Origem da Crença nos demonios
Origem da crença nos demônios.
Capitulo IX do livro Céu e Inferno ou Justiça Divina Segundo o Espiritismo
Tradução de Wladimir Olivier.
A crença em um poder superior é instintiva junto aos homens; assim se encontra sob diferentes formas, em todas as eras do mundo. Mas se, no grau de avanço intelectual a que chegaram hoje, eles discutem ainda a respeito da natureza e os atributos desse poder, quão mais imperfeitas deveriam ser suas noções sobre esse assunto na infância da humanidade!
O quadro que se aproxima do estado de natureza mais o instinto prevalece nele, como se pode ver ainda junto aos povos selvagens e bárbaros de nossos dias; o que o preocupa mais, ou melhor, o que o ocupa exclusivamente é a satisfação das necessidades materiais, porque ele não tem outras. O único sentido que pode torna-lo acessível aos gozos puramente morais se desenvolve ao longo do tempo e progressivamente; a alma tem sua infância, sua adolescência e sua virilidade, como o corpo humano; mas para atingir a virilidade, que a torna apta a compreender as coisas abstratas, que de evoluções não deve percorrer dentro da humanidade! Que de existências não precisa completar!
Sem recuar às primeiras eras, vemos ao redor de nós as gentes de nossos campos e nos perguntamos quais sentimentos de admiração despertam nelas o esplendor do sol nascente, a abóboda estrelada, o trinado dos pássaros, o murmúrio das ondas claras, as campinas adornadas de flores! Para elas, o sol se ergue porque tem o hábito e, contanto que dê bastante calor para amadurecer as colheitas mas não muito que as seque, é tudo o que pedem; se elas olham para o céu, é para saber se fará bom ou mau tempo amanhã; que os pássaros cantem ou não lhes dá no mesmo, contanto que não comam seu grão; as melodias do rouxinol preferem o cacarejo das galinhas e o grunhido de seus porcos; o que pedem aos riachos claros ou lamacentos, é para não secarem nem inundá-los; ‘as campinas, para lhes dar da boa erva, com ou sem flores; é tudo o que desejam, dizemos mais, tudo o que compreendem da natureza e, não obstante elas estão longe dos homens primitivos.
Se nos reportamos a estes últimos, nós os vemos, mais exclusivamente ainda preocupados com a satisfação das necessidades materiais; o que serve para abastecê-los e o que pode prejudica-los resumem para eles, o bem e o mal deste mundo. Eles creem em um poder extra-humano; mas, como o que lhes traz um prejuízo material é o que os toca mais, atribuem-no a esse poder, do qual fazem de resto uma ideia muito vaga. Não podendo ainda nada conceber além do mundo visível e tangível, presumem que ele se ache nos seres e nas coisas que lhes são nocivas. O animais daninhos são assim para eles os representantes naturais e diretos desse poder. Pela mesma razão, viram a personificação do bem nas coisas úteis; daí o culto prestado a certos animais e mesmo a objetos inanimados. Mas o homem é geralmente mais sensível ao mal que ao bem; o bem lhe parece natural, ao passo que o mal o afeta por mais tempo; é por isso que, em todos os cultos primitivos, as cerimônias em honra do poder maléfico são as mais numerosas: o medo prevalece sobre o reconhecimento.
Durante bastante tempo, o homem compreendeu somente o bem e o mal físico; o sentimento do bem moral e do mal moral marcou um progresso para a inteligência humana; depois disso somente o homem entreviu a espiritualidade e compreendeu que o poder sobre-humano está fora do mundo visível e não nas coisas materiais. Isso ocorreu por obra de certas inteligências de eleição, que não puderam, no entanto, ultrapassar certos limites.
Como se via uma luta incessante entre o bem e o mal, e este vencer aquele com frequência; enquanto, por outro lado, não se poderia racionalmente admitir que o mal fosse obra de um poder benéfico, concluiu-se pela existência de dois poderes rivais governando o mundo. Daí nasceu a doutrina dos dois princípios: o do bem e do mal, doutrina lógica para certa época, porque o homem era ainda incapaz de conceber uma outra e de penetrar na essência do Ser supremo. Como teria ele podido compreender que o mal é só um estado momentâneo, de onde pode surgir o bem, e que os males que o afligem devem conduzi-lo à felicidade ajudando em seu avanço? Os limites de seu horizonte moral não lhe permitiam nada ver fora da vida presente, nem antes, nem depois; ele não podia compreender nem que tinha progredido ,nem que progrediria ainda individualmente e, ainda menos, que as vicissitudes da vida são o resultado da imperfeição. Para compreender o bem que pode surgir do mal, não basta ver só uma só existência; precisa abranger o conjunto; é só aí que aparecem as verdadeiras causas e seus efeitos.