TROVAS DO ASSOBIO

“Alegoria de Carnaval”

Um pouco sem eira nem beira

Passa pela rua um rapaz

Co´ a perna bastante ligeira

E de alguma coisa indo atrás.

Ninguém sabe donde ele vem

Muito menos de que terra é

Nem ele se importa também

Que lhe ponham o nome de Zé.

Aparentemente vai esquisito

Mas parece descontraído

Assobiando, como num rito,

E com um ar de convencido.

Senta-se ao sol da esplanada

E observa quem vai passando,

O servente nem lhe diz nada

E cá o Zé vai, vai esperando.

Passada que foi meia hora,

E por se achar mal servido,

Levantou-se para ir embora

Mas logo foi interrompido.

- Ó você, oh, aí do boné,

O que é que pretende pedir?

- Eu não sou você, chamo-me Zé

E está na hora de eu partir …

- Então, não paga a esplanada?

- Eu estava só a descansar

E, como ninguém me disse nada,

Acho que não tenho de pagar …

E, recomeçando a assobiar,

Deu meia-volta pra seguir.

O servente pôs-se a lamentar

Mas, por fim, começou a rir …

- Ele sempre há cada chanfrado,

Já nem sei em que país estou,

Anda tudo meio desnorteado

E eu não sei se fico se vou:

- Na polícia, é o que se vê

E o fisco está mais que esgotado;

Toda a gente s´ espanta co Zé,

Quem é rico assobia pro lado …

- Assobia pro lado a justiça,

Assobia pro lado o hospital;

A prisão, essa, é resvaladiça …

Té parece um paraíso-fiscal.

- Assobia, e bem, o economista,

Assobia, e bem, o advogado;

O empresário é vigarista

E o governo assobia pro lado.

- Vejam lá, até os camones

Bem se fartam de assobiar,

Cada dia tocam trombones

Pra mais vistos-gold ganhar.

- E, então, todos esses banqueiros,

Cada um deles com seu assobio,

Reivindicam serem parceiros

Pra todo e qualquer desafio.

- Dizem pra aí que não há maquia,

Só se for aqui para o Zé,

Se neste país não há franquia

Nos Paraísos canta-se na Sé.

- Dizem pra aí que não há emprego…

Vai bater, ó Zé, a outra porta,

Nasceste num país que é cego

E assim andas co´ a vida torta.

- Dizem pra aí que a vida é cara

E não há dinheiro pra gastar

Se queres qualquer coisa rara

Vai aos chineses procurar.

- Dizem pra aí que os impostos

Não chegarão pra Segurança

E não se assobiam os gostos

Em qualquer jeito de balança.

- Dizem pra aí que no Parlamento

Vai uma enorme confusão

Co´ inverdades a todo o momento

Assobiando para a Nação.

- Dizem pra aí que os deputados

Assobiam por não ter benesses

Por isso é que, contrariados,

Só se servem dos SMSs …

- E se cá o Zé se indisposta

Desabafando descontente

Assobiam, como aposta,

Aspirina pra toda a gente.

- E, por falar em aspirina,

Farei, já agora, como na escola,

Assobiarei co´ a ritalina

Pra abastecer esta sacola.

- Não há condições, diz o Zé.

- Tens razão, coisa de pouca monta!

- Isto, só mesmo a pontapé,

Diz o rapaz do faz de conta…

Pois, pra acabar, dizemos nós,

Se isto não fosse um Carnaval

Ganhar-se-ia levantar a voz:

Fazer de conta, ninguém leva a mal!

Frassino Machado

In TROVAS DO QUOTIDIANO

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 27/02/2017
Reeditado em 27/02/2022
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