O crime de homicídio no Código Penal Militar, Decreto-lei 1001, de 1969.

O crime de homicídio no Código Penal Militar, CPM, encontra-se estabelecido no art. 205, o que estabelece, Art. 205. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Percebe-se que a disposição estabelecida neste artigo é semelhante aquela que foi estabelecida no art. 121, do Código Penal Brasileiro.

Na realidade, o crime de homicídio acompanha a humanidade desde quando esta passou a se organizar em grupos sociais e políticos sujeitos ao contrato social celebrado entre as pessoas e o Estado, ou mesmo desde quando a espécie humana passou a se fazer presente no Planeta Terra após a extinção dos dinossauros, e continuará a acompanhar a sociedade em razões das paixões e sentimentos do Homem.

No entender de muitos estudiosos, o primeiro homicídio que se tem notícia encontra-se descrito na Bíblia quando Caim matou Abel movido por um sentimento de natureza subjetiva como o ódio e a inveja. Mas, não se pode esquecer que a Bíblia trabalha com o homem já na condição de evoluído, ou seja, na condição de homo sapiens, mas para muitos, como por exemplo, Darwin em sua obra a Evolução das Espécies, houve toda uma evolução na espécie humana e com certeza na luta pela sobrevivência os homens devem ter praticado vários atos atentatórios uns contra a vida dos outros.

Mas, a repugnância por este ilícito também se fez presente no decorrer da história da humanidade. A sociedade não admite que uma pessoa possa tirar a vida de uma outra pessoa, uma vez que esta conduta fere flagrantemente o contrato social. Somente em casos excepcionais que devem estar previstos em lei é que se admite que uma pessoa possa tirar a vida da outro, é o que se denomina de excludentes de ilicitude e que se encontram presentes tanto no Código Penal Brasileiro como no Código Penal Militar tendo em vista a teoria finalista que foi adotada pelos diplomas de natureza penal.

O sujeito ativo deste crime que é um crime impropriamente militar, uma vez que se encontra previsto também no art. 121, do Código Penal Brasileiro, a princípio é qualquer pessoa, mas no caso da norma castrense pode-se afirmar que esta disposição se encontra voltada para o militar que venha a praticar o crime de homicídio doloso tentado ou consumado contra a vida de um outro militar, ou mesmo contra um civil. No caso sob comento, quando se afirma que o crime poderá ser praticado por um militar significa que este poderá ser um militar estadual, distrital, ou mesmo um militar federal que se encontre no exercício de suas funções, ou eventualmente mesmo não se encontrando no exercício de suas funções venha a praticar o crime contra um outro militar.

A respeito do assunto, competência da Justiça Militar Estadual ou mesmo da Justiça Militar do Distrito Federal para processar e julgar um crime de homicídio doloso, tentado ou consumado, praticado por um militar em desfavor de um outro militar, sendo que o sujeito ativo não se encontrava no exercício de suas funções constitucionais, mas de folga, deve-se trazer a colação a decisão que foi proferida pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais oriunda da 2ª Auditoria JudiciáriaMilitar segundo a qual, “EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DE JUÍZO – HOMICÍDIO QUALIFICADO – CRIME DOLOSO CONTR A VIDA – PRATICADO POR MILITAR EM ATIVIDADE, CONTRA MILITAR NA MESMA SITUAÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR – ART. 9º, INCISO II, ALINEA “A”, DO CPM – NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO – O art. 9º, II, “a”, do CPM, com a nova redação dada pela Lei 9299-96, considera crime militar os crimes praticados por militar em situação de atividade contra outro militar na mesma situação ou assemelhando – Autos nº0011436-52.2011.9.13.0000 oriundo do processo 0002851-39.2010.9.13.0002.

