A insustentável leveza do ser (publicado originalmente em 23/2/2005)

Clint Eastwood é um homem de cinema. A cada novo projeto, se renova. Não obstante, firma com os espectadores sua estância, onde repousa o chocante. Sem se importar com quem vê, o mais importante é impressionar com tragédias cotidianas. Para tanto, sua demais para extrair deste ofício quase que sangüinário, plantou filmes inesquecíveis, como “Sobre Meninos e Lobos”, premiado, no ano passado, “Os Imperdoáveis” (1992), igualmente presenteado. Agora, em estilo iluminado, atuou, dirigiu e produziu “Menina de Ouro”. O personagem turrão, teimoso, intranqüilo e “velho de guerra” de outrora continua aqui. Porém, há algo a mais nessa roupagem. Clint, perto dos 75 anos (completa em maio), parece ter encontrado seu alter ego em Morgan Freeman. Na fita, Freeman revive os bons tempos de “Um Sonho de Liberdade” (1994), “Conduzindo Miss Daisy” (1989) e no thriller de 1992. Como explicar “Menina de Ouro”? Indo pela trilha do elenco, vemos, além de Eastwood e Freeman, Hilary Swank em impecável desempenho. O triângulo, portanto, dá ao longa tons desvelados. Mostra a que veio. Clint, o veterano treinador de boxe; Morgan, seu fiel conselheiro e Hilary, a boxeadora.

Frankie Dunn, o domador de feras do ringue, está decepcionado demais desde que seu último pupilo o abandonou por não suportar mais sua falta de coragem para arriscar. O atleta, pronto para massacrar o adversário, sempre era impedido pelo técnico, que pedia ao jovem “umas duas lutas para ele ficar pronto”. Enquanto isso, Dunn nem a via, mas Maggie Fitzgerald, garçonete de mais de 30 anos, estava diariamente na academia mal acabada dele. Scrap, a única pessoa capaz de agüentar os modos rudes de Frankie, é o primeiro a notar a qualidade da moça. Com o passar dos dias, o “chefe” treinador aceita, contra a vontade, aprimorá-la, até que ela encontre outra pessoa que a ajude. E, desta forma, Maggie, confronto a confronto, prova a seu experiente amigo que é uma lutadora nata. Ele, é claro, insiste: “Eu nunca treinei mulheres”. O sorriso da aprendiz o conquista. O mundo dos negócios também. Mas será que Maggie está preparada para brigar por troféus importantes? Para superar seus questionamentos, Dunn os pergunta ao pobre padre Horvak. Faz mais de duas décadas que Dunn vai às missas e perturba o eclesiástico com dúvidas e incertezas. O problema é que a filha não o procura.

No Oscar deste domingo, não concorre em categorias técnicas. Está nas sete principais da festa: filme, diretor, roteiro adaptado, edição, ator, ator coadjuvante e atriz. Como diretor, Eastwood tem sua terceira indicação. Como ator, a segunda. Já Freeman estava longe da festa da Academia há dez anos. Entre coadjuvante e ator, está é sua quarta corrida em busca do Oscar. E Hilary, que levou a mini-estátua em 1999, por “Meninos não Choram”, concorre novamente. E se nos anos anteriores, o prêmio máximo do cinema possuía favoritos, em 2005 isto não ocorre. Tanto em longa-metragem e direção, poucos se arriscam a apostar. No Globo de Ouro, considerada prévia do Oscar, a fita engoliu dois: direção e atriz. Para Clint, é o reconhecimento após meio século dedicado à sétima arte. Ator de TV dos anos 1950, era famoso por seus western, as histórias do faroeste. Os homenageou em “Os Imperdoáveis”, ao lado de Gene Hackman, Richard Harris e Freeman. A trama foi o divisor de águas da carreira de Eastwood. Abocanhou Oscar de filme, ator coadjuvante para Hackman e diretor, além de edição. “Sobre Meninos e Lobos” confirmou a maré. Recebeu estatueta de ator e ator coadjuvante.

“Menina de Ouro” é cruel até certo ponto com o espectador. Transmite toda a experiência real de Clint. O fim do filme gerou baldes de polêmicas nas costas do diretor-ator. Processos contra ele foram movidos. Com espírito republicano, Eastwood contrariou tabus na película. Fez de conceitos sérios um nocaute nos moralistas. O laço derradeiro, que amarra todo o roteiro, cai como bomba. São sentimentos iguais que se distinguem (parece confuso, mas ao assistir o filme pode-se comparar o que cada um sente, de maneira desigual): decepção, medo, ternura, compaixão, piedade, egoísmo... A cada cena, tudo se modifica. E se está exatamente naquele ginásio esportivo, torcendo para a doce e durona garçonete tenha êxito. Às vezes não se pode unhar os demais. E os sonhos devem ser largados para o buraco. Se você morresse amanhã, se sentiria completamente realizado? Deixaria seu coração parar contente pelo que representou aos seus amigos, parentes, colegas? A decisão de satisfazer os desejos alheios pode atrair complicações futuras, mas quem liga? O que tem de ser feito, será feito e ninguém pode impedir. Somente a consciência. E ela, por mais malvada que seja, pode funcionar.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 20/06/2009
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