O Álamo (2004) - análise
Já tinha assistido o da década de 60. Aquela historinha dos mexicanos bárbaros contra os americanos honrados e decididos a darem a vida pelo próprio país. John Wayne fazia o papel do famoso Crocket aí você já pode ver que o velho esquema cowboy machão iria ser mobilizado como símbolo da nação que posteriormente o Texas faria parte.
Fiquei resistente em ver o segundo, o de 2004, por ter pouca paciência com este tipo de bobagem, mas algumas informações positivas de alguns sites me fizeram pagar pra ver.
é notável o contraste entre os uniformes dos mexicanos, muito coloridos, cheios de pompa, a semelhança dos exércitos europeus do século XIX. Os rosto dos soldados mexicanos, destacado neste filme, nos lembra os latinos imigrantes americanos de hoje ao invés de um rosto anônimo que a camera nos induz a ignorar.
O uniforme dos americanos os individualizava e destacava a pluralidade de povos e interesses que compõe os EUA. A pouca hierarquia e as bebedeiras e brigas entre os texanos se contrastava com a disciplina dos soldados mexicanos.
Santana, o general e ditador do México, aparece com muita pompa aristocrática que nos faz sentir repúdio. Mas algo vai além desta previsibilidade, um momento em Santana reunido com seu Estado Maior, desdenha do pedido de um dos seus generais para que poupasse a vida de seus soldados até que chegasse mais canhões.
Irritado, Santana compara a morte de soldados como de galinhas, a insistência do subordinado o leva a dizer uma grande verdade. Ele levanta e diz que estamos lutando por seu território e que se aos americanos isto não lhe custasse lágrimas e sofrimentos os mexicanos viveriam futuramente de migalhas dos americanos...
Em outro momento, um dos seus subordinados defende Santana, dizendo que o mesmo só quer o México e os americanos o mundo inteiro.
Inevitavelmente são mundos diferentes em choque, no Texas. O mundo latino dos sobrenomes, coroneis, apadrinhados, afiliados, cabras e tantos nomes que temos para as tantas relações de subordinação, contrasta com aquela dos americanos em que o trabalho é a referência do valor de um homem e não seu nome ou família.
Os americanos cometeram um dos maiores genocídios indígenas da história, inclusive se valendo de roupas contaminadas com rubeola e outras doenças para exterminar seus nativos. As famosas Cavalarias serviam basicamente para exterminar índios.
Os americanos também levaram ao sofrimento e destruição seus negros, os apartando ainda de forma mais drástica do que feita no Brasil. Chegaram inclusive a fundar um país na africa para deportar os negros que não serviam mais.
Porém na América Latina, não tivemos homens livres e uma sociedade em que o trabalho e a riqueza definiam um homem. Tivemos sim uma sociedade aristocrática, que não reconhece igualdade de nenhuma forma entre os homens. Uma aristocracia que evitava o trabalho manual, que inclusive era motivo para que este título não fosse concedido.
Este traço latino americano de desprezar o próprio povo negro ou não, pode ser compreendido na forma como as revoltas populares sempre se resolviam com o extermínio dos mesmos e não com um acordo ou legislação. Foram assim com os negros, indios, brancos qualquer um que não tivesse a linhagem das heranças e conchavos dos coroneis.
Nossa polícia militar reflete espírito. O povo pobre é uma ameaça quando pretende entrar em espaços reservados e requerer direitos acessíveis aos bens nascidos. Por isto matamos tanto nosso povo e adoramos linchamentos e presídios de tortura.
A identidade latino americana é algo difícil de assumir, pois ela se atrela a sociedades extremamente desiguais em que não há lugar para a cidadania mas para subordinação.
O velho estereótipo do latino como aquele ser alegre, prestativo que lhe serve sorrindo e sofrendo vem muito deste tipo de sociedade aristocrática da qual a América Latina ainda usufrui a herança política.
A cena do general Houston olhando o futuro campo de batalha, sua roupas parecidas com a dos revolucionários franceses, o chapéu de 3 pontas, indica a ideologia iluminista e libertária, contra a imposição dos uniformes europeus aos soldados mexicanos com feições indígenas.
Uma metáfora, talvez não consciente pelo roteirista, de como nós e eles foram constituídos.