O sujeito passivo deste crime imediato é o Estado e o sujeito passivo mediato é qualquer pessoa, civil ou militar, que se encontre na condição de vítima da ação praticada pelo agente infrator. O crime admite tanto a forma consumada com o resultado morte, como a forma tentada aonde por circunstâncias alheias a vontade do agente a vítima não venha a óbito. Conforme se verifica ainda do texto constante no tipo penal o homicídio simples é aquele praticado sem a presença de qualificadores, pois caso estas se façam presentes o homicídio deixa de ser simples e passa ser qualificado na forma que foi estabelecida pela lei.

O elemento objetivo deste crime está representado pelo verbo matar alguém, ou seja, tirar a vida de uma outra pessoa, civil ou militar. O elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de matar alguém, o que se denomina na doutrina de animus necandi, ou seja, a vontade de matar uma pessoa. O ilícito penal admite a forma tentada. No caso da tentativa a pena a ser aplicada ao infrator sofrerá uma diminuição em atendimento as disposições que se encontram estabelecidas na parte geral do Código Penal Militar.

A ação penal cabível neste ilícito é pública incondicionada que ficará sob a responsabilidade do Ministério Público Militar quando se tratar de ato praticado por militar pertencente as forças armadas e do Ministério Público dos Estados ou do Distrito Federal quando se tratar de militar pertencente aos quadros da Polícia Militar ou mesmo do Corpo de Bombeiros Militar. A pena prevista para este crime é a pena de reclusão de no mínimo 6 (seis) anos e de no máximo 20 (vinte) anos, semelhante à pena prevista para o crime de homicídio simples previsto no art. 121, do Código Penal Brasileiro. O militar condenado por homicídio simples não poderá iniciar o cumprimento da pena em regime aberto, mas em regime semiaberto, ainda que seja primário e tenha bons antecedentes.

No caso do militar federal, este iniciará o cumprimento da pena na penitenciária militar. Mas, existem outras observações que devem ser feitas quanto ao crime de homicídio em razão das alterações ocorridas no Código Penal Militar por força do advento da Lei Federal nº. 9.299/1996 que alcança tanto a Justiça Militar da União como a Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal.

O militar que no exercício de suas funções matar um civil conforme o estabelecido na Lei Federal nº. 9.299/1996 não será processado e julgado na Justiça Militar, mas no Tribunal do Júri. No período compreendido de 1996-2004, a constitucionalidade da Lei Federal que alterou o art. 9º, do Código Penal Militar foi questionada.

Mas, com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 a questão no âmbito dos Estados e do Distrito Federal foi pacificada, uma vez que o art. 125, § 4º, da Constituição Federal estabeleceu expressamente que nas hipóteses do crime de homicídio praticado por militar estadual e distrital contra civil a competência será do Tribunal do Júri, no caso o Tribunal do Júri da Justiça Comum[1].

Já no âmbito da União permanece o questionamento quanto a constitucionalidade da Lei Federal nº 9.299/1996. Para aqueles que entendem que a lei é constitucional não existem dúvidas que o militar federal que matar um civil no exercício de suas funções será processado e julgado perante o Tribunal do Júri.

Mas, para aqueles que entendem que a Lei Federal nº 9.299/1996 como se demonstrou no caso da Justiça Militar Estadual onde foi preciso a edição de uma Emenda Constitucional alterando a competência daquela Justiça Especializada não existem dúvidas que a referida lei é inconstitucional e que caberá a Justiça Militar da União processar e julgar por meio do Conselho Especial de Justiça ou do Conselho Permanente de Justiça o militar federal que venha a matar um civil.

Deve-se observar ainda, quanto à matéria de competência que no caso de abate de aeronaves civis que venham a invadir o espaço aéreo brasileiro ou mesmo que desobedeça a ordens recebidas do Comando Aéreo Nacional pelo tráfego de aeronaves, a competência para processar e julgar o militar da Força Aérea Brasileira responsável pela destruição de uma aeronave com a consequente morte de seus tripulantes ou mesmo de seus passageiros esta será da Justiça Militar da União, e não da Justiça Federal em atendimento ao estabelecido na Lei Federal 12.432 de 2011 que modificou o parágrafo único do art. 9º, do Código Penal Militar, que fez referência ao art. 303, do Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei Federal de 19 de dezembro de 1986.

