A POESIA ULTRARROMÂNTICA DE ÁLVARES DE AZEVEDO.

Os poetas ultrarromânticos exploram na temática morte o fardo de viver com notáveis referências aos heróis malditos. O gênero lírico brasileiro encontra o seu apogeu na segunda fase, visto que o eu lírico é parte integrante da identidade dos autores, o que torna esta subjetividade peculiar na segunda geração. Dentre as explicações para a intensidade dessa característica, Clenir Belezzi (1999, p. 141) afirma que:

A falência do racionalismo e a ausência de parâmetros fez com que os românticos buscassem nos sentimentos e no próprio eu as referências para viver, resultando daí o caráter egótico (de culto ao “eu”) e a subjetividade do movimento (...)

É certo que para veicular toda essa subjetividade, esse individualismo, esse confessionalismo, os românticos preconizavam a liberdade de criação, rebelando-se contra quaisquer regras, modelos ou imposições feitas à expressão artística. O caos apodera-se das normas e as subverte, e o resultado é inovador e interessante.

A produção poética do gênero lírico implica nas discussões acerca de autoria e inspiração, entre o real e o fictício poético, assim, recorrer ao “eu” é mais que escrever apenas aquilo que se sente de modo empírico e dedutivo, pois não restringe-se a sentimentos individuais e únicos, visto que, trata-se de um recurso literário.

O subjetivismo presente na poesia de Álvares de Azevedo em Lira dos Vinte Anos é alvo de diversas discussões, primeiro, pelo teor biográfico que possui; segundo, pela riqueza de características do movimento com as dosagens de biografia e estética. Dentre as análises, um grande crítico da poética alvaresiana é Mario de Andrade, que no ensaio “Amor e Medo”, ao observar a lírica amorosa de Lira dos Vinte Anos, afirma que: “O amor sexual lhe repugnava, e pelas obras que deixou é difícil reconhecer que tivesse experiência dele” (ANDRADE. 1978, p. 204). No entanto, Mário de Andrade ao produzir seu ensaio, fundamenta-se com apontamentos biográficos do autor, que de longe podem ser provados e, além disso, ignora a estética proposta que é característica da poesia ultrarromântica da época.

Se de um lado temos Mário de Andrade com duras críticas à Álvares, em Formação da Literatura Brasileira, Antonio Cândido, por sua vez, enfatiza a contribuição de Álvares de Azevedo na nossa literatura e afasta a ideia dos críticos, de que o subjetivismo do autor seja apenas uma característica da personalidade do poeta, abordando-o num plano biográfico, sem subjetivismo textual. Ainda sobre o subjetivismo, José de Nicola (2007, p. 84) afirma que: “A poesia lírica é o gênero que expressa emoções íntimas pela expressão verbal rítmica e melodiosa em sua capacidade de além de expressar emoções, despertá-las”. Visto que o lírico de Álvares é alvo de discussões, pois sua individualidade e subjetividade estão próximas e entrelaçadas, na análise de Antonio Cândido:

É preciso, para compreender o destino poético desse estranho doutorzinho, considerar que os dramas do adolescente, as aspirações e decepções, os desejos e frustações, a falta de segurança, a multiplicidade de tendências, toda essa ebulição onde se forja por vezes dolorosamente a personalidade, têm para o espirito um peso que independe do jato de corresponderem ou não a causa reais. (CÂNDIDO apud ALVES, 1998, p. 63)

Apesar de buscar um resgate do subjetivismo ultrarromântico na poesia de Álvares, Antonio Cândido não descarta o fato da juventude e seus anseios produzirem um efeito significativo na produção literária, no caso, a temática e a forma como será abordada carrega fortes vestígios de um escritor jovem, que manifesta na poesia um sentimento extremamente apurado, o qual para distinguir deve-se mergulhar na poesia alvaresiana, para que se possa compreendê-la, a fim de interpretar o por quê de ser alvo de especulações tão intrigantes.

