Ao meu pai - (em verso branco)

Forjaste em mim o teu sonho de pai,

Rutilante como a fúlgida estrela que nos alumia,

Andaste lado a lado comigo...

No teu colo, onde apoiei meus arrebatamentos juvenis,

Consegui galgar a fria barreira que me isolava de ti,

Infiltrei-me no teu seio cansado de pai ardoroso,

Senti mais junto ao teu o meu coração:

Caiu, em gotas adustas, a dor da frieza

Onde tu e eu nos alojámos, indiferentes ao elo que nos liga.

Se eu hoje pudesse dizer-te

O muito que te quero,

A angústia que me devora por não te ter perto amanhã,

Realizar contigo mais um Sol de esperança,

Enfrentar contigo a ternura do nosso lar,

Sentir-me-ía pássaro rasgando o mar brônzeo dos teus sábios Outo-

nos...

Desinibir-me das tortuosas saudades que se albergam em mim,

Insuflar-te de um cândido olhar filial,

Amar as cãs da tua fronte vincada de sinuosos regos,

Saber-me reflectida no teu franco olhar...

- Realizado em 05/10/1971, (19h:15'), véspera de aniversário de meu

pai

- encontrava-me em Lisboa a estudar na Faculdade de Letras, e a fa-

mília estava em Moçambique

- ainda que se pressuponham outras interpretações, a verdade é que

a distância nos aproximou: éramos bastante desligados, por imposi-

ção da sua vida profissional, que o levava para longe de casa muitos

dias por mês; contudo, era um apaixonado pela mulher e os filhos, e

toda a sua razão de viver era a família

Lady X
Enviado por Lady X em 29/01/2012
Código do texto: T3468389
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.