O art. 303, do Código Brasileiro de Aeronáutica estabelece que, “A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos: I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim; II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional; III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis; IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);V - para averiguação de ilícito.§ 1º A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.(Regulamento)§ 2º Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. (Incluído pela Lei nº 9.614 , de 1998) §3º A autoridade mencionada no § 1º responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório. (Renumerado do § 2º para § 3º com nova redação pela Lei nº 9.614 , de 1998)”.

Percebe-se que em razão da alteração feita pela Lei Federal 12.432 houve uma exceção a regra estabelecida pelo legislador constituinte derivado que modificou a competência da Justiça Militar quando se trata de processar e julgar os crimes dolosos contra a vida praticados pelos militares no exercício de suas funções em desfavor dos civis, que são os destinatários dos serviços de segurança pública e da soberania nacional. A respeito do assunto, referente as Forças Armadas, Célio Lobão fazendo referência a Lei Complementar 97/1999 que cuida do emprego das Forças Armadas na manutenção da ordem pública observa que, “Os fatos delituosos, incluindo homicídio doloso contra civil, praticados por militar da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica no efetivo exercício das atividades indicadas no §7º do art.15, da LC 97/1999, com a redação dada pela LC 136/2010, são crimes de competência da Justiça Militar federal. O imbróglio é o resultado do estado superficial do crime militar que remonta ao malsinado parágrafo único inserido no art. 9º do CPM, de constitucionalidade duvidosa”.[2] Uma outra questão decorrente do crime de homicídio doloso contra a vida, tentado ou consumado, refere-se ao crime praticado por militar da ativa em desfavor de militar da reserva ou reformado. Segundo Célio Lobão em seus Comentários ao Código Penal Militar – Parte Geral, nesta hipótese a vítima, militar da reserva ou reformado, para efeitos de aplicação da lei penal militar seria civil e, portanto o crime deveria ser processado e julgado perante a Justiça Comum. A 2ª Auditoria Judiciária Militar do Estado de Minas Gerais por meio de seu Juiz de Direito Titular ao processar e julgar uma ação penal militar apresentada pelo Ministério Público do Estado onde um militar da ativa teria tentado contra a vida de um militar da reserva remunerada da PM de Minas Gerais entendeu que a competência seria da Justiça Militar do Estado.

O Tribunal de Justiça Militar ao processar e julgar o recurso de apelação apresentado pelo condenado decidiu que, “APELAÇÃO CRIMINAL – CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO – ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR – IMPROCEDÊNCIA – SUPOSTA NULIDADE DA SESSÃO DE JULGAMENTO – VÍCIO NÃO CONSTATADO – PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO – CONDUTA QUE SE AMOLDA AO TIPO PENAL DO CRIME DEHOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO – INEXISTÊNCIA DE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA – NÃO CONSUMAÇÃO DO DELITO EM RAZÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À VONTADE DO RÉU AUSÊNCIA DE PROVAS DE MOTIVAÇÃO TORPE PARA A PRÁTICA DO DELITO – CONFIGURAÇÃO DO ELEMENTO SURPRESA – DIFICULDADE DE DEFESA DA VÍTIMA – INEXISTÊNCIA DE LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA – VÍTIMA ATINGIDA POR DISPARO DE ARMA DE FOGO QUANDO TENTAVA FUGIR DO RÉU – REDUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE FIXADA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - Deve-se considerar em serviço o militar que, se antecipando ao horário previsto formalmente para o início do turno de trabalho, toma o armamento e a viatura da Corporação, para praticar o crime. - Sendo reconhecido o caráter militar do crime praticado, torna-se evidente a competência da Justiça Estadual Especializada, para processar e julgar o feito. - Não há qualquer nulidade no fato de o Juiz Togado ser o primeiro a votar durante a sessão de julgamento pelo Conselho Permanente de Justiça. - Estando comprovada a intenção do réu em matar a vítima, não há como se acolher pedido de desclassificação do crime praticado. - Não há que se falar em desistência voluntária quando o crime só não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. - Não se conhecendo o verdadeiro motivo pelo qual o crime foi praticado, não se pode falar na gravação da pena pela motivação torpe. - O fato de o acusado ter atirado na vítima pelas costas enquanto esta tentava fugir das agressões obsta o reconhecimento de suposta legítima defesa putativa. - Recurso parcialmente provido. Redução da pena privativa de liberdade fixada em primeiro grau de jurisdição. APELAÇÃO CRIMINAL N. 0000629-35.2009.913.0002; Julgamento (unânime): 27/04/2010; DJME: 06/05/2010. A decisão do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais estabeleceu expressamente que naqueles casos onde o autor do fato seja militar do Estado e a vítima militar do Estado pertencente a reserva remunerada ou reformado a competência para processar e julgar a matéria será do Tribunal de Justiça Militar em atendimento aos preceitos estabelecidos expressamente no art. 9º do Código Penal Militar.

