Ao meu pai - (em verso branco)
Forjaste em mim o teu sonho de pai,
Rutilante como a fúlgida estrela que nos alumia,
Andaste lado a lado comigo...
No teu colo, onde apoiei meus arrebatamentos juvenis,
Consegui galgar a fria barreira que me isolava de ti,
Infiltrei-me no teu seio cansado de pai ardoroso,
Senti mais junto ao teu o meu coração:
Caiu, em gotas adustas, a dor da frieza
Onde tu e eu nos alojámos, indiferentes ao elo que nos liga.
Se eu hoje pudesse dizer-te
O muito que te quero,
A angústia que me devora por não te ter perto amanhã,
Realizar contigo mais um Sol de esperança,
Enfrentar contigo a ternura do nosso lar,
Sentir-me-ía pássaro rasgando o mar brônzeo dos teus sábios Outo-
nos...
Desinibir-me das tortuosas saudades que se albergam em mim,
Insuflar-te de um cândido olhar filial,
Amar as cãs da tua fronte vincada de sinuosos regos,
Saber-me reflectida no teu franco olhar...
- Realizado em 05/10/1971, (19h:15'), véspera de aniversário de meu
pai
- encontrava-me em Lisboa a estudar na Faculdade de Letras, e a fa-
mília estava em Moçambique
- ainda que se pressuponham outras interpretações, a verdade é que
a distância nos aproximou: éramos bastante desligados, por imposi-
ção da sua vida profissional, que o levava para longe de casa muitos
dias por mês; contudo, era um apaixonado pela mulher e os filhos, e
toda a sua razão de viver era a família