A filosofia explica a série Spartacus: Blood and Sand

A série norte-americana “Spartacus: Blood and Sand” iniciou em 2010 e terminou em 2013, e conta a história do escravo Spartacus, que liderou uma revolta contra o Império Romano. À primeira vista, aos amantes de gladiadores, trata-se de um entretenimento e tanto. Com muito sangue, traições e cenas picantes de sexo. Contudo, por trás da aparente selvageria e luxúria, encontra-se um tipo de pensamento marcante à época.

Aristóteles (384 a.C – 322 a.C), filósofo nascido em Estagira, aluno de Platão e preceptor de Alexandre, o Grande, criou uma teoria chamada “Teoria das Causas”. Afinal, de que trata a Teoria das Causas? Os gregos antigos tinham uma obsessão em explicar o movimento das coisas, e Aristóteles, não por menos, identificou quatro causas para o movimento: (1) causa material; (2) causa formal; (3) causa motriz; eficiente; (4) causa final.

Das quatro causas, a menos valiosa era a causa eficiente, isto é, a fabricação da mesa não era tão importante quanto à finalidade (causa final). Ser escravo era considerado inferior pelos cidadãos livres da Grécia antiga e, consequentemente, o trabalho também visto como uma indignidade.

Na Idade Média, a situação do servo diante do senhor feudal também não era diferente numa escala hierárquica. O servo também continuava inferior ao senhor feudal (causa final). De acordo com Marilena Chauí (1991, p. 14), a sociedade moderna valoriza o trabalho de forma diferente das anteriores:

“(...) a nova sociedade, que valoriza o trabalho como unidade do corpo (natureza) e do espírito (vontade livre), não é constituída apenas pelo burguês, mas ainda por outro homem livre.”

O homem livre que se refere Marilena Chauí é o trabalhador moderno, na qual está liberado da servidão, mas também despojado dos meios de trabalhar. Do esteio da sociedade do trabalho nasceu a sociedade disciplinar e suas instituições: fábricas, presídios, manicômios, asilos, quartéis etc.

Para o filósofo germano-coreano Byung-Chul Han (2015, p.23), a sociedade disciplinar de longe não é mais a sociedade em que vivemos:

"A sociedade do século XXI não é mais a sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho. Também seus habitantes não se chamam mais sujeitos da obediência, mas sujeitos de desempenho e produção. São empresários de si mesmos. Nesse sentido, aqueles muros das instituições disciplinares, que delimitam os espaços entre o normal e o anormal, se tornaram arcaicos."

A sociedade do trabalho e da negatividade caracteriza-se pela proibição. Talvez por isso os jovens parisienses, em 1968, escreviam em seus muros: “É proibido proibir”. A sociedade de desempenho desvinculou-se da negatividade e aproximou-se da positividade. Todos nós somos empreendedores. No lugar da proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação.

A sociedade disciplinar gerava loucos e delinquentes. A sociedade de desempenho gera fracassados e depressivos. O depressivo é o que está esgotado de ter de ser ele mesmo. A pressão por desempenho é a causa de tantos infartos psíquicos. Talvez em algum momento da vida alguém já nos disse: “não basta ser bom, tem que ser o melhor”.

Segundo pesquisa do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas de São Paulo, três a cada dez habitantes da cidade de São Paulo possuem algum tipo de transtorno mental. E segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), no Brasil e em outros países desenvolvidos, a primeira causa para a incapacitação ao trabalho é a depressão. O que torna tanta gente doente não é o fato de ter responsabilidade e iniciativa, mas o imperativo do desempenho na sociedade do trabalho.

Em termos de escravidão, acaso nós modernos (que nos julgamos livres), não somos mais escravos que os escravos da Grécia antiga? No mundo contemporâneo não é mais a máxima “o homem é o lobo do homem” que determina o nosso ambiente social, mas um homem que explora a si mesmo, sem qualquer coação externa. O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Não se sabe mais distinguir quem é o agressor e quem é a vítima. As doenças psíquicas da nossa sociedade nada mais são que o reflexo de uma liberdade paradoxal.

Referências Bibliográficas

Byung-Chul Han. Sociedade do Cansaço. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2015.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

G1. Três em cada dez paulistanos sofrem de transtorno mental. Disponível em: < http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/03/tres-em-cada-dez-paulistanos-sofre-de-transtorno-mental-diz-pesquisa.html> Acesso em 03 de abril de 2017.