O cheiro de cadeia e a sabedoria jurídica. Reflexões de uma advogada

Estes dias estive lendo uma matéria bem interessante, em que o deputado estadual, Marcelo Freixo, do Rio de Janeiro, afirmou, em palestra, que todos os Acadêmicos de Direito deveriam, ao menos uma vez, fazer uma visita aos presídios brasileiros.

Concordando, ponderei e pensei: - Ora, se muitos, sequer ‘ousam’ fazer um estágio remunerado, quem dirá, visitar um presídio!

Já visitei presídios.

Já trabalhei (voluntariamente) em presídio feminino.

Sei bem o que é cheiro de gente misturado com chorume, larvas, fezes, insetos pestilentos, vasos sanitários deploráveis e, muito mais.

Este voluntário trabalho rendeu-me uma série de conhecimento, empatia e aumentou meu potencial técnico, jurídico e pessoal, principalmente.

Eu cresci!

Vi pessoas enjauladas, frustradas, cabisbaixas, revoltadas, ressentidas, arrependidas (muitas ou poucas vezes).

A imagem daqueles rostos e daquelas vidas, considerei no meu coração, tirei ensinamentos preciosos que carreguei para melhor criar meus filhos, netos e procurar entender ainda mais o meu semelhante.

Numa polêmica entrevista, o deputado Freixo asseverou que somente conhecendo de perto a realidade dos presídios brasileiros é possível ser advogado, juiz, promotor ou delegado socialmente responsável.

E aí? O ‘cabra’ tem razão?

Intrigada, pensei: - Ora, eu, civilista de corpo e alma já ‘trabalhei’ num presídio! Será que outros que militam nas mais diversas áreas, sequer tiveram a curiosidade de conhecer um único presídio brasileiro?

Não acredito!

Mas... Vai que o deputado tenha razão...

Foi fácil ficar cheia de dúvidas!

Pois bem: Se temos visto, cotidianamente, acadêmicos que resistem a um bom estágio, quem me garante que não tenham aversão a visitarem um presídio, ao menos uma vez na sua trajetória existencial?

Polêmico, o palestrante, em plena apresentação na PUC-Rio, em 28/03/2017, com plateia composta, em sua maioria, por Estudantes de Direito, disparou: “Cadeia tem cheiro. Quem não conhece esse cheiro não deveria poder falar em prisão, falar que um sujeito tem que ficar 15, 20 anos na prisão. Não dá para ficar só nesse trajeto Barra da Tijuca-PUC. O cheiro da cadeia é fundamental para gerar sabedoria jurídica”.

Na prática, o que podemos acrescentar neste artigo?

Será mesmo que há necessidade de um, hoje, acadêmico de direito, amanhã, uma autoridade judiciária, efetivamente conhecer as veredas dos presídios?

Será que sairíamos mais sábios, mais humanos e mais empáticos?

Bem, o juiz da Vara de Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois, que também estava no evento, fez uma importante consideração, destacando que há, hodiernamente, um pensamento popular de que “bandido bom é bandido morto”.

E, ousadamente acrescentou: “Só que a morte nunca é dos ‘nossos’, sempre é dos ‘outros’. No fundo, essa pregação por mais rigor, por aumento de penas, é só para 'deschavar' raiva de pobre”, finalizou.

O Dr Valois ainda desabafou uma dura experiência pessoal vivenciada quando presenciou cenas terríveis no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, após participar da negociação para o fim da rebelião que se iniciou no dia 1º de janeiro e terminou com a morte de 58 presos.

“Eu não vomitei. Passei dois dias sem dormir. Mas o mais horrível de tudo foi perder a convivência. Eu ia lá toda vez. Jogava bola com eles. Já lutei jiu-jitsu com eles. O mais tenebroso foi ver uma cabeça de uma pessoa com quem eu já tinha falado, já tinha ouvido pedidos, fora do corpo. Isso foi muito pesado.”

Por fim, considerando tudo o que vi, li e presenciei, considero ser essencial conhecer de perto os presídios brasileiros. Assim, todos nós, profissionais do ramo, seremos mais humanos, mais empáticos, mais sábios e melhores profissionais em quaisquer áreas do Direito em que atuarmos.