A CAMINHO DA "TERRA SEM MALES"

Pesquisas antropológicas entre povos guaranis descobriram um estranho mito migratório, em algumas de suas tribos. Migravam estes povos em busca de uma "terra sem males". Esta constatação lembrou logo aos estudiosos a passagem bíblica do "paraíso perdido". Interessante é que os índios alimentavam a esperança por uma "terra sem males", enquanto o povo bíblico chorava de saudade pelo "paraíso perdido". Será que aqui não nos confrontamos com a "saudade do futuro", no linguajar de Fernando Pessoa? Carlos Mesters, estudioso da bíblia no Brasil, escreveu um interessante livrinho, com o título: "Paraíso Terrestre, saudade ou esperança"?

O homem é um ser que sente saudade por algo perdido. Mas, ao mesmo tempo, aspira por uma vida mais perfeita. Sente uma ruptura em seu próprio ser. Experimenta no dia-a-dia da vida uma imperfeição: busca saúde, mas encontra doença; quer a paz, mas é envolvido pela violência; deseja compreensão, mas é incompreendido; gostaria de viver, mas morre. A sabedoria de 1000 anos antes de Cristo já afirmava: "A vida do homem é 70 anos, alguns chegam a 80; o que passa disto é miséria" (cf. Salmo 90). Esta percepção de sua fragilidade, de sua imperfeição, de sua transitoriedade, de sua ruptura interior, de sua pequenez frente ao universo que o cerca, faz com que o homem se perceba rompido com o mundo perfeito, duradouro, seguro e absoluto. As dimensões do infinito o apavoram e angustiam, mas ao mesmo tempo o fascinam ( cf. Blaise Pascal). Essa angústia e percepção de ruptura provoca nele um sentimento de culpa. Ele se percebe culpado por esta ruptura, e o seu espírito o impele para superar a separação, e construir novamente a união com o absoluto, do qual se sente afastado, mas que o atrai. É dessa consciência de ruptura, de separação e de falta de perfeição que nasce a religião. O próprio termo "religião", segundo uma antiga etimologia, vem do verbo latino 'ligare, re-ligare", com o sentido de religar. Pela religião o homem procura se religar a Deus. Supera o que o separa do mundo espiritual, perfeito e unido a Deus. Por isto, o homem, para se religar a Deus, reza, medita, canta, celebra cultos, pratica boas ações. Segundo Santo Agostinho, "o coração humano estará inquieto, enquanto não descansar em Deus ". Este "descanso em Deus" é a saúde espiritual, a salvação do homem, que todas as religiões prometem a seus fiéis.

Os mitos, os símbolos, os ritos e os cultos das religiões divergem. Mas todas nascem dessa percepção de ruptura do homem com o absoluto, do qual o espírito humano tem sede e saudade insaciáveis. Isto explica porque não se encontrou povo na terra que não tivesse alguma manifestação religiosa. Pois, desde que despertou no homem a dimensão espiritual, ele se angustia e busca voltar para a "terra sem males", onde espera encontrar a fonte da vida que saciará sua sede de maior perfeição. Por isso, todos os homens necessitam de uma religião que os oriente no caminho que conduz à "terra sem males", ao "paraíso", ao "céu", onde o infinito absorve o finito e a vida se pode manifestar plenamente. Para os religiosos esta "terra sem males" situa-se junto a Deus; para os não-religiosos a busca por esta "terra" se encontra em algum lugar do mundo finito.

Inácio Strieder é professor de Filosofia - Recife/PE