“Tropa de Elite” (publicado originalmente em 18/10/2007)
A cena-chave de “Tropa de Elite” (2007), curiosamente, não é uma em que o personagem de Wagner Moura, o capitão Nascimento, está. A seqüência se dá dentro da sala de aula da faculdade de Direito que o soldado André Mathias (o excepcional André Ramiro, em seu primeiro trabalho no set de cinema) freqüenta. Durante uma explanação de seu grupo sobre textos de Michel Foucault, o tema é tráfico de drogas e a violência ‘exagerada’ da polícia. Revoltado por ouvir as defesas dos colegas de classe, o policial – ele demora a revelar a verdadeira profissão – solta: “Quem financia o tráfico são pessoas remediadas como vocês, protegidas dentro de suas casas.” Silêncio na sala. Um silêncio de vergonha seria? O mote da fita de José Padilha (o mesmo do documentário “174”) é este: provocar discussão sobre situações como esta. Quem paga pela cocaína, maconha, heroína? Quem consome a droga é tão cúmplice quanto o traficante? Mathias era quase um parceiro, pois fazia vista grossa para as farras dos amigos ‘burgueses’, enquanto ele suava para garantir seu diploma. Era justo ou injusto?
“Tropa de Elite” é a fita mais comentada em cinco anos, com “Carandiru” (2003) e “Cidade de Deus” (2002). Antes de ser exibida nos ecrãs, centenas de cópias piratas já rodavam pelo país afora. Era sucesso entre policiais, bandidos, espectadores em geral. A Universal Pictures, responsável pela distribuição, resolveu antecipar a estréia para o feriado do Dia das Crianças. Resultado: abriga mais de 700 mil pessoas de público. Capa da revista “Veja”, tema de programas de televisão e de artigos na imprensa, alvo de debates calorosos sobre algumas ‘realidades’ transportadas às telonas, o roteiro de Rodrigo Pimentel, Bráulio Mantovani e José Padilha está dando o que falar. Moura é Nascimento, um policial líder do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais). Ou seja, o grupo dele age ao sentir que a polícia em si não dá conta do recado. Mas ele quer se aposentar, pois sofre de síndrome do pânico e vive de remédios de tarja preta. Está fatigado. Para escolher seu substituto, realiza curso para interessados em servir ao Bope. A partir daí, vemos séries de torturas, ameaças e humilhações.
Neto (Caio Junqueira) e Mathias se sobressaem nos testes do Batalhão. Entre as provas, está a de mastigar comida jogada no mato, enfrentar pisões, não dormir e passar pelo exame final: seguir uma autêntica batida na favela mais perigosa do Rio de Janeiro. Entre as técnicas de ‘persuasão’ dos membros do Bope está por saco plástico na cabeça do interrogado, ou usar um cabo de vassoura para, digamos... São as entranhas da polícia combativa. Se isso choca ou dói, a intenção era essa mesma. Vemos em “Tropa de Elite” como a polícia se corrompe, por exemplo, da forma mais fria possível. A perseguição a Baiano (Fábio Lago), o traficante-mor da favela, é injuriada. A cena final é marcante e, simultaneamente, reflete a fragilidade de se medir em qual estágio um ser humano pode suportar uma pressão. Tudo muito bem amarrado por Padilha. O ritmo do filme é excelente, com câmeras nervosas em captar cada segundo de ação, tal como “Cidade de Deus”. De antemão, sabia-se do brilho da fita: é necessidade do povo carente de segurança, ávido por ver o sangue do mal-feitor escorrer pela testa.