O ARFAR DE CONTENTAMENTO

Cuidado, querido poeta-leitor! Peço reflitas sobre o que escreveste com relação ao trabalho do analista crítico sobre alguma peça de terceiro, o qual me parece, no mínimo, grotesco, ainda mais em tempo de Estatuto da Criança e do Adolescente: "... assim como um castigo dado de pai para filho.". Claro, nós ainda somos de uma geração de pais sem noção dos danos que o castigo físico (e suas sequelas psíquicas) causava, sem culpa ou ideação danosa, e sim meramente correcional, tal como utilizas aqui. Mas é uma ação imprópria de ser usada como comparativo, em literatura. Tudo aquilo que o crítico faz deve se estender sobre a peça em exame e não em cima do seu criador. E não se pode confundir a figura do autor com o que decorre de seu trabalho sensitivo-intelectual. O que está em exame é a peça produzida, tanto no mérito quanto no juízo estético. A costumeira possessão sobre o texto de parte de seu autor é um erro também crasso. O domínio da peça é dele, destarte, não há mais o cordão umbilical quando a peça textual já veio a lume no mundo dos fatos. Num ponto a tua excessiva visão comparativa tem razão: É SEMPRE MATERNAL a ligação do autor com a sua produção textual. E este – por ser o produto de seu afeto e a consequente entrega psíquica – o quer como a um filho. Cada vez que o crítico faz emendas supressivas, parece ao tutor que lhe decepa uma orelha ou um olho da cria ainda no ventre. Todavia, esta sensação de domínio sobre o que já está no mundo pode produzir interessantes discussões e até polêmicas. E como a ARTE LITERÁRIA, em especial o poema, vai cumprir a sua finalidade se tal não ocorrer? O que seria do verde se todos gostassem do amarelo? O que importa é que Palavra cumpra a sua finalística dialética: fazer pensar; gerar TESES, ANTÍTESES e uma oportuna SÍNTESE. Sem este ocorrer, a criatura humana voltaria à idade da pedra. Grato pela tua colaboração no plano das ideias. O respirar dialético é o meu arfar de contentamento. Incha-me o peito pra receber o abraço da palavra em cio... E como não sentir o perfume da rosa venturosa?

– Do livro OFICINA DO VERSO, 2015.

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