do que ser um mero espectador no teatro da vida, um repetidor de frases e gestos criados por outras pessoas. E para que se pudesse chegar à compreensão clara de seu significado, seria necessário exaltar o amor a ela; não o amor egoísta, separatista, que distancia os homens por interesses diversos, raças, ideologias ou religiões, mas o verdadeiro, o que exala de cada criatura, cada amanhecer, como um motivo de vida, alegria e verdade.

“A Sabedoria de Deus está plasmada na criação, enquanto que a do homem consiste em conhecê-la e servir-se dela para superar as etapas evolutivas de seu gênero”, escreveu o pensador. E conclui que “o homem busca o conhecimento porque é o meio pelo qual chega a compreender a sua missão e a sentir a presença em sua vida deste ser imaterial que responde ao influxo da eterna Consciência Universal e é portador, através dos tempos, da existência individual”.

Portanto, o conhecimento move o homem para que se eleve, para que deixe de ser o que é para ser algo melhor; e é o grande agente criador das possibilidades humanas.

Na certidão de óbito do ilustre pensador consta a profissão de escritor, autor de composições literárias ou científicas. No dizer do advogado José Antonio Antonini, estudante de Logosofia e editor que teve a oportunidade de conhecer pessoalmente González Pecotche, “aqui se sobressai uma dessas particularidades do escritor: ele é autor de composições, não somente de uma ou outra modalidade, senão de muitas, tanto literárias quanto científicas. E fazia-o valendo-se de formas conhecidas, como o romance, o diálogo, a expositiva, a poesia, o tratado, mas sempre vinculando tais formas ao gênero científico, visto ser o criador de uma ciência que denominou Logosofia, uma especialidade científica e metodológica que se ocupa da reativação consciente do indivíduo. Também foi editor, ilustrador, pintor, músico e compositor. Sua partitura sobre Recordações Egípcias, ele a executava em uma rádio Argentina. O que o distinguia da generalidade dos escritores era precisamente esta aptidão de incursionar em todos os matizes da composição literária, vinculando o leitor aos princípios metodológicos e científicos desta ciência da vida ou do invisível que se encontra em cada ser”.

A presença marcante do espírito de González Pecotche não haveria de esmaecer-se com o seu desaparecimento físico, pois os seus pensamentos estavam consubstanciados no grande movimento por ele iniciado do qual fazem parte todos os estudantes e pesquisadores, as escolas criadas, a vasta bibliografia, as centenas de conferências pronunciadas e, principalmente, os eloqüentes resultados obtidos através da aplicação do novo método pedagógico que afirmava que o ser humano pode ser dono absoluto de sua vida e destino, ao aprender a pensar, libertando-se das travas seculares que haviam imobilizado sua inteligência e vontade transformando-o num ser violento, irascível, perturbado e incapaz de conviver em paz com os semelhantes.

Depois de séculos de orfandade espiritual marcados por guerras inomináveis e sofrimentos sem par, o ser humano deveria começar a construir um novo caminho reconhecendo suas limitações e defeitos, conhecendo-se melhor e transformando a sua pessoa num ser verdadeiramente humano, deixando de comportar-se como um animal para compor um quarto reino, o hominal, no qual figurariam os seres verdadeiramente inteligentes e não os que fazem descobertas para infernizar a vida da humanidade.

Dentre as grandes lições deixadas pelo humanista destaca-se a da gratidão ao bem recebido que nos permite mantê-lo como um talismã que haverá de substanciar os dias futuros e iluminar o caminho dos que virão trilhá-lo. Através da gratidão e da recordação, o espírito daqueles que beneficiaram a humanidade em sua breve passagem pela Terra haverá de sobreviver e prosseguir em seu silencioso e humanitário trabalho, invisível aos olhos de muitos, mas sólido e consistente na perspectiva da História.

Nagib Anderáos Neto