Outro assunto que ainda deve ser mencionado, nestes comentários ao crime de homicídio doloso é que por força do estabelecido na Lei Federal 9299/1996 a fase de apuração do ilícito penal militar deve ser feita na Justiça Militar, Federal ou Estadual, e posteriormente, os autos serão remetidos ao Tribunal do Júri. Isto significa que no momento em que o crime de homicídio é praticado caberá ao Juiz-Auditor ou mesmo ao Juiz de Direito da Justiça Militar decidir sobre a concessão ou não da liberdade provisória, e posteriormente remeter os autos a Justiça Comum.

Deve-se ressaltar ainda que a Associação Nacional dos Delegados de Polícia chegou a ingressar com uma ADIN, Ação Declaratória de Inconstitucionalidade para questionar a competência dos oficiais de polícia de presidirem um Inquérito Policial Militar destinado a apuração de um crime militar praticado por um policial militar contra um civil, e o Supremo Tribunal Federal decidiu que é possível a abertura de dois inquéritos para apurar o fato, um pela Polícia Judiciária Militar e o outro pela Polícia Civil. A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal não resolveu a questão, mas pode-se afirmar com base na lei e sem qualquer dúvida que a competência para processar e julgar o militar acusado da prática de um crime de homicídio contra a vida de um civil, tentado ou consumado, pelo menos no âmbito dos Estados e do Distrito Federal é da Justiça Comum Estadual, mas a apuração em fase de Inquérito Policial e a lavratura de Auto de Prisão em Flagrante, APF, é da Polícia Judiciária Militar, que por força do vigente Código de Processo Penal Militar, Decreto-lei 1002, de 1969, é exercida pelos oficiais integrantes da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros Militar.

Minoração facultativa da pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço.

A prática do crime de homicídio conforme foi mencionado anteriormente é condenada pela sociedade. Pode-se afirmar que a perda da vida é um fato extremo que traz várias conseqüências, e é por isso que a lei costuma dispensar uma pena mais severa para o autor desta espécie de ilícito penal. Mas, apesar destas considerações, pode ocorrer que em algumas hipóteses a conduta por parte da vítima tenha concorrido para o fato, o que não é e nunca foi uma causa de exclusão da responsabilidade. Ademais, não se pode deixar de manifestar que o direito penal brasileiro nos últimos anos tem se mostrado bastante caridoso para com os autores de ilícitos penais em detrimento dos direitos das vítimas, que acabam sendo vítimas duas vezes, uma quando da ocorrência do fato e a outra no curso do processo penal, onde muitas vezes se busca transformar a vítima em culpado, como se esta tivesse sido a causadora do evento. É por isso, que certas regras jurídicas estabelecidas no Código Penal Militar e mesmo no Código Penal Brasileiro devem ser analisadas com cautela para se evitar a impunidade, que acaba contribuindo com o aumento da violência. Não existem dúvidas que toda vez que o Estado não apresenta uma resposta adequada para o ato praticado a omissão do Estado contribuiu para o aumento da violência e a certeza da impunidade. A norma sob análise estabelece expressamente que se o agente comete o crime de homicídio impelido por motivo de relevante valor social ou mesmo moral, ou ainda sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz poderá reduzir a pena, de um sexto a um terço. A situação descrita pela norma penal castrense não se encontra divorciada da realidade. É possível a ocorrência da prática de atos provocadores por parte de uma vítima, o que pode levar o agente infrator a praticar um ato impensado que poderá resultar no evento morte.