Utilizar poemas específicos que remetem à conduta de um adolescente é simplificar a qualidade poética da obra de Álvares de Azevedo. Por isso, há tantas discussões, sua poética fundiu tão precisamente o real e o imaginário que para distingui-la causa controvérsias, porém, para que haja prudência ao referir-se aos ultrarromânticos e seu teor subjetivo, vale relembrar todo o contexto histórico que deu vida a esse movimento literário, suas primeiras manifestações e o porquê de identificar-se como um poeta do mal do século.

Em 1774, Goethe ao publicar Os Sofrimentos do Jovem Werther, o sucesso obtido alcançou a empatia de jovens europeus, como consequência, verificou-se um surto de suicídios. Conforme atestam Barbosa; Youssef (2000, p. 187) há algo de figura mística em torno de um poeta ultrarromântico como se vê no fragmento a seguir: “Quase todos tiveram na figura do poeta inglês Lord Byron uma espécie de ídolo: ele representa o poeta desgraçado, perseguido pela sociedade, condenado à solidão”. Observa-se tanto na obra de Goethe como na figura de Byron, elementos de inspiração que confundem a arte com a realidade.

É evidente que o ultrarromantismo no Brasil em Álvares de Azevedo tinha fortes características dos movimentos europeus, pois além de ser literatura, é uma forma alternativa de posicionar-se no mundo, o ser poeta não é apenas título de alguém que escreve poesia, é uma ser de estímulos e sensibilidades emotivas para que assim se possa escrever, não há distinção, é um todo que compõem o artista.

A realidade será moldada pela ótica do mal do século, do papel com tinta com pensamentos pessimistas a uma intervenção no plano real. É subjetivo, mas não isolado, apresenta-se este lírico ao mundo e o desperta emoções fortes e em alguns momentos repulsivos, o mundo fictício ganha vida. Como apurar então uma mente romântica? A literatura finalmente encarnaria nos homens e os tornariam tão complexos que a psicanálise voltaria sua atenção à mente desses escritores, que passariam a deitar-se no divã dos consultórios. A produção literária seria o alvo de estudo para se chegar ao íntimo do escritor, a fim de escutá-lo e a diagnosticar os complexos humanos. O modo como os românticos faziam sua apreensão da realidade é curiosa, visto que há serias semelhanças entre o plano literário e o real-biográfico.

Buscando na Lira dos Vinte Anos a subjetividade poética de Álvares de Azevedo temos os ingredientes para discorrer sobre os pressupostos em torno desse ultrarromântico, desde a sua apreensão da realidade à características do movimento. A Lira dos Vinte Anos, classificado pelo autor de “binomia”, como planejado para publicação inicialmente possuía duas partes, atualmente acrescentaram-lhe uma terceira, com três partes nas publicações modernas. O prefácio de Lira dos Vinte Anos é um mapa que nos conduz ao tesouro da mente alvaresiana, pois aponta desde o abrir da obra as intenções do artista, conforme fragmento abaixo:

São os primeiros cantos de um poeta. Desculpai-os. As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor. É uma lira, mas sem cordas: uma primavera, mas sem flores, uma coroa de folhas, mas sem viço.

Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira intensa que agitava um sonho, notas que o vento levou - com isso dou a lume essas harmonias.

São as páginas despedaçadas de um livro não lido...

(AZEVEDO, 2007, p. 19)

Nessa curta apresentação do que vem a ser esta “lira”, encontramos em primeira instância, o rompimento com o pensamento romântico da primeira geração e seu ufanismo, o que dar ao autor em estudo a plena consciência da literatura brasileira existente, “As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor.” Fica evidente que não há nenhuma intenção em exaltar a natureza e sua paisagem exótica, mas sim, como mostra os versos seguintes, apresentar um subjetivismo pessimista, digno de um sentimentalismo descontente: “é uma lira, mas sem cordas: uma primavera, mas sem flores, uma coroa de folhas, mas sem viço.” A temática ultrarromântica é apresentada em versos no prefácio. A lira (palavra que deu origem a “lírico”), um instrumento incapaz de expressar a suavidade que os poemas precisam, são poemas com algo peculiar “sem viço”, a consciência do que se estava produzido sugere a seguinte pergunta: O que torna a poética alvaresiana tão biográfica ao ponto de haver discussões sobre a veracidade dos sentimentos, visto que o próprio autor anuncia como características literárias?

