Se sou Algo, não sou Nada
Todas as vezes em que saí de casa, refugiando-me em alguma convenção, perguntavam-me incessantemente: quem tu és? Não sei quem sou. Penso que, durante todo esse tempo, nunca fui alguém. Sempre me apetecem. Por que preciso ser algo? Ora sou algo; outrora sou nada. Isso não me vale de nada. Existir é, como um abismo derradeiro, formado por uma profundidade incontável. Logo, quem disse que a profundidade remete a Algo? Se ligam profundidade a Algo, como um objeto de valor, não sou Nada. Como poderia ser Algo, se sou nada mais que Nada? Não tenho sonhos, nem ambições, nem penso em amores. Sequer penso em riquezas. Sendo assim, se sou Algo, não sou Nada. E vivo, assim, desse modo, felizardo. Nunca fui Algo para ninguém, e quero que sejam Nada para mim. O Nada também é, embora paradoxalmente, Algo. Se Algo tornou-se Nada, Nada era Algo; pessoas são construções, e seus atos carregam a relevância do edifício — seja à miséria; à glória. Quem diabos pode determinar se a miséria é Nada e o Algo, glória? Poupem suas palavras.