A violenta emoção e a prática do ato motivado por relevante valor social não é uma causa de exclusão da ilicitude, mas poderá resultar na diminuição da pena a ser fixada pelo magistrado entre um sexto a um terço, cabendo ao Juiz de Direito ou mesmo ao Juiz-Auditor no momento da fixação da dosimetria da pena verificar o quantum que deve ser aplicado em conformidade com as provas que foram carreadas para os autos quando da instrução probatória em juízo. Deve-se observar ainda, que no âmbito da Justiça Militar, Estadual, Distrital ou Federal, a decisão referente ao crime de homicídio não será proferida de forma individual pelo magistrado civil, mas em conjunto com o Conselho de Justiça, Permanente ou Especial, em atendimento as disposições que se encontram estabelecidas no Código de Processo Penal Militar.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

Segundo a doutrina especializada em matéria penal existem basicamente duas espécies de homicídio, o homicídio simples que é aquele que não tem qualificadoras e o homicídio qualificado que é aquele no qual o agente pratica o crime de homicídio acompanhado de uma das qualificados previstas em lei, o que acaba tornado o ato hediondo, repugnante, reprovável. As hipóteses a seguir cuidam das qualificadoras que foram estabelecidas pelo Código Penal Militar e que trazem por consequência a aplicação de uma pena mais grave, mais severa, do que aquela que é prevista para a prática do crime de homicídio simples. Apesar das semelhanças que existem em termos de qualificadoras entre o Código Penal Militar e o Código Penal Brasileiro, o legislador pátrio não se sabe se por desconhecimento ou por algum outro motivo não estabeleceu a possibilidade de aplicação da Lei Federal 8072-1990 na Justiça Militar. Em razão desta lacuna, o homicídio qualificado previsto no Código Penal Militar não é um crime hediondo e, portanto o condenado na seara militar não fica sujeito ao crime de dois quintos da pena imposta para que possa ter progressão de regime. Estabelecidas estas considerações, deve-se passar ao estudo das qualificadoras, então vejamos.

I - por motivo fútil;

O motivo fútil conforme ensina a doutrina é a ausência de motivo, ou ainda, o motivo desproporcional. O agente, por exemplo, tira a vida de uma outra pessoa sem a presença de elementos que possam justificar a conduta por ele adotada. Para demonstrar o que seria motivo fútil a doutrina costuma citar a prática de um homicídio decorrente de um pisão no pé em um baile, ou mesmo em um forró, onde o agente mata na presença de outras pessoas aquele ou aquela que pisou em seu pé. Uma outra situação seria aquela onde em uma discussão de trânsito o agente desce de seu veículo e mata o outro motorista. Esses exemplos servem para demonstrar a natureza do motivo fútil que foi considerada pela lei como sendo uma situação que qualifica o crime de homicídio;

II - mediante paga ou promessa de recompensa, por cupidez, para excitar ou saciar desejos sexuais, ou por outro motivo torpe;

