Hedonismo claudicante (publicado originalmente em 2/3/2005)

O mais impressionante em querer se livrar de tudo a qualquer custo e se desprender de todos os maus sentimentos é a falta de pudor. Ficar abalado com tragédias pode detonar calafrios irreversíveis. E é isso que acontece com o recém viúvo Paul, cuja esposa comete suicídio e deixa um rastro infiel de sangue e trauma. Paul, em “O Último Tango em Paris” (1972) é Marlon Brando. Depois de arrasar no “Poderoso Chefão” (1972), o ator dedicou-se a este longa do diretor Bernardo Bertolucci. A fita se desenvolvei em cima de conceitos que arrepiam pessoas de idéias mais idosas, onde relacionar-se é sinônimo de casar-se. Desolado com a perda da mulher, o personagem de Brando encontra, num apartamento velho e sujo, a jovem Jeanne (a bela francesinha Maria Schneider, então com 20 anos).

Jeanne é a pureza em pessoa. Na França dos anos 1970, anda com seu chapéu elegante e casaco sobretudo (e por baixo, a mini-saia). Tem olhos marcantes. É noiva de um rapaz aspirante a cineasta que insiste na gravação das memórias da adolescente, pois deseja montar um documentário e se unir a ela o mais rápido possível. E na procura por um lugar para morar que a garota encara o viúvo. Entre a dupla de amantes, informações são desnecessárias (a menina quer saber, mas ele não). Sem ouvir os nomes um do outro, iniciam tórrido romance num colchão retalhado. Não combinam de se ver outros dias. Mas vão até lá certos de que o par estará também. Ela mantém este caso simultaneamente com as filmagens de seu pueril noivo. As lembranças povoam a mente dela. Recorda de situações quentes vividas com o primo. Fala-as completas a Paul, e não ao cineasta traído.

Paul não tem mais nada na vida. Dono de hotel de quinta categoria, é um homem amargurado, sem esperanças e desiludido com o cotidiano. Ludibria-se com a falecida companheira. Recordações do casamento o acompanham para os lugares aonde vai. Não sorri. Não se anima. Não ama. Jeanne é o contrário disso. Quer abrir as portas ao mundo que a espera. É cheia de vida. Apaixona-se por seus detalhes conflitantes. A existência basta para ela piançar novas conquistas. Misantropia não tem lugar para a adolescente-mulher. O clima francês colabora para isso. Nudez é simples. Incomoda em nada. Sente-se à vontade para ficar como quiser na frente do quase cinqüentão com quem banca as alegrias e sonhos. Ela francesa, ele americano, tentando sobreviver na cidade-luz. Lições de e sobre sexo que não constrangem. Quebra de tabus lírico. Poderiam ser versos de uma poesia.

Bertolucci dirigiu, roteirizou e escreveu a história de “O Último Tango em Paris”. Sempre dado a essas “esquisitices” sexuais, o diretor leva a fita com sentimentalismo extremo. Não deixa a peteca cair. A inexperiência de Schneider é compensada pela bagagem de Brando, que segura a atriz sem a desrespeitar. Assim como fez em “Os Sonhadores” (2003) e “Beleza Americana” (1996), Bernardo explora a liberdade ingênua e sensível, onde se pode tudo, mas com o devido bom senso. Censurado mundialmente na época do lançamento, “O Último Tango em Paris” jamais terá o selo de fita erótica. Quem entende dessa maneira comete um erro grave. A película discute assuntos na sociedade ansiosa por tapar a boca de sussurros pronunciados na película e vendar os olhos para o reconhecimento do que acontece entre quatro paredes (explicada pela seqüência da manteiga, com os diálogos).

Frases ditas no longa expressam o que todos nós queremos dizer, mas a audácia nos impede. Ao sentar-se ao lado do corpo de Rosa para “lavar a alma”, Paul se redime consigo mesmo. Neste duelo solitário, sai vencedor, mas guarda com ele as mágoas da derrota. Esteve no Oscar de 1973 em duas categorias: diretor e ator, mas não levou o prêmio. 15 anos depois, Bernardo Bertolucci levou para casa vários Oscars com “O Último Imperador” (1987), entre eles filme, diretor, edição e roteiro adaptado. Nos “Os Sonhadores”, a fórmula do filme de 33 anos atrás se repete: mesmo país (França), ideal (viver intensamente), sedução (há cenas de incesto, inclusive). Prato principal de quem pretende consumir clichês clássicos pelo avesso. Varrer debaixo do tapete monotonia e retidão cor-de-rosa. “O Último Tango em Paris” é um drama romântico sobre o que se esconde.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 20/06/2009
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