RIQUEZA BIBLIOGRÁFICA

O interesse pela memória histórica aparece quando pessoas e comunidades desenvolvem sua autoestima, através do desenvolvimento cultural. Esta memória é fundamental para a própria identidade e a compreensão do ser humano. Pode ser uma memória perigosa, quando nos lembra fatos desagradáveis que podem se repetir, caso despertemos as causas que outrora os ocasionaram. Mas esta memória é principalmente gratificante, pois nos situa como elos na corrente do tempo. Não apenas no tempo cronológico, mas especialmente no tempo existencial, cultural e ideológico, o único repleto de sentido para a vida de qualquer ser humano. Mas como mergulhar nas profundezas deste tempo histórico, que nos permite o acesso a tudo que de significativo nos foi legado pelas gerações que nos precederam? Naturalmente pelos sinais e documentos que estas gerações nos deixaram. Estes sinais de tempos antigos, aparecem registrados em pedras, monumentos, registros hieroglíficos, cuneiformes e outras formas de escritas. Continuamos, até hoje, a construir monumentos, a esculpir estátuas, a produzir uma grande diversidade de sinais que as gerações futuras interpretarão. Mas desde que foi inventada a imprensa, a forma mais eficiente para a conservação da memória histórica foram, e continuam sendo, os livros e escritos impressos em geral. Estas impressões, no entanto, para que não se percam, necessitam de cuidados. Traças, cupins, brocas e fungos podem corromper os frágeis papéis dos livros. Outros fatores como umidade, calor, luz demasiada e a ação do tempo também interferem na boa conservação dos escritos. Além destas pragas naturais, a falta de consciência histórica, as guerras, os preconceitos e os desleixos humanos motivaram a destruição de muitos valiosos acervos bibliográficos. Por isto, sofisticou-se a técnica de conservação dos escritos, criou-se a profissão de bibliotecário. Assim, os bibliotecários deveriam ser os primeiros a "morrer" pelo cuidado na conservação dos acervos bibliográficos e de documentos impressos. Por isto, os povos, na medida em que afirmam sua autoestima, constroem modernas bibliotecas, e valorizam os bibliotecários. Nestas bibliotecas os cidadãos têm acesso ao que de mais valioso foi publicado e pensado pela humanidade. Bibliotecas são lugares de leitura, de pesquisa, de satisfação da curiosidade, de busca de conhecimento. Por isso, ali se reúnem todos os acervos bibliográficos de que a sociedade dispõe, com fácil acesso aos interessados.

Após estas considerações, gostaria de dizer que em Pernambuco, e especialmente no Recife, há ricos acervos bibliográficos. Mas estes acervos estão espalhados pela cidade, ou pelo interior do Estado, geralmente sem o devido cuidado, poucas vezes de fácil acesso ao público. Muitas vezes sem pessoas com preparo adequado para atender a quem os procura. Constata-se, em nosso meio, grande carência de bibliotecas, que verdadeiramente fossem bibliotecas no sentido moderno, com infraestrutura adequada e pessoas preparadas e com autoestima de sua profissão para atenderem ao público. Por exemplo, no bairro e Boa Viagem, no Recife, com cerca de 400.000 habitantes, simplesmente não existe biblioteca pública. O povo de Pernambuco talvez um dia se conscientize de suas riquezas bibliográficas e, além de construir parques ( Parque Dona Lindu!?), invista também em bibliotecas, com uma política para divulgar e promover acesso a sua riqueza bibliiográfica e documental. Poder-se-ia mencionar muitos valiosos acervos bibliográficos em nosso Estado, mas basta mencionar alguns que já deveriam estar plenamente disponíveis: os acervos da Faculdade de Direito, da Assembléia Legislativa, da Fundação Joaquim Nabuco, da Fundação Gilberto Freyre, do Instituto Josué de Castro, do Instituto Dom Helder Camara, do Arquivo Histórico de Pernambuco, da bibloteca do Mosteiro de São Bento em Olinda, etc. Lamentável é que diversos acervos, também de Pernambuco, já foram vendidos ao exterior, ou transferidos para outros Estados, por falta de interesse local. É verdade, nossa consciência histórica está melhorando. Mas ainda falta muito. Se os acervos bibliográficos existentes em Pernambuco, de fato, fossem devidamente valorizados, o Estado teria reais motivos de se gloriar. Carecemos de uma política neste sentido. Que tal uma grande biblioteca no Recife, que reúna muitos dos nossos acervos, e seja orgulho internacional para o Estado?

Inácio Strieder é professor de Filosofia/Recife-PE