Um Rio, Duas Vidas, Três Margens

A presente analise se vale do estranhamento causado pelo título do conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, e da simbologia relacionada ao próprio rio.

A terceira margem do rio, de João Guimarães Rosa, conta a história de um homem que evade de sua família e da sociedade, preferindo a solidão de um rio, dentro de uma canoa, remando rio abaixo, rio a fora, rio a dentro. O narrador-personagem é seu filho, que relata todas as tentativas da família, parentes, vizinhos e conhecidos de estabelecer algum tipo de comunicação com o pai, contudo sem sucesso. A família, aos poucos se acostuma com o abandono, e com o tempo, tenta seguir a vida; a irmã se casa e vai embora, levando a mãe; o irmão também se muda para outra cidade. Somente o narrador permanece. Sua vida se torna reclusa e seu desejo é de entender a escolha do isolamento de seu pai no rio.

O primeiro estranhamento no conto se dá na leitura do título, “A terceira margem do rio”, em que o leitor é levado a considerar que um rio pode não possuir apenas duas margens. Portanto, desde o começo, o principal questionamento é: o que seria a terceira margem?

Em diversas culturas é possível encontrar representações do rio tanto como o limiar, o começo, quanto o fim; tanto a vida, quanto a morte. Essa associação pode se dar verticalmente, da nascente até a foz, ou horizontalmente, de uma margem à outra, também é conferida à imagem do rio a questão da existência, da detenção de respostas, e ainda, é tido como um lugar para se diluir, se desprender do “eu”. Mas mesmo levando em consideração toda a simbologia contida na entidade do rio, ele continua possuindo apenas duas margens, então, o principal questionamento levantado pelo titulo do conto retorna, o que seria a terceira margem?

No conto de Guimarães Rosa, temos um personagem que adentra o rio e perpetua à vagar entre suas margens, o pai. Se desconhecem os seus motivos; estaria ele à procura de respostas? Teria se desprendido do “eu”? Estaria atravessando da margem da vida para a da morte? Ao mesmo tempo que esse enigma é intrigante para o leitor, o narrador demonstra compartilhar da ânsia pelas respostas.

Passados alguns anos, o pai ainda perdura entre as margens. O narrador deseja se lançar ao rio e substituir seu pai, mas quando clama por sua atenção e é correspondido sendo apresentado à oportunidade de tomar o lugar do pai, foge, não o toma, pois não pode. A travessia de uma margem à outra é pessoal e particular, é única para cada pessoa, só se deve atravessar quando for o momento, nem antes, nem depois. Mas ainda assim, e a terceira margem? Voltemos então à lógica.

Um rio possui duas margens, é inegável. Assim como a vida começa no nascimento e termina na morte. Mas e o leito do rio entre as margens? E a existência entre o nascer e o morrer? Por que são desconsiderados, quando na verdade são exatamente tudo que mais importa? A incógnita é a verdadeira razão para a aventura de se atravessar de uma margem à outra.

O que é a terceira margem? Bom, ela é o desconhecido, o enigma, ela é o imprevisível, ela é o estável dentro do movimento, ela é o leito, a trajetória, a jornada, mas acima de tudo, a terceira margem é o único caminho.