OS PERFIS DO DIREITO DE EMPRESA


 
O DIREITO DE EMPRESA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.
LIVRO II
Do Direito de Empresa
 TÍTULO I
Do Empresário
 
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1 - EMPRESARIALIDADE - O estudo do direito de empresa impõe que se busque, em primeiro lugar, a noção exata do termo que designa o empresário. Empresário, no direito de empresa, é espécie de pessoa que exerce atividade econômica; contudo, referida atividade desenvolve-se no segmentos específicos da produção e da circulação de bens e de serviços (que não sejam profissionais, de natureza intelectual, nas modalidades literária, artística e científica.  Nessa linha de entendimento encontra-se a matéria estruturada no art. 966 e respectivo parágrafo único, do Código Civil.
 
 
2 - ATIVIDADE ECONÔMICA – ESPÉCIES - O Título I, do Código Civil, no Livro Direito de Empresa, menciona a atividade econômica. Entende-se como tal, algo em movimento; portanto, fenômeno dotado de dinamismo. Se esse dinamismo direcionar-se a um fim de natureza econômica, isto é essencialmente relacionado à utilização da moeda, diz-se que se cuida de atividade econômica.
 
A atividade econômica de que trata o art. 966 volta-se aos segmentos produção e  circulação de bens e de serviços; por conseguinte, é termo que expressa um gênero no qual  se encontram duas espécies econômicas: a) produção de bens e de serviços; b) circulação de  bens e de serviços.
 
Os serviços, em especial, são de duas naturezas: comuns e especiais.  Os serviços comuns são considerados por exclusão em relação aos serviços especiais. Estes são os serviços intelectuais, de natureza literária, artística e científica. Repita-se que, ambas naturezas de serviços são espécies de atividade econômica. Exerce atividade econômica tanto o prestador de serviços comuns, quanto o prestador de serviços intelectuais. É óbvio que eventual prestação gratuita de serviços, seja qual for a natureza, fica fora do tema que ora se cuida e se reserva a outra qualificação jurídica.
 
 
3 - CONCEITO LEGAL DE EMPRESÁRIO - A leitura do art. 966, “caput”, do Código Civil, é suficiente para compreensão do conceito de empresário, ou melhor do agente que desenvolve atividade econômica dotada de empresarialidade. Tem essa qualidade (empresarialidade) a pessoa natural ou jurídica cujo exercício profissional fora organizado para a produção ou para a circulação de bens ou de serviços não excepcionados na regra do parágrafo único do mencionado artigo. A exceção, de sua parte, refere-se a certas profissões de natureza intelectual, nas áreas literária, artística e científica. Em face da exceção apontada, as pessoas que prestam esses serviços especiais, com preponderância profissional e cuja profissão personaliza a relação, não são considerados empresários e sim profissionais liberais ou sociedades simples, conforme será verificado mais adiante.
 
 
4 - EXCEÇÃO QUANTO À EMPRESARIALIDADE - Fica clara a divisão em espécies na atividade econômica: a) empresário e b) não empresário; a diferença específica entre uma e outra figura, no segmento da prestação de serviços, é a natureza intelectual que marca a pessoa do prestador (médico, advogado, engenheiro, ator, escritor, pintor etc.). Para estes, eventual atividade econômica que possam exercer não é dotada de empresarialidade.  Repita-se: há empresarialidade se a atividade econômica for organizada para a produção ou para a circulação de bens ou de serviços não excepcionados no parágrafo único do art. 966, Código Civil; entretanto, tanto os prestadores de serviços que estejam na condição de empresários quanto os que não o estão, fazem de sua atividade prestadora um meio econômico, visto que contraria a índole econômica a gratuidade.
 
Com a exceção reservada aos serviços intelectuais de natureza literária, artística ou científica, tem-se a estrutura da empresarialidade, ou seja há empresarialidade sempre que a atividade econômica se direciona no segmentos de produção ou circulação de bens e de serviços  que não caracterizem exceção.
 