Responder a essa questão sugere uma perspectiva da psicanálise, não para um diagnóstico clínico, mas a uma compreensão das faculdades mentais e sua apreensão da realidade, a fim de, neste caso, chegar às reais motivações de uma subjetividade tão profunda. Os sentimentos românticos são fortes e a dor é latente e expressiva, mas ao se deparar com a “lira sem cordas” de Álvares, pressupõe-se expressamente um poeta sofrido, de dores e paixões que debruça com impetuosidade seus mais profundos sentimentos, provocando no leitor a dor que apresenta-se como literária e invade o mundo real. Esse sentimento dos românticos e o seu uso recorrente é explicado em Os Primórdios do Movimento Romântico e a Psicanálise: A apreensão da realidade psíquica, de Paulo César Sandler (2000, p. 20-21), mediante o que se lê no excerto transcrito a seguir:

Para muitos é insuportável a dor de perceber a própria agressão e destrutividade, cantada em prosa, verso e música pelos românticos (...) Não é necessariamente insuportável, mas quando há um exagero, uma hipervalorização violenta dos sentimentos, estes prevalecem e tudo se passa como se fosse insuportável: a pessoa sente a dor, mas não se pode dizer que ela sofra a experiência da dor. (...) A pessoa imita o sofrimento; exagera-o. Mas permanece no âmbito dos sentimentos, (...) Exagero e violência de sentimentos, basear-se neles para enxergar o mundo e a si mesmo (...).

A verdade parece ser um fardo muito pesado, que a mente humana hesita em carregar ou sente não poder suportar. Novamente, não é que não suporte mesmo; sente que não suporta.

A investigação psíquica dos sentimentos, elaborada por Sandler (2000) sobre os românticos, torna a leitura da poética subjetiva de Álvares ainda mais complexa do que se presumia a crítica. Primeiro, a afirmação do impacto que uma leitura de “agressão e destrutividade” causa em muitos, como se fosse sentimentos a serem contidos e não revelados. Segundo, que a “hipervalorização violenta dos sentimentos,” prevalecem de tal maneira que para o próprio poeta a distinção se torna difícil, pois, mesmo que haja o sentimento de forma consciente, isto não quer dizer que o poeta “sofra a experiência da dor”. Aplicando esta ótica de psicanálise na obra alvaresiana, vejamos um trecho do poema “Lembrança de Morrer”:

Só levo uma saudade – é dessas sombras

Que eu sentia velar nas noites minhas..

De ti, ó minha mãe, pobre coitada!

Que por minha tristeza te definhas!.

(AZEVEDO, 2007, p. 103-104)

Nessa estrofe, é apresentado um sentimento de tristeza e solidão, visto que as companhias das noites são apenas “sombras”, o que caracteriza a sensação de solidão, o qual supõe-se também ser o motivo da tristeza, que por sua vez torna-se perceptível ao ponto de causar sofrimento nos familiares, no caso, a mãe. O autor utilizou de um ambiente, que em sua descrição, deixa de ser apenas um espaço “subjetivo e escapista”, pois, as sombras deixam de ser “s.f. 1. Falta de luz produzida pela interposição de um corpo opaco”, como define Celso Pedro Luft (2005), passando então a ser vista como um ser de natureza psíquica, uma projeção ultrarromântica consciente do autor, como visto no 2º verso: “ que eu sentia ”, há a consciência de que são apenas sombras, que são transformadas em poesia sentimental. O mergulho nos sentimentos como diz Sandler (2000) sobre os românticos, seria então “[...] exagero e violência de sentimentos, basear-se neles para enxergar o mundo e a si mesmo”.

