De noite na chuva.

Tinha o olhar perdido na tela luminosa à sua frente, como se dela fossem surgir todas as respostas para os seus questionamentos. Sua expressão era apenas séria.

Mais do que nunca, desejava que o tempo passasse e a levasse embora dali. Antes que ela parasse de ouvir a música, antes que o dia amanhecesse mais uma vez, antes que ela mesma fechasse todas as suas portas e janelas para sempre.

Não queria mais olhar dentro de olhos frios, não queria mais abraços vazios. Não queria mais tentar acreditar na cumplicidade forjada que jamais houvera.

Estava sempre a olhar para os outros. A procurar neles o que gritava dentro de si e ela jamais percebera.

E de repente as pessoas eram-lhe tão repugnantes. A humanidade passou a doer em si. A dor de ser carne trincava-lhe o espírito.

Chovia.

Já era tarde, mas mesmo assim, quis sair. Sequer escutou o barulho da porta batendo às suas costas. Andou por ruas escuras e desertas como se fossem três da tarde. A chuva dentro de si era tão forte quanto a que caía do lado de fora. O frio doía-lhe os ossos. Apenas os seus pés estavam secos. Bem que sua mãe dissera que aquelas botas eram ideais para sair na chuva.

Seria ótimo uma garrafa de qualquer coisa alcoólica à sua mão ou, quem sabe, um cigarro. A chuva já havia parado de cair. Seria ótimo as mãos dele junto às suas. Ah, quantas vezes percorreram, com os dedos entrelaçados, bem forte, este mesmo caminho que ela agora fazia sozinha?! Saudade. Nunca soube lhe dar muito bem com esse sentimento.

E o amor, o que era? Um mito? Uma mentira que lhe contaram? Ou será que apenas esqueceram-se de falar que nem todos são fortes o suficiente para resistirem as distancias?

Ninguém poderia dizer que o que sentiram um pelo outro não era amor. O fato é que, mesmo ela, (já) não era mais aquela garota de olhos enternecidos que se apaixonara. Aliás, ela agora não era nada. Não era de ninguém, não era de lugar nenhum. Não passava de amontoado de possibilidades, de um amontoado de "ses". Nada fazia sentido. Somente subir, se livrar daquela roupa molhada e dormir, já que estava à porta de casa novamente. Dormir era, realmente, uma boa maneira de escapar de tudo, ao menos por algumas horas.

Indelével
Enviado por Indelével em 20/04/2008
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