O MONSTRO EM "FRANKENSTEIN OU O PROMETEU MODERNO"

DEFESA DO MONSTRO²

Jéssica Andrade dos Santos

Esse trabalho tem como escopo defender o personagem -“monstro” do romance Frankenstein ou o Prometeu Moderno, de Mary Shelley levando em consideração as características do romantismo presentes no romance e as ações do Dr. Victor Frankenstein como unicamente responsáveis pela sucessão das ações do monstro.

O personagem, Dr. Victor Frankenstein é um cientista que podemos dizer início ambicioso, movido pela ânsia de ser reconhecido pelo poder de dar a vida desafiando a lei divina da criação colocando-se como um “Deus” como se a ele coubesse esse poder sem se quer pensar nas consequências que isso poderia causar. “Após dias e noites de incrível labuta e fadiga, descobri a causa da geração da vida; mais do que isso, tornei-me capaz de animar matéria sem vida” (SHELLEY, 2017, p.60).

A aventura do eu romântico apresenta uma feição de declarado titanismo configurando-se o herói romântico como um rebelde que se ergue altivo e desdenhoso, contra as leis e os limites que o oprimem, que desafia a sociedade e o próprio Deus. (SILVA, 1994, p. 54)

As características de Victor Frankenstein são marcadas pela busca de mérito, em ser reconhecido assumindo a figura do herói romântico capaz de desafiar tudo e a todos não importava a ele o que isso custaria “Uma nova espécie iria me abençoar como seu criador e origem; muitas naturezas felizes e excelentes deveriam sua existência a mim”. (SHELLEY, 2017, p. 61). A demonstração da afeição por lugares fúnebres, escuros de forma que não lhe causavam espanto algum também são notáveis: “A escuridão não tinha efeito sobre minha imaginação, e um cemitério, era para mim meramente o receptáculo de corpos desprovidos de vida, que, de repositório de beleza e força, haviam passado a comida de minhoca. ” (SHELLEY, 2017, p. 59)

O sentimento da natureza e da paisagem também são notáveis em alguns trechos do romance onde nota-se que as sensações se acoplam à descrição da paisagem. Silva (1994) ao definir a importância do sentimento da natureza cita que não se trata apenas de descrever o mundo exterior, mas sim do estabelecimento de relações afetivas com o eu. É como pode ser notado no trecho:

Já era uma da manhã; a chuva batia melancolicamente contra as vidraças e minha vela fora quase toda consumida, quando, sob a luz débil, vi o torpe olho amarelo da criatura se abrir; ela respirou fundo, e um movimento convulsivo agitou seus membros. (SHELLEY, 2107, p. 65)

O trecho anterior retrata a cena do momento de conclusão do tão esperado trabalho do Dr. Frankenstein, momento este em que o cientista se opõe contra sua própria criação com tamanha reprovação. O interessante é pensar como algo que levou tanto tempo de estudo, que o afastou da própria família, que foi calculado minuciosamente agora apenas lhe causaria horror? A aparência de sua criatura foi o suficiente para abandona-la? Mais e a responsabilidade do criador? Dr. Victor Frankenstein tinha em suas mãos o poder de criar a vida que tanto almejava, mas o processo de desenvolvimento dessa criatura após receber a vida caberia a quem?

É evidente a falta de responsabilidade do cientista com sua criação. A ambição em ser “Deus”, em poder dar a vida a matéria inanimada só lhe custaram a vida das pessoas que mais amava. Pode-se pensar o que aconteceria se todos resultados de experiências que não atingiram o resultado esperado fossem descartados ao meio?

O monstro era como uma criança não possuía entendimento de nada, nem se quer sabia pronunciar as palavras. A diferença é que este possuía um tamanho de adulto, força e agilidade que não competiam a uma criança nem a um homem em fase adulta “Ele saltava por sobre as fendas do gelo, entre as quais eu caminhava com precaução; sua estatura também, conforme aproximava, parecia exceder a de um homem”. (SHELLEY, 2017, p.107-108). Todo conhecimento da criatura foi adquirido sozinho nunca teve alguém que lhe ensinasse ou o auxiliasse sofreu muito com a falta de companhia. “De minha criação e criador, era absolutamente ignorante, mas sabia que não possuía dinheiro, não possuía amigos, nenhum tipo de propriedade”. (SHELLEY, 2017, p.128)

É fato que o monstro apesar de não possuir uma boa aparência tinha sentimentos bons e por várias vezes tentou mostrar isso as pessoas que ele tentava se aproximar, mas era rejeitado sendo insultado muitas vezes como: demônio, monstro, desgraçado e a cada tentativa sem êxito os sentimentos do monstro iam dando lugar a ódio, tristeza, inveja e sede de vingança naquele que o criará e o abandonou sozinho em uma sociedade em que todos o rejeitavam pela sua aparência. Como exemplo temos a família da cabana que ele admirava e tudo o que mais desejava era poder ter o afeto deles, ter uma família e quando ele tenta é simplesmente renegado pela sua aparência e isso faz ele desenvolver um sentimento de ódio maior ainda por aquele que o criou.

Isso ocorre no romance através do choque que se dá entre sublime e grotesco, o feio que para alguns autores românticos assumia uma visão de belo, como é o caso no romance Frankenstein, pois embora o monstro fisicamente fosse capaz de provocar terror e espanto, este possuía sentimentos bons, mas a sua aparência causava estranhamento nas pessoas sendo o monstro obrigado a excluir-se do meio social. “[...]tudo na criação não é humanamente belo, que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o mal com o bem, a sombra com a luz. [...] enfim, o meio de ser harmonioso é ser incompleto. ” (RIBAS, 2014, p.26 apud HUGO, 2007, p. 26). A própria criatura descreve a hesitação ao observar sua imagem:

[...], mas como fiquei aterrorizado quando me vi numa poça transparente! Primeiro recuei, incapaz de acreditar que era de fato eu que estava refletido no espelho. E quando me convenci de que era mesmo o monstro que sou, fui tomado da sensação mais amarga de desânimo e mortificação. Ai de mim! Ainda não conhecia inteiramente os efeitos fatais de minha miserável deformidade. (SHELLEY, 2017, p. 122)

O momento em que o monstro se dá conta de que foi abandonado pelo próprio criador é o momento em que o monstro assume o papel de herói romântico na narrativa, pois é o momento que surge uma manifestação de um sentimento violento, de revolta e perseguição contra o seu criador. Neste caso, as ações do monstro são reflexos das atitudes más, de rejeição que sofreu por parte da humanidade e o que é pior, por parte do próprio criador.

No entanto, o monstro não é culpado pelo ser em que se tornou, pois não teve ninguém ao lado para demonstrar e receber afeto. Diante disso, sua única opção foi se voltar contra a quem foi o único responsável por lhe causar tudo isso, o seu criador. As ações do monstro nada mais são que resultados de dor e revolta por ter sido abandonado e não conseguir estabelecer uma vida como os outros humanos isso lhe causava dor, ódio e inveja e isso fazia com que ele desejasse eternamente que seu criador também ficasse desprovido de tudo assim como ele. Dessa forma, é claro que o culpado é o cientista, pelo simples fato de ter sido ambicioso e irresponsável.

REFERÊNCIAS

RIBAS, Maria Cristina C. Literatura e (pós) modernidade: olhando para trás sem virar estátua de sal. Cadernos da FaEL, v. 3, n. 7, jan-abr. 2010.

SHELLEY, Mary. Frankenstein ou o Prometeu Moderno: edição comentada. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.

SILVA, Vitor Manuel de Aguiar. Teoria da Literatura. 8º ed. Almedina, 1994.