Uma Geração Líquida em Nocturama(2016)
Um filme do francês Bertrand Bonello, de 2016, apresenta uma abordagem pouco convencional a respeito do terrorismo. Um grupo de jovens, de diversas origens sociais, resolvem explodir prédios e símbolos do poder econômico e político da França. Se refugiam numa loja de departamentos, onde horas depois serão mortos um a um pela polícia.
Há muitos recortes possíveis dos quais pode se extrair críticas, reflexões e talvez algumas que provavelmente nem o diretor teve a intenção. A questão é analisar o filme como um todo e se ater ao que se repete do início ao fim que é sua estrutura.
Temos jovens entediados, sem ideologias ou causas. Nada fica claro a respeito de suas intenções senão uma apatia com o mundo a sua volta. Não há rancor, uma grande injustiça sofrida, uma religião fundamentalista, uma ideologia partidária, um grupo solidário, nada.
São as faces, expressões e o jeito que vão nos dizer ou insinuar seus motivos. Não há um sentido para a ação, não há glória, não há fama, nem a vontade de chamar a atenção para alguma causa.
Se trata de uma consequência do tédio e da falta de sentido na vida cotidiana. Não sem motivos eles se refugiam numa loja de departamentos até que o dia amanheça. Poderíamos viajar neste símbolo, por que se sentiriam seguros reunidos num shopping?
O consumo seria algo mais próximo de uma empatia e diálogo, a moda, a música, mas nada muito profundo, porém acolhedor. A identificação com as roupas e outras mercadorias mostra mais a identidade de cada um do que qualquer diálogo ou atitude.
Este refúgio não foi nada seguro. A realidade fria da ação da polícia, matando um a um. Sem espetáculo, sem drama, sem eloquência ou heroísmo. Tudo terminando como começou.
Interessante que o último a morrer, tenta antes de ser morto se consolar com a ideia de paraíso. Em vão. Ele pede ajuda e termina como os outros, mortos. Esta cena final é interessante, pois não há nem ao menos angústia há um pedido de ajuda, como daquele que se encontra perdido, sem entender o que fez e como sair da situação.
>> Ampliando os significados
Não é um filme sobre terrorismo. Não é um filme sobre o mundo chocado com o terror. É um filme sobre uma geração que não dispõe de ideologias convincentes, que se encontra diante de um mundo vazio de significados e de qualquer perspectiva de mudança.
Só existe o imediato, por que o mundo sem sentido não é previsível por mais que alguns minutos, por assim dizer. Ação e reação imediata é o máximo que conseguem ver.
A insatisfação que não se concretiza em uma militância ou ideologia se torna destruição cega. Freud já havia falado sobre Tanatos, a pulsão de morte. Este vazio de sentido torna a vida social algo frio, mecânico e rotineiro.
O prazer é disciplinado pelo consumo e o consumo é insuficiente por que fora do shopping ou das redes sociais, o mundo real é vazio. O mundo real é menos interessante e vago do que o mundo virtual. Porém só no mundo real, contato com as pessoas, podemos nos realizar e ter prazer na vida social.
Estes dois mundos se complementam. O mundo real mecânico e burocrático (eles explodiram alvos do governo e do sistema financeiro) é interdependente do mundo virtual e do consumo. O mundo real é sem sentido, porém concreto. O mundo virtual é prazeroso e legal porém não concreto.
Não há escolha entre estes dois mundos, o pacote é completo. Ao desafiarem o mundo frio e mecânico, nem ao menos o mundo do consumo os protegeu. Roupas, o lugar legal, a turma, nada deste símbolos resiste ao mundo concreto.
Todos morreram vestidos com as roupas de griffe que pegaram na loja.
>> Vale a pena assistir?
Quem esta acostumado com cenas dinâmicas, correria, ação do inicio ao fim, final feliz não vai assistir facilmente o filme. Trata-se de uma linguagem comum em filmes deste tipo em que o tempo não se acelera para vermos somente culminâncias, o tédio, a espera, a indecisão, a monotonia, típica da nossa realidade é trazida para o filme.
Para entender esta questão de linguagem, basta lembrar de um filme como Transformers ou Vingadores e imaginar se a realidade que você vive no trabalho, em casa e nos ônibus possuem tanta intensidade ou sentido. Estes filmes evitam estes tempos tediosos ou de sentido indefinido.
Para quem busca compreender estas questões também conhecidas dentro do que se chama de Modernidade Líquida é recomendável assistir e depois de ler a obra com mesmo nome de Zygmunt Bauman.