Filme "O Artista do Desastre": uma análise sobre o anonimato
É um filme de 2017 dirigido e protagonizado por James Franco que trata da história da produção do filme de "The Room', de Tommy Wiseau. Este filme de produção independente, 2003, se tornou um cult marcado pelo amadorismo do diretor e também protagonista.
O que nos chama a atenção neste filme de James Franco, baseado no livro escrito por Greg Sestero (O Artista do Desastre), amigo de Tommy, é como alguém contra todas as expectativas e contra todas as probabilidades aposta em um talento e em uma ideia que dificilmente seria levada a sério pelo mainstream.
Não só a visão de Tommy sobre o cinema é muito distante de qualquer coisa que pudesse ser levada a sério, como sua personalidade e trejeitos o tornam pouco empático às pessoas. Ele encarna, com seu sotaque, cabelo e personalidade, coisas que claramente evitamos se desejamos ser aceitos ou levados a série nas relações formais.
No entanto, muita gente comprou sua ideia e é estes aspecto que pretendo discutir aqui.
Para os mais jovens já é difícil imaginar um mundo onde a possibilidade de publicar um vídeo, livro ou música dependesse de oportunidades e sorte. Hoje temos os meios, porém nem todos tem o marketing e o feeling para tornar o que produz interessante aos demais.
A persistência de Tommy em um talento que não tem e uma boa ideia, que na verdade não é, revela muito do que seus expectadores encontraram em si mesmos: todos temos algo a dizer, podemos até dize-la, mas nada garante que seremos ouvidos ou levados a sério.
Tommy, como muitos de nós anônimos, apostou que tinha algo a dizer de interessante e que só bastava uma oportunidade, um microfone. Todos nós temos algo a dizer, o que não sabemos ao certo é até que ponto isto poder ser de interesse ou mesmo compreensível para as demais pessoas.
Pessoas como Tommy, me lembram aqueles que vivem atrás de likes e visualizações nas redes sociais, só querem ser ouvidos ou serem objetos de interesse de outras pessoas. Sonham com a atenção que a maioria, como anônima, não possui.
Nós anônimos, devemos dar graças a Deus por nos encaixarmos em algum estereótipo vazio e normal, que nos permita arrumar um emprego e um casamento sem grandes problemas. Sabemos que qualquer coisa além disto, só teremos dos amigos ou dos filhos e alguns parentes.
No fundo, as pessoas não querem ser cineastas de Youtube ou Tik Tok. Talvez nem mesmo escritores, poetas e filósofos de sites de hospedagem de artigos e textos. Querem serem vistas além do estereótipo funcional que nos identifica em classes, origens, raças e idades.
Querem que alguém as olhem para além disto, uma forma de quebrar a solidão que nos impõe estes papeis cotidianos e clichês.
É um filme que recomendo aos pretensiosos e aos convictos, para que reconheça o que realmente busca e onde quer chegar. Busque e pense o que escrever, filmar e compor podem te proporcionar e o que esperar destas coisas.
Tommy agradou por acidente seu público, a sua obra não foi vista como ele queria, mas de alguma forma foi vista e agradou. Ele aceitou o olhar das pessoas, mesmo que não fosse o dramático como gostaria. Afinal, ele queria atenção, ser mais que anônimo que foi rejeitado todas as vezes que tentou ser algo além disto.
Muitas vezes queremos é ser vistos mesmo, ainda que de uma forma errada, mas pelo menos sentir o interesse das pessoas em nos olhar para além dos estereótipos cotidianos que nos obrigam a vestir para trabalhar e se relacionar com a maioria das pessoas.
Creio que uma outra razão para o filme ter caído em certo gosto popular é a desconstrução acidental de inúmeras regras de filmagem, atuação e roteiro com as quais estamos acostumados e naturalizados através dos filmes mainstream. O que torna o filme engraçado é que estas regras são quebradas acidentalmente e nos causa estranheza, mas de forma alguma soa como forçado ou inautêntico.
A maioria das pessoas são anônimas e já se reconheceram diante de falta de talento ou da medianidade do mesmo, embora escondam isto ou fingem que não é com elas. Tommy é como a maioria de nós, porém leva por sua ingenuidade ás últimas consequências a ideia de que nos falta os microfones, as câmeras e a oportunidade para que alguém nos ouça.
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Muitas pessoas fogem desta realidade do anonimato. As redes sociais oferecem o ambiente propício às bolhas sociais, onde viverá entre os iguais em opinião e gostos.
O artista só é desejado quando se torna um espelho para o seu público ver sua questões, preconceitos, gostos e visões de mundo. No fundo, é um anônimo como qualquer outro. A ilusão é acreditar que as pessoas possam ter algum interesse genuíno em quem somos, mas terão tal interesse em nós mesmos?
De forma alguma, mas naquilo que representamos em específico: um homem bem sucedido, amante de uma linda mulher, arrojado e inteligente, uma mulher determinada, em forma, poderosa e idolatrada pelos homens, etc.
Compramos as representações como se delas deslumbrássemos de longe o que gostaríamos de ser. Por um momento, podemos ser algo além dos nossos estereótipos. Por isto a admiração também é importante, ver que as pessoas nos veem para além do estereótipo, nos ajudando a ver algo além do cotidiano ao qual estamos condenados.
Elas também veem naquele representa uma fuga de si mesmas e o artista também não é visto para além de sua representação.
Estamos então todos sós, famosos ou anônimos, com a diferença que os primeiros já não possuem a esperança ( quando amadurecem como artistas e pessoas) de que a fama os torna mais próximos das pessoas. Talvez as torne até mais distantes.
Enfim, recomendo o filme para refletirmos sobre o mundo das redes sociais, das corridas por visualizações, da falta de voz em meio a tantas câmeras, palcos e microfones. Sobre o que você como artista realmente busca com o que faz.