Há na construção poética, os elementos naturais e os sentimentos hipervalorizados, no caso, o subjetivismo apresenta mais que uma escrita em 1ª pessoa combinada com sentimentos individuais do estado e espírito do poeta. Segundo Rogel Samuel (2007, p. 76): “a linguagem expressa sentimentos e fatos sociais, e há nela uma expressão de elementos intelectuais e emotivos”.

De forma mais precisa, no ultrarromantismo, o subjetivismo ganha proporções gigantescas, mais que um recurso linguístico, sua estética propõe uma capacidade de criação em que o sonho, a evasão, o mistério e as imagens não necessitam de um racionalismo para serem expressas, a própria emoção individual ganha ênfase literária, busca “sentir” no imaginário consciente figuras e símbolos para representar aquilo que é apreensível da realidade, tornando os poetas ultrarromânticos aqueles que se permitem uma sensibilidade interior para se ser romântico. O sentimento não precisa ser real para ser escrito, mas com sensibilidade senti-lo e expressá-lo.

Na concepção de Freud, sobre a relação da escrita e do indivíduo que a produz, pode-se afirmar que a escrita possui a função de acting-out; ou seja, um impulso que salta direto para a ação, sem intermediação do pensar. Assim, age-se na escrita em vez de elaborar-se internamente a questão psíquica envolvida, é só um sentimento, mas a pessoa que se fia muito em seus sentimentos pensa que isto é real. Assim, Paulo Cesar Sandler (2000, p. 38) diz:

A popularidade de uma ideia não prova sua realidade nem seu poder de se aproximar da verdade (...) O romantismo tocou em um problema tão simples quanto difícil: o limite entre alucinação e realidade. Um paradoxo que demanda tolerância permanece não observado: se é real que os sentimentos e as paixões sejam uma espécie de sensores da realidade, eles são igualmente gênese de alucinação.

Há, portanto, um produto manipulado, forjado pela apreensão da realidade, com o conhecimento prévio numa dosagem sensível dos sentimentos, o que torna o subjetivismo uma exploração oscilante entre o real e o imaginário, e os recursos utilizados, desde a experiência e o fazer poético, são por fim uma arte escrita.

A escrita como um projeto em Lira dos Vinte Anos corresponde às expectativas do que já tem sido discorrido sobre a produção poética de um escritor romântico, o confronto com a realidade que se dar por meio da imaginação ultrarromântica. Todo esse processo criativo segue a temática e a forma, utiliza personagens típicos da poesia e são transfigurados através da obra de Álvares de Azevedo e seu individualismo de escritor, isso faz com que se tivesse no Brasil uma geração de poetas que sonham com a poesia. Segundo Cilaine Alves (1998, p. 70), ao tratar do “sistema dual” na poética de Álvares, a autora afirma:

Dissolvida no âmbito da criação poética e passível e ser apreendida apenas na duração de cada poesia singular, a dualidade de fundamentos estéticos relaciona-se, de certo modo, com a recusa em adotar as convenções poéticas que regulamentam o ato criativo e, ao mesmo tempo, com a necessidade de legitimar, de forma original, a individualidade poética de Álvares de Azevedo, unificando-a num projeto próprio. (...) Nesse sentido, é possível traçar uma hipotética divisão dessa obra em dois momentos distintos: um inicial, em que a consciência poética, narcisista, alheia a qualquer contato com a realidade que a cerca, procura fundamentar os princípios de regulamentação dos poemas na busca de unificação e ascensão da alma a reinos transcendentais; e um segundo que – presente na declaração do poeta segundo a qual os pressupostos de natureza transcendental seriam “interessados” e “monótonos” por visar unicamente à gloria poética.

Como fundamento para se compreender o subjetivismo de Álvares de Azevedo na obra Lira dos Vinte Anos, vale ressaltar todos os fatores influeciam numa produção poética, como salienta Leite (2002), o pensamento produtivo, resultado da experiência individual do sujeito, aliado aos processos cognitivos e afetivos, é essencial no processo de criação da obra literária.