 
5 - AGENTES DA ATIVIDADE ECONÔMICA - A atividade econômica, organizada para os segmentos retro mencionados (produção e circulação de bens e de serviços não excepcionados),  se realiza por meio de pessoa natural ou por meio de pessoa jurídica. Na primeira hipótese, o agente. Se  pessoa natural (de produção ou de circulação de bens e de serviços não excepcionados), denomina-se empresário, porém empresário individual; no segundo caso, o agente, se pessoa jurídica, também é denominado empresário, contudo por se tratar de pessoa jurídica, da classe sociedade esta é a empresária; por essa razão, no direito societário, é denominada sociedade empresária.
 
Constata-se, desde logo, que o termo empresário encerra um gênero que  abrange dois tipos de pessoas: pessoa natural e pessoa jurídica; porém não qualquer pessoa jurídica e sim apenas a pessoa jurídica sociedade, porque, de acordo com a regra do art. 44, Código Civil, há varias espécies de pessoas jurídicas de direito privado :
 
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
V - os partidos políticos.  (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada.  (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011)
 
Releva observar que, salvo as associações, as fundações, a organizações religiosas e os partidos políticos, as sociedades e as empresas individuais de responsabilidade limitada constituem-se com fim lucrativos, ou seja para o exercício de atividade econômica.
 
 
6 - ATIVIDADE ECONÔMICA LATO SENSU - É importante registrar de maneira objetiva e clara que o exercício da atividade econômica, que supõe lucro, não é ato exclusivo das sociedades; outras pessoas jurídicas poderão exercê-la, contudo somente na sociedade é que há distribuição obrigatória de lucro entre os sócios. Nas demais pessoas jurídicas eventual lucro, que possa resultar de atividade econômica, integrará o patrimônio dessa mesma pessoa obrigatoriamente, visto que a estrutura associativa é diferente da que existe para as sociedades.
 
Uma associação, por exemplo, poderá explorar atividade econômica relacionada com alimentação (restaurante), lazer (colônia de férias) e assim por diante. Uma vez que na estrutura jurídica das associações não se encontram os requisitos das sociedades, o lucro auferido reverterá, obrigatoriamente, para enriquecimento do patrimônio da pessoa jurídica, no caso da associação.
 
No caso de empresário ou de sociedade empresária o resultado positivo da atividade econômica, ou seja o lucro, este, obrigatoriamente, será objeto de partilha entre os sócios, dado que, estes, são contratantes de acordo com a previsão contida no art. 981 do Código Civil; se não se tratar de sociedade, entidade integrada por sócios, e sim de empresário individual, é óbvio que o lucro será dele.
 
Em face do exposto, até o presente momento destas considerações acerca do direito de empresa, restaram estabelecidos os conceitos de  empresário individual (pessoa natural) e sociedade empresária (pessoa jurídica).
 
 
7 - PROFISSIONAIS LIBERAIS, SOCIEDADES SIMPLES E ELEMENTO DE EMPRESA.
 
O parágrafo único do art. 966, do Código Civil, está assim redigido:
 
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
 
Foi dito que a regra mencionada caracteriza exceção quanto à qualidade dos serviços prestados, sob o critério da natureza profissional, intelectual, do prestador;  entretanto, essa regra de exceção traz, na parte final de sua redação, exceção da exceção, ou seja não se insere na exceção (na não empresarialidade) se, mesmo em se tratando de prestação de serviço de natureza intelectual, o agente, isto é o profissional intelectual, não presta, por si, os serviços, mas toma-a de outro profissional, admitido em relação de trabalho.
 
O trabalho remunerado em favor de empregador forma relação de emprego e integra a organização empresarial; com efeito, descaracteriza-se a pessoalidade profissional dos serviços intelectuais. Nestes, é fundamental a qualidade pessoal de quem os presta, na relação direta entre as partes, por exemplo médico e paciente. 
 
Não se trata de qualquer médico, mas o médico X desejado pelo paciente Y.  É fácil perceber que um facultativo, em seu consultório particular não se insere na mesma relação que se forma entre qualquer facultativo, empregado de um hospital, para atendimento de pacientes desconhecidos.  No seu consultório, o facultativo é profissional libera, isto é não é empresário; no hospital, é empregado e sua atividade, tomada na relação de emprego, caracteriza elemento de empresa, visto que o hospital é sociedade empresária.
 
