CABEÇAS EGOCÊNTRICAS

– Aos editores. Estes os maiores interessados em que o autor não revise o seu texto, porque, se este o fizer, deverá levar mais tempo para publicar a obra, e, portanto, demorará em levar o (seu) santo dinheirinho aos cofres deles.

É uma lástima que os autorais não encarem bem a "transpiração" feita por terceiro sobre a sua criação. Observa no que dá tu não acreditares nem praticares a oficinação em cima dos teus próprios textos? Percebes o que acontece quando aconselhas o outro a ficar somente no primeiro momento de ‘inspiração’, ou seja, não revisar o poema depois do momento inicial da espontaneidade intuitiva, porque ele já nasceu pronto e acabado? Fortaleces o ego autoral conduzindo-o à não aceitação da posição de que o poema nunca está pronto, por ser matéria viva – que é como eu entendo. E aí aumenta o número dos protetores da preguiça intelectual, fortalecendo-os contra qualquer mudança no texto, mesmo que, no caso de terceiro, o analista crítico seja apenas fonte de sugestões de forma ou formato. Levanto esta questão por respeito à posição antagônica (no criar), prestigiando, enfim, apoiando o ego do autor que não aceita alterações no texto nascido num repente, vale dizer, apenas baseado no sopro da intuição. É muito prazeroso o milagre da criação literária nascida num átimo, sem trabalho, sem a transpiração sobre o “instante de fúria do criar”. Representa a aceitação do que temos como verdade estética – a nossa concepção da Verdade alimenta o Ego. Constata-se o seguinte: quanto mais primário o espiritual do autor, mais necessário se faz que ocorram loas e aplausos a ele. Importa num reforço à certeza autoral de que é, no mínimo, um abençoado pela genialidade. Bem, segundo os especialistas da alma humana, escrever é sempre uma terapia. É forte traço na sociedade atual o indivíduo com o ego inflado, egoístico e incapaz de atos singelos de Confraternidade. Que precário exemplar de poema (mesmo que nele se constate a presença da Poesia) poderá sair dessas cabeças egocêntricas? Porque mesmo que a literatura não se destine e a interferir diretamente no mundo dos fatos – a realidade – o primarismo individual e coletivo leva sempre a embolar as coisas, pois para este grupo o poema é um objeto, nasce numa relação objetal, um produto, algo coisificado. É o "presente" que recebem da vida pelo talento pessoal, sem esforço, somente a genialidade aflorada: uma recompensa, um mimo que os retroalimenta. Tal um poço de petróleo que dará muitos lucros... Como se fosse fácil fazer e vender livros. É traço forte da sociedade contemporânea: sem rosto, volúvel, oportunista e venal, isto é, com preço previsível no mercado. Somos o resultado do que acreditamos e praticamos. É sempre útil lembrar de que o poema esteticamente bom é o fruto bendito e babado do conviver, fruto que já foi lambido por muitas línguas...

– Do livro OFICINA DO VERSO, vol. 02; 2015/17.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/5971102