Enquanto Mário de Andrade no ensaio Amor e Medo, busca aspectos psicobiográficos na literatura alvaresiana para determinar o comportamento do poeta, Antonio Cândido resgata seu valor unicamente no campo literário classificando-o como poeta ultrarromântico, porém, buscando medir na dosagem certa a escrita de Álvares deve-se levar em conta, sua origem, ascensão, época e a própria condição do artista, assim, estaremos mais próximos de uma investigação com resultados mais concretos.

A “Lira sem cordas”, publicada em 1853, é a única obra cuja publicação foi preparada pelo poeta, porém, póstuma, o qual em sua primeira edição, conforme era a vontade do autor, possuía duas partes. O livro é anunciado com as palavras de Bocage: “Cantando a vida, como cisne canta a morte” e Lamartine: “Dieu, amour et pierre sont les trois mots que je voudrais seuls graves sur ma pierre, si je mérite une pierre!”, com estes versos, do pré-romântico Bocage e do romântico Lamartine que se anuncia o que será exposto em sua maior parte do livro: a morte, Deus, o amor e a poesia, uma literatura ultrarromântica, fundamentada explicitamente em sua origem europeia. O autor estava consciente de sua produção, era o leitor de clássicos, seja por afinidade ou não, estava trilhando uma linha de poesia romântica pessimista.

Na primeira parte deste livro, predominava uma poesia mais sentimental; com o desejo e a culpa de amar, são as virgens transcendentais e inatingíveis que são descritas de diversas maneiras, num campo fantástico de sonhos em ideias que vagam abstratas; o sentimento de culpa o atormenta diante dos desejos carnais, mas é o fascínio com a morte que se supõe o alívio e a liberdade do fardo de viver.

O amor abstrato e platônico pelas virgens pálidas envoltas em mistério segue a linha adocicada e inatingível da poesia romântica de Lamartine e Alfred de Musset, encontrados em várias referências na Lira dos Vinte Anos, seja na abertura do livro, ou em epigrafes de diversos poemas. Nessa fonte de inspiração que fluirá em Álvares o ideal de poesia que embora aparente ser disforme, será em sua geração uma poesia sensível e sublime, assim como os seus ídolos.

No poema intitulado “O Poeta”, da primeira parte, há uma epígrafe referente a Alfred de Musset e no próprio poema nas estrofes quatro, cinco e nove, vemos uma sensibilidade tão precisa e subjetiva que o autor consegue transcrever o que se espera do “sentir” de um poeta ultrarromântico.

[...]

Meu coração iludido

O sentiu e não sonhou:

E sentiu que se perdia

Numa dor que não sabia...

Nem ao menos a beijou!

(...)

No sono daquele seio

Pensou que ele ia morrer!

Sou eu! Que não esqueci.

A noite que não dormi,

Que não foi uma ilusão!

Sou eu que sinto morrer.

A esperança de viver...

Que o sinto no coração!

(AZEVEDO, 2007, p. 37)

É frequente o uso abstrato de um “coração iludido”, que sente o sofrimento intensamente devido a um desejo não realizado “Nem ao menos a beijou!”, causando-lhe um sentimento de insegurança e sofrimento tão profundo que são associados à morte, “Pensou que ele ia morrer”. Para um estudioso de literatura ao aplicar nestes versos, a psicanálise como fez Mário de Andrade, provavelmente afirmaria que se trata de um autor que sofra aversão sexual, no entanto para não ser simplista ao utilizar outras áreas de conhecimento. Maria Luiza Silveira Teles (2004, p. 63) defende que:

Qualquer exagero tem que ser condenado. Qualquer estudo, qualquer análise ou pesquisa, qualquer tratamento que leve em conta apenas um aspecto do ser humano, fatalmente estará pecando pela base.

O exagero do pensamento psicanalítico pode também levar a uma compreensão unilateral da sociedade, colocando os problemas no inconsciente e na personalidade das pessoas.

