Uma rebelião por dia (publicado originalmente em 18/9/2012)

Seis dias antes de completar 25 anos Phillipe Petit se deu de presente poder ‘entre as nuvens confundir-se’. Após um plano elaborado, de meses, e ciceroneado por um conjunto de amigos, além da namorada Annie, o jovem francês equilibrou-se a 450 metros de altura, apenas protegido pela sua habilidade, destreza e sangue frio. No topo do World Trade Center, os policiais nada puderam fazer, somente aguardaram a boa vontade do aventureiro em sair da enrascada em que estavam metidos – sim, pois os guardas seriam punidos por não anteverem os passos de P. Petit naquele arranha-céu de mais de 100 andares. Mas o europeu não se emendou. Ficou no ‘sonho impossível’ por 45 minutos, e andou oito vezes duma torre para a outra. Saiu do prédio preso e com um sorriso de orelha a orelha.

Tudo isto, e mais as emoções dos envolvidos, está em um documentário vencedor de Oscar, ‘O Equilibrista’ (2008). Na verdade, a ideia de Phillipe Petit foi parida no consultório de seu dentista, seis anos antes de o WTC ser erguido. Viu uma revista onde estava a notícia de que os dois edifícios seriam construídos e dali o estopim nasceu. Jean March, diretor da fita, moldou ‘O Equilibrista’ com base em depoimentos e fotos, além de encenações que representavam a época. Não existem registros de filmadoras dos passos do francês no WTC. E em se tratando dos lugares atingidos pelos aviões em 11 de setembro de 2001, tudo interessa aos estadunidenses. Para a façanha, Phillipe Petit conta como amealhou seus comparsas: um australiano, um funcionário infiltrado e os companheiros de França.

‘Os prédios parecem terem sido subidos para ele’, conta a namorada. ‘Quando vi o WTC falei que era impossível. Impossível. Impossível’, disse o protagonista. ‘Tinha de ser feito. Simples assim’, fala um dos amigos. ‘Qualquer milímetro de descuido, ou um quarto de segundo de desatenção, e aí a minha vida iria embora’, narra Petit. Todas estas frases estão permeadas de instantes de nervosismo e desafios dos depoimentos. ‘E era incrível. Quando estava no chão, seu semblante era um. Então, ele subia nas cordas e o rosto mudava. Parecia uma esfinge’, diz um dos parceiros. Para passar o fio dum prédio ao outro, usaram arco e flecha. E os policiais nada perceberam. Há um momento no qual Petit e Jean-Louis Blondeau ficam ‘presos’ na sala de um dos andares do WTC enquanto um guardião está lá. ‘Não sabíamos se ele estava lá. Ouvíamos o cigarro, as tragadas. Não podíamos nos mexer’, diz P. Petit. No fim foram três horas de imobilidade. A ‘sina’ estava pronta. O número do equilibrista sairia.

Antes do WTC ‘treinou’ na catedral de Notre Dame, na própria França, e na Austrália. Toda a conotação do esquisito está ali. A vida normal embaixo – carros, transeuntes etc – enquanto há um homem muitos metros acima perambulando entre as nuvens. No dia do ‘evento’, como eles tratam a trajetória nos EUA, passam a madrugada enfurnados na torre preparando os materiais. Há os ‘tiras’, mas eles nada fazem. Ou percebem. Então, basta raiar o sol e Petit dá o seu primeiro passo rumo ao ar rarefeito, aos ventos, ao duelo com a morte. ‘... e foi quando vi Phillipe. E que lindo!’, diz Annie, às lágrimas. O grupo de fotos daquele instante é notável. A superação do homem sobre o homem. O que um ergueu o semelhante faz dele a beleza. March fez bem o papel de ‘distrair’ o público com todas as falas, encobrindo a falta de filmagem. As imagens estáticas, por si só, são estupendas. Valem a obra.

No fim, P. Petit, hoje sessentão, ensaia o andar no treinamento. ‘É preciso fazer uma rebelião por dia. Fazer da vida um desafio sem fim’, ensina como moral o equilibrista. E ele sabe do que fala.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 19/09/2012
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