O crime de homicídio pode ter várias motivações que são as variáveis pelas quais este ilícito será praticado. A lei penal militar elegeu algumas delas para considerar o ato ilícito como sendo qualificado. Dentre elas, existe a questão da prática de homicídio mediante paga ou promessa de recompensa, onde o infrator a mando de um terceiro acaba matando a pessoa indicada como desafeto. Neste caso, o homicídio será considerado qualificado, o mesmo ocorrendo quando o ato é praticado por cupidez para excitar ou saciar desejos sexuais ou por outro motivo que possa ser considerado como sendo torpe. A palavra cupidez segundo Aurélio [3]Buarque de Holanda significa a qualidade ou ação de cúpido; cobiça:

"Decerto que .... me formigava na polpa dos dedos uma cupidez atávica, encadeada desde os tetravós romanos, sôfregos pelo vil metal" (Aquilino Ribeiro, Cinco Réis de Gente, p. 63). Já no tocante ao termo torpe, este deve ser entendido como sendo, algo desonesto, impudico, infame, vil, abjeto, ignóbil, repugnante, nojento, asqueroso, ascos, obsceno, indecente, manchado, enodoado, maculado. Ainda a respeito do assunto, Júlio Fabbrini Mirabete preceitua que, “Também se qualifica o homicídio por qualquer outra motivação torpe, ou seja, repugnante, ignóbil, desprezível, profundamente imoral (cupidez, satisfação de desejos sexuais, etc.). A vingança pode constituir motivo torpe, mas é necessário que esteja eivada de torpeza, que cause repulsa segundo os valores éticos correntes. Por isso, não se tem, como regra, qualificado o homicídio pratico por ciúme. Não impede a qualificadora a insanidade mental do agente[4]”. Apesar dos ensinamentos de Mirabete estarem voltados para o Código Penal Brasileiro a lição também se aplica ao Código Penal Militar, sendo que no caso da Justiça Militar Estadual e do Distrito Federal o crime de homicídio somente será julgado perante aquela Justiça especializada no caso deste ser praticado por militar estadual ou do distrito federal contra outro militar estadual ou distrito federal. Nos demais casos, como por exemplo, militar estadual ou do distrito federal em desfavor de um civil, brasileiro ou estrangeiro residente no território nacional, a competência para processar e julgar o agente infrator será do Tribunal do Júri da Justiça Comum. Não há que se falar na existência do Tribunal do Júri na Justiça Militar dos Estados ou mesmo na Justiça Militar do Distrito Federal, uma vez que esta não foi a intenção do legislador constituinte derivado quando elaborou a Emenda Constitucional 45-2004, que colocou um término a discussão da questão quanto a constitucionalidade ou não da Lei Federal que alterou o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar, pelo menos no âmbito da Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal, sendo que a controvérsia ainda permanece no âmbito da Justiça Militar da União.

III - com emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

O inciso III cuida da prática do crime de homicídio com o emprego de veneno, asfixia, tortura, fogo, explosivo, ou qualquer outro meio dissimulado ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. As hipóteses demonstram animus necandi do agente em causar sofrimento na vítima. O veneno é uma substância que causa dilaceramento das vísceras, e muitas vezes horas de sofrimento, até que o óbito venha a ocorrer, o mesmo ocorrendo com o emprego de fogo ou explosivo ou qualquer outro meio que possa causar sofrimento, ou ainda resultar em perigo comum, como por exemplo, o uso de bomba ou qualquer outro artefato. No entender de Júlio Fabbrini Mirabete, “também qualifica o homicídio pelo uso de qualquer meio que possa causar perigo comum (desabamento, inundação, sabotagem etc.), podendo ocorrer no caso concurso de crimes (arts. 250 ss). É necessário que o fato tenha posto em perigo um número indeterminado de vidas ou bens[5]”.

