Os olhos do medo

Carrego meu próprio medo como se carregasse sozinho todo o peso da vida, em estado ciclico me enjoo de tanto balanço. Procuro motivos dentro das picadas de mosquitos que vivem em minhas pernas e me encontro de frente ao amanhecer.

Os medos são os olhos que controlam meus passos. Suas fortes rédeas regem o jogo das palavras em que nos encontramos. O dia da novela não espelha o dia que me aparece da janela do prédio velho de tanto carregar memórias.

As pessoas passam nas faixas das ruas como vultos encapuzados conectados ao compromisso. O relógio, rei de todos. A superficie terrestre geme as dores do sol, ecoando-se em solas de sapato alheias. Quem são meus olhos? Não temas, já que não irás ver o que eu vejo.

Diante do fogo eu queimo parte de mim que já morreu, sem dor, é como o exercício diário de lavar suas mãos, deixe que levem partes de ti, mesmo que as levem à outros. As teias do medo nos unem. Onde há desconhecer há medo. Onde há conhecer demais há medo. Onde há medo, há tudo.

Mas beber dessa fonte te exige cuidado, o sirva com temperança. Enquanto a escacez te provoca fome a fartura te derruba em vômitos. Nesse campo terrestre minado, valerá a pena meus passos? Se em vida eu permanecer, o gozo do enfrento ao medo me tomará. Se da vida eu me desligar, poderei me esfarelar no tempo, percebendo assim a resposta à minha pergunta.

Temendo o encontro noturno da morte, me vibro no colchão duro, me pego no colo e me boto nos berços da minha cabeça. Seria maluquice minha notar a morte escorrendo do teto. Me entrego ao meu cérebro, este mesmo que me engaiolou e me assoviou um canto de ninar.

O que então significaria o medo? Até que ponto qualquer coisa pode ser medo ao mesmo tempo em que é outra coisa? Se não fosse o medo, minha vida já estária esfacelada no chão da rua desse prédio. Ver de longe meu corpo voar e com todo seu peso tocar o chão, sujo e duro. Até ver a explosão sanguínea se esvaecendo em cores nos olhos da face dos velhos que aqui se sentam. Assim como a sua.

Se não fosse o medo, provavelmente você não teria esse emprego horripilante que enfrentas todo santo dia pela manhã. Se não fosse o medo não manterias um relacionamento doloroso. Se não fosse o medo não existiria o não.