Carlos Heitor Cony e a melancolia criativa dos grandes escritores.

Há escritores que sem nunca terem feito a pergunta “Como tudo poderia ter sido?”, deixam implícitas em suas obras as questões do se, se todos fossem iguais a você escriba Cony, que melancolia seria viver, mas como seria a vida mais sensível e inteligente, mais cética e realista. Carlos Heitor Cony foi um dos grandes romancistas que tive a chance de conhecer na juventude, um homem que teve sua máxima juventude nos anos cinquenta do século XX, um cronista do real, um ficcionista do real, um ex-seminarista que se dedicou ao jornalismo, e que sempre transitou na liberalidade do pensamento, sem ter abdicado da ferocidade crítica do nobre ofício da imprensa ao menos até o fim dos anos oitenta do século passado, quando a predominância da sua obra, ao menos no aspecto mais importante tangente à literatura descambou para a produção literária como contista eventual e grande romancista.

Com uma fidelidade significativa ao contingenciamento histórico, ao fato jornalístico e ao hábito de grande leitor, que é atividade normativa de todo escriba, como ex-seminarista publicou o livro Informação ao crucificado, no qual afirma Deus acabou, sim, essa é a última frase desse romance confessional, que provocou então reação do cristão e grande crítico literário Alceu de Amoroso Lima, que redarguiu Deus não acabou, ao afirmar que não tinha acabado nem para Cony. Mas no curso de sua obra, parece sim que acabara, embora tratasse respeitosamente o estamento religioso.

Antes, o verão foi o primeiro romance que lembro ter lido, uma história de separação, onde é marcante o encontro sexual do casal antes de se separarem, Cony teve vários casamentos, o último durou mais de trinta anos, ali, naquele encontro sexual começa para o romancista o seu percurso de entendimento do sexo que irá ao máximo, ao menos literariamente, em um conto sobre a luxúria no livro Os sete pecados capitais, no qual conclui que só acontece a luxúria em seu sentido ignóbil quando o outro não está sendo considerado como pessoa humana, isto é, a luxúria seria, assim, um ato isolado do prazer, o prazer sexual egoísta, desde o onanismo ao praticado com o outro apenas para o uso do outro, sendo assim uma solidão sexual, o amor que não é, o se que não foi, bem ao seu jeito melancólico, de olhar paisagens desacompanhado de outros olhares, algo que é inusitado e ao mesmo tempo não é, pois não há muita coisa tão solitária quanto o ato de escrever.

Passear por essa melancolia de Cony foi ver mundos sendo construídos e em desconstrução como um processo da natureza humana e aí a aceitação do que é mudança tem o maior paradoxo, porque ao mesmo tempo em que é testemunho com frequência é desolação. Em A casa do poeta trágico, por exemplo, a nostalgia do amor perdido atinge o píncaro da frustação romântica não sendo um romance do romantismo, e, sim, um romance fáustico de um home maduro que, praticamente, adota uma moça, mocinha, que aproveita bem a chance, ama seu homem, mas que o deixará por ter brilho próprio. A impotência diante do amor perdido é total, um belo romance.

O Cony jornalista político produziu muitas obras também, escreveu sobre Juscelino Kubitschek com muita empatia. Produziu livros sob encomenda e como cronista, em sua fase mais jovem, o livro O ato e o fato leva uma contestação heroica ao regime militar, sem que jamais tenha desrespeitado as Forças Armadas como organização nacional permanente em seu mister constitucional. Combateu aquela a que chamou de A revolução dos caranguejos o tanto quanto isso afetou sua existência, mas recebeu indenização julgada desproporcional por muita gente à sua atividade jornalista perseguida pela ditadura, mas não é isso aqui que está em tela. Cony escreveu o mais importante romance sobre a luta armada no Brasil, em sua perspectiva marxista-leninista, trata-se de Pessach – a travessia –, romance de extraordinária beleza e paixão, por si só uma obra capaz de levar o leitor à época da guerrilha urbana no Brasil, talvez, junto com Agosto, de Rubem Fonseca, e o canônico Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, um dos dois mais importantes romances históricos do Brasil. Nunca interrompeu sua atividade de escritor nem de jornalista, onde atuou como cronista no jornal Folha de São Paulo até seus últimos dias.

Adeus, e até logo, escriba, sempre que puder o reencontrarei em livros seus que ainda não tenha lido.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 11/01/2018
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