IV - à traição, de emboscada, com surpresa ou mediante outro recurso insidioso, que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima;

O homicídio ainda poderá ser considerado qualificado quando o agente na execução do ato o praticar à traição, de emboscada, com surpresa ou mediante outro recurso insidioso, que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima. Muitas vezes, a vítima conhece o infrator, e em razão disto, ou seja, da relação da confiança que existe acaba sendo morta à traição. Neste aspecto, pode ser considerada como qualificadora o homicídio praticado quando a vítima está dormindo, ou ainda acaba sendo morto com um tiro pelas costas. É possível ainda, e isto acontece muito nos crimes que ocorrem mediante paga à vítima acaba sendo morto em uma emboscada. Pode ocorrer ainda a morte da vítima mediante um ato de surpresa do agente, que encontra a vítima distraída ou desarmada e se aproveita desta situação para matá-la. Poder ocorrer ainda que seja empregado algum recurso insidioso ou cruel que possa dificultar ou mesmo tornar impossível a defesa da vítima. Na Revista dos Tribunais nº 733/659, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu que o espaçamento de uma pessoa acompanhado de reiterados golpes de facão configura a qualificadora do meio insidioso ou cruel, dificultando a defesa da vítima.

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

O agente pode praticar um crime de homicídio, o que não é nada incomum, com o objetivo de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. No caso de um crime de roubo a banco, ou mesmo contra a reserva de armas de uma Organização Militar, no momento da divisão do produto do crime, um dos agentes mais ganancioso que os outros resolver matar um dos participantes do ilícito para uma melhor divisão. Nestes casos, apesar da ilicitude que acompanha o ato praticado não existem dúvidas que o infrator também responderá pelo crime de homicídio em sua forma qualificada. Pode ocorrer ainda, que uma pessoa tenha presenciado a prática de um ilícito penal. O infrator com o objetivo de evitar o seu reconhecimento em Juízo ou mesmo na fase policial resolve matar a testemunha, e desta forma assegurar a impunidade ou mesmo a ocultação do ato criminal que foi praticado. O inciso sob análise ainda admite a pratica do ilícito como forma de sua buscar uma vantagem do crime que foi praticado, onde a única maneira para que isto aconteça é a morte de um dos envolvidos no crime anterior. Ao cuidar do disposto no art. 121, § 2º, inciso V, do Código Penal Brasileiro, que possui disposição semelhante a esta sob análise, Júlio Fabbrini Mirabete[6] preceitua que, “As formas qualificadas previstas no art. 121, § 2º, inciso V, configurariam, em tese, homicídio qualificado por motivo torpe, mas receberam atenção especial do legislador, como casos de conexão teleológica ou conseqüencial. Ocorre a conexão teleológica quando o homicídio é o meio para executar outro crime, finalidade última do agente. É conseqüêncial quando praticado para ocultar a prática de outro ilícito ou para assegurar a impunidade ou vantagem do produto, preço ou proveito dele. Para a configuração da qualificadora é necessária a prática do crime e de sua autoria”.

VI - prevalecendo-se o agente da situação de serviço:

A qualificadora sob análise cuida da hipótese em que o homicídio somente ocorre em razão do militar se aproveitar de sua condição de militar e pelo fato de se encontrar em serviço para que o crime possa ocorrer. Caso contrário, ou seja, não configurada esta situação, não há que se falar na qualificadora ora em estudo. A respeito do assunto Ione de Souza Cruz e Cláudio Amim Miguel ao cuidarem da agravante prevista na letra “l”, do art. 70, do Código Penal Militar, que se assemelha a esta qualificadora observam que, “De início cumpre advertir que somente o agente militar é passível de tal agravação, posto que inexiste nos quartéis a figura do civil de serviço. Outrossim, impõe-se conhecer o real significado da expressão, que não pode ser confundida com a situação de expediente regulamentar. Quando a lei menciona o militar de serviço, está se referindo aquele que cumpre serviço de escala (Exército e Força Aérea) ou ao militar que consta no “detalhe de serviço” (terminologia utilizada pela Marinha). Observe-se que o Estatuto dos Militares ( Lei nº 6.880/80), em seu art. 6º, traz a equivalência entre as expressões na ativa, da ativa, em serviço ativo, em serviço na ativa, em serviço, em atividade e em atividade militar, deixando de consignar qualquer equivalência com a expressão em causa – de serviço. A seguir, esclarece que tais situações são aquelas inerentes aos “militares no desempenho de cargo, comissão, encargo, incumbência ou missão, serviço ou atividade militar ou considerada de natureza militar”. Nesse azimute, o militar que praticar fato típico definido no CPM como crime durante suas atividades normais somente poderá ter a pena agravada se estiver de efetivo serviço, o que deve restar comprovado na forma do Código de Processo Penal Militar”[7]. Um exemplo desta qualificadora seria o crime praticado pelo militar que se aproveitando do fato de se encontrar em serviço adentra ao Hospital e consegue ter acesso ao Centro de Tratamento Intensivo, CTI, e ali mata a sua vítima. Verifica-se que o crime somente ocorre em razão do militar ter se aproveitado de sua condição, pois caso contrário dificilmente teria acesso ao local onde se encontrava a vítima.

