Descanso feliz (publicado originalmente em 6/11/2012)
O cinema nacional tem se especializado ultimamente em verter à telona histórias de vida. São as chamadas cinebiografias, atividade comum também na sétima arte de outros locais do mundo e o Brasil não fugiu à regra. Duas semanas atrás estreou ‘Gonzaga: De Pai pra Filho’, contando a saga de três gerações de músicos em igual toada: Januário, Luiz Gonzaga e Gonzaguinha. O filme é bom, tem produção satisfatória em se tratando de Brasil e fotografia de se encher os olhos. O ponto alto, porém e sem dúvida, é o grupo de atores. O diretor Breno Silveira escalou e mesclou amadores com alguns profissionais. Tanto Gonzagão como Gonzaguinha tiveram três atores cada dividindo as suas épocas de vida. Dos amadores, Nivaldo Carvalho (Chimbinho do Acordeon) e Adélio Lima são os destaques como o Rei do Baião dos 27 aos 50 e aos 70 anos, respectivamente. Gonzaguinha, em sua fase adulta, foi vivido por Júlio Andrade. O ator parece incorporar o cantor e compositor morto em 91. Nos testes para o cast, Silveira escolheu-o logo na primeira bateria e nem quis mais ver os demais. E não é para menos. A caracterização assusta. É idêntica, e por vários instantes personagem e ator confundem-se num ousado trabalho de treinamento, sem maquiagem. Uma das mais competentes atuações do ano.
O roteiro, comum: por meio de flash backs conta-se a história de Luiz Gonzaga. Durante uma entrevista entre pai e filho (realmente ocorreu e foi por causa dela que Silveira decidiu rodar o filme), o velho mostra ao rebento a sua estrada. A infância humilde, mas feliz, no Nordeste, ao lado do pai, Januário (Cláudio Jaborandy), o consertador de sanfonas. O amor difícil por Nazinha (Cecília Dassi), a viagem ao Rio de Janeiro, a consagração inesperada acoplada a instantes egoístas da carreira e, por fim, o acerto de contas entre os três Gonzagas – pai, filho e neto – bom na primeira metade, ruim na segunda. O casamento com Odaleia (Nanda Costa, nova estrela da novela das 9 da Globo) é o motivo de se perguntar se Gonzaguinha era filho legítimo de Gonzagão, pois a moça vivia nos cabarés e era rodeada por muitos tipos de homens. A rebeldia do filho tinha justificativa: o pai preferiu ser sortudo na carreira a educar o menino. Este, aliás, é frisado a sua criação por um casal de amigos cariocas, e a mulher é chamada de mãe por Gonzaguinha. Voltam a 1981, Exu, e Luiz Gonzaga está praticamente falido, à espera e à revelia de o filho o amparar. Nestas idas e vindas, a fita é salpicada por música de excelente qualidade, o Forró com efe maiúsculo, como ‘Asa Branca’, tantos outros sucessos da dupla.
Nota-se que Breno Silveira se tornou um dos principais nomes do cinema verde e amarelo. A sucessão de recordes e números de ‘Dois Filhos de Francisco’ (2008), por exemplo, já o credencia ao panteão de estrelas deste século 21. É, como afirmou em entrevista, mostrar histórias para o povão, e a expressão é usada inclusive por Gonzagão num trecho do longa-metragem. Em 2012 ‘Gonzaga: De Pai pra Filho’ não é a primeira bilheteria do diretor. ‘À Beira do Caminho’ foi lançado alguns meses e arrebatou público e crítica com a atuação de João Miguel. A parte ruim de ‘Gonzaga’ não está de fato no filme em si, mas em suas consequências. Para onde vão Carvalho e Lima? Farão outros trabalhos nos cinemas, porém não demorará nada para serem integrados à Rede Globo e suas novelas. Aqui é o preconceito que fala? De modo algum. Afinal, profissionais têm de ter o seu sustento. Mas... Tomara também que ambos não fiquem marcados por seus fortes personagens. E, claro, existe a parte alegre: Gonzagão e Gonzaguinha, mortos em 1989 e 1991, voltam à baila brasileira num patamar digno dos dois. Faço outro voto, para que a lição de tudo seja o ‘descanso feliz’, como o daquela canção famosa.