Modo Cuarón (publicado originalmente em 19/1/2019)
As câmeras parecem flutuar, em movimentos horizontais, numa sucessão de minis planos-sequência, da esquerda à direita, ou vice-versa. O preto e o branco da fotografia são um espetáculo à parte, a além da linguagem simbólica, cuja memória é infantil, de mostrar o cotidiano da família de classe média dos anos 70 no bairro Roma, que empresta o nome ao título da mais bela obra do cineasta Alfonso Cuarón.
Os aviões que permeiam a fita estão gravados na mente do mexicano, que não somente dirigiu, como também roteirizou, produziu e fotografou a película. Não há closes em 'Roma' (2018).
O espectador vê as cenas de longe, sem intimidades com aquelas pessoas, mas isso tem 2 exceções: Cleo, a empregada, e um dos filhos da patroa, o que representa Cuarón de calças curtas – é o que sempre diz que 'quando era velho' foi tal coisa e etc.
'Roma' soa como filme lento, arrastado, porém está distante disso. Os seus minutos refletem a falsa calma do dia a dia daquele país, pronto a sediar as manifestações violentas de estudantes contra o presidente.
A pior delas, ocorrida no feriado de Corpus Christi de 1971, foi filmada de forma brilhante por Cuarón. Tudo ali parece tão real, cru, e o sentimento fica mais apurado quando sabemos que os atores recebiam os scripts no dia da filmagem.
A emoção, que poderia estar carregada e furtar do público o pouco de lágrima, está na medida certa. O cineasta usa a sétima arte como arma do bem em 'Roma'. Há várias referências a filmes seus, e as idas ao cinema dos personagens servem de válvula de escape. 'Mas o dia está lindo aqui fora', reclama uma delas ao namorado.
Cleo representa a provocação de Cuarón a Trump, e ainda a homenagem dele a sua babá da infância, Libo. 'Roma' com a certeza absoluta estará entre os indicados ao Oscar 2019. Duração: 135 minutos. Cotação: ótimo.