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

A prática do crime de homicídio em sua forma qualificada que poderá conter uma, duas, ou mais qualificadoras, traz como conseqüência o estabelecimento de uma pena que será muito mais grave do que aquela que é prevista para o crime de homicídio simples, ou seja, o crime praticado sem qualificadores, conforme se verifica da redação estabelecida pelo legislador. No Código Penal Brasileiro, a pena prevista para o homicídio qualificado é a mesma estabelecida na norma penal sob comento. A única diferença em termos de sanção entre o Código Penal Militar e o Código Penal Brasileiro é que por força de lei federal o agente que praticar este ilícito previsto no Código Penal Brasileiro ficará sujeito as disposições previstas para os crimes hediondos, o que não acontece no âmbito do Código Penal Militar. O legislador por falta de atenção acabou estabelecendo entre os dois diplomas legais uma diferenciação desnecessária. Por força desta diferenciação, o militar que foi condenado pelo crime de homicídio qualificado terá direito a progressão de regime com o cumprimento de um sexto da pena, enquanto o civil condenado pelo crime de homicídio qualificado somente terá direito a progressão de regime com o cumprimento de dois quintos da pena.

[1] Ao estabelecer a competência do Tribunal do Júri para processar e julgar os militares acusados da prática de um crime de homicídio em desfavor de civis o legislador constituinte derivado estabeleceu expressamente a competência da Justiça Comum no âmbito dos Estados e do Distrito Federal e a competência da Justiça Federal no âmbito da União. Por força do estabelecido na norma constitucional não existe a possibilidade de se instituir o Tribunal do Júri no âmbito da Justiça Militar, sob pena de flagrante violação ao texto constitucional. A norma inserida na Constituição Federal de 1988 foi expressa e não deixa dúvidas, o militar acusado da prática de crime de homicídio doloso será processado e julgado perante o Tribunal do Júri, que no vigente sistema constitucional e infraconstitucional brasileiro existe apenas e tão somente no âmbito da Justiça Comum dos Estados e do Distrito Federal e no âmbito da Justiça Federal. Portanto, a norma constitucional não deixa possibilidades quanto à instituição de um Tribunal do Júri na Justiça Militar. Caso o legislador tivesse esta pretensão teria expressamente estabelecido que o militar acusado da prática de um crime doloso contra a vida de um civil, consumado ou tentado, seria processado e julgado perante um Tribunal do Júri na Justiça Militar da União, dos Estados ou do Distrito Federal.

[2] LOBÃO, Célio. Comentários ao Código Penal Militar – Parte Geral. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2011, p. 137-138.

[3] HOLANDA, Antonio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio, formato eletrônico. São Paulo: Editora Positivo, 2007, verbete torpe.

[4] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2ª ed. São Paulo, Editora Atlas 2001, p. 748.

[5] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2ª ed. São Paulo, Editora Atlas 2001, p. 758.

[6] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2ª ed. São Paulo, Editora Atlas 2001, p. 758.

[7] CRUZ, Ione de, MIGUEL, Cláudio Amim. Elementos de Direito Penal Militar. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 156.

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