Como já mencionado, a poesia alvaresiana possui várias referências do ultrarromantismo europeu, que traz como fundamento um subjetivismo pessimista e sentimental, que é dosado com o próprio estado d’alma do poeta e suas motivações, época e estilo, mas também sem restringi-lo apenas por este ângulo, exatamente para evitar o “pecando pela base”, visto que nesta mesma poesia há “flashes” fortes da biografia do autor. Então, estando mais próximos desta investigação. O que seria então estes “flashes” biográficos deste jovem escritor ultrarromântico?

Sem dúvida, a Lira dos Vinte Anos é uma publicação planejada de caráter literário ultrarromântico, ora sentimental, ora sarcástico, como na segunda parte que a compõe. Nessa parte sem abandonar os temas de amor e morte, ainda sob o cenário misterioso da noite, este será um romantismo irônico e sarcástico, enveredando entre os grandes poetas de nome da literatura mundial. O próprio poeta da segunda parte será jocoso e intrigante, ele não será dramático e sensível como o abordado anteriormente. Então, se deduz o perfil de Álvares e seu subjetivismo, portanto agora, um ultrarromântico maldito e desregrado. Como anunciado no prefácio da segunda parte:

Cuidado, leitor, ao voltar esta página!

Aqui se dissipa o mundo visionário e platônico (...)

Por um espirito de contradição, quando os homens se veem inundados de páginas amorosas, preferem um conto de Boccáccio, uma caricatura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare, um proverbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset, a todas as ternuras elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda (...)

Há uma crise nos séculos como nos homens. È quando a poesia cegou deslumbrada de fitar-se no misticismo, e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de ouro. (AZEVEDO, 2007, p. 107)

Consciente da mudança de temas, em processo claramente metalinguístico, dialoga ironicamente com os grandes autores do romantismo. Escreve sobre charutos, dinheiro, poesia e assuntos corriqueiros que não cabiam na poesia sentimental da primeira parte, porém, seu teor subjetivo nos revelará um sentimento de solidão e culpa, que chama a atenção pela sua expressividade, fica difícil não retomar ou assimilar tal poesia ao sentimento do autor.

O sentimento fúnebre e desejoso de morte são tão evidentes que para o leitor, esta revolta na poética é um sentir íntimo, de modo ultrarromântico. Porém, trata-se de um poeta que não apenas escreve, é um próprio, e para isto, seus sentimentos combinados ao movimento literário produzirão uma poesia que embora no campo imaginário ganha vida no campo real. Distinguir esta intenção e suas reais motivações é o que torna o ponto chave da poesia romântica, pois não apenas se segue normas e técnicas para se produzir literatura, se sente; é o sentimento do pulsar do coração que determina. Assim, é este sentir ultrarromântico que se cria mitos e formam-se os poetas.

Assim, os sentimentos são invadidos pela literatura e até aquilo que parece inatingível tornar-se recurso e o próprio sentimento do autor deixa de ser real passando a recurso e estética do coração. Portanto, o subjetivismo abordado servirá como norteador em que para os românticos há o dever de sentir, mesmo que seja imaginário, mas para um poeta suas convicções manifestam-se na escrita, de modo que o estudo da biografia do escritor será uma das bases para compreensão deste sentir ultrarromântico.

REFERÊNCIAS

ALVES, Cilaine. O Belo e o Disforme: Álvares de Azevedo e a ironia romântica. São Paulo: Fapesp, 1998.

AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Martin Claret, 2007.

__________. Lira dos Vinte Anos. Porto Alegre: L & PM, 2010.

AMORA, Soares. Minidicionário de Língua Portuguesa. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

ANDRADE, Mário de. Amor e medo. In. Aspectos da literatura brasileira. 6. ed. São Paulo: Martins, 1978.

CÂNDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.

CITELLI, Adilson. Romantismo. 4. ed. São Paulo: Ática, 2007.

NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002.

SANDLER, Paulo César. Os Primórdios do Movimento Romântico e a Psicanálise: a apreensão da realidade psíquica. Vol. II. Rio de Janeiro: Imago, 2000.