Levando-se em consideração que a profissionalidade de natureza intelectual no setor literário, artístico ou científico implica na formação de relação não empresarial, aquele que, individualmente, presta o serviço é denominado profissional liberal.
 
De outra forma, se profissionais liberais decidem pela constituição de uma sociedade, para a atividade específica da profissão de cada um, na mesma área de atuação, a sociedade é denominada SOCIEDADE SIMPLES. A sociedade, pessoa jurídica, não perde a distinção, entretanto o objeto social será o exercício profissional de cada sócio. Em síntese, a sociedade presta o serviço, mas por meio de seus sócios.
 
 
8 - NOMENCLATURA DO DIREITO TRIBUTÁRIO - No Direito Tributário, essas sociedades, simples para o direito societário, denominam-se sociedades uniprofissionais (SUPs), gozam de regime diferenciado de tributação, por força do art. 9º, § 3º, do D.Lei 406/68, mantido pela Lei Complementar nº 116/2003. Em razão desse sistema tributário instalaram-se interpretações conflitantes que gravitam em torno, ora do direito societário, ora do direito tributário; contudo, em sede deste artigo, não serão feitas considerações a respeito.
 
 
I – PERFIL SUBJETIVO DA EMPRESA.
 
Aula de 10 08 2015
 
DIREITO DE EMPRESA
 
1 -   EMPRESÁRIO.   
 
1.1 – Visão da figura do empresário, sob a ótica da empresarialidade.
 
O estudo do direito de empresa impõe que se busque, em primeiro lugar, a noção exata do termo que designa o empresário. Empresário, no direito de empresa, é espécie de pessoa que exerce atividade econômica; contudo, referida atividade desenvolve-se nos segmentos específicos da produção e da circulação de bens e de serviços (que não sejam profissionais, de natureza intelectual, nas modalidades literária, artística e científica.  Nessa linha de entendimento encontra-se a matéria estruturada no art. 966 e respectivo parágrafo único, do Código Civil.
 
O Título I, do Código Civil, no Livro Direito de Empresa, menciona a atividade econômica. Entende-se como tal, algo em movimento; portanto, fenômeno dotado de dinamismo. Se esse dinamismo se direcionar a um fim de natureza econômica, isto é essencialmente relacionado à utilização da moeda, diz-se que se cuida de atividade econômica.
 
1.2 – Dupla atividade econômica mencionada no art. 966, código civil.
 
A atividade econômica de que trata o art. 966 volta-se aos segmentos produção e circulação de bens e de serviços; por conseguinte, é termo que expressa um gênero no qual se encontram duas espécies econômicas: a) produção de bens e de serviços; b) circulação de bens e de serviços.
 
1.3 – Espécies de serviços.
 
Os serviços, em especial, são de duas naturezas: comuns e especiais.  Os serviços comuns são considerados por exclusão em relação aos serviços especiais. Estes são os serviços intelectuais, de natureza literária, artística e científica. Repita-se que, ambas naturezas de serviços são espécies de atividade econômica. Exerce atividade econômica tanto o prestador de serviços comuns, quanto o prestador de serviços intelectuais. É óbvio que eventual prestação gratuita de serviços, seja qual for a natureza, fica fora do tema que ora se cuida e se reserva a outra qualificação jurídica.
 
 
1.4. – Conceito legal de empresário.
 
A leitura do art. 966, “caput”, do Código Civil, é suficiente para compreensão do conceito de empresário, ou melhor do agente que desenvolve atividade econômica dotada de empresarialidade. Tem essa qualidade (empresarialidade) a pessoa natural ou jurídica cujo exercício profissional fora organizado para a produção ou para a circulação de bens ou de serviços não excepcionados na regra do parágrafo único do mencionado artigo. A exceção, de sua parte, refere-se a certas profissões de natureza intelectual, nas áreas literária, artística e científica. Em face da exceção apontada, as pessoas que prestam esses serviços especiais, com preponderância profissional e cuja profissão personaliza a relação, não são considerados empresários e sim profissionais liberais ou sociedades simples, conforme será verificado mais adiante.
 
1.5. – Empresarialidade e exceção. 
 
Fica clara a divisão em espécies na atividade econômica: a) empresário e b) não empresário; a diferença específica entre uma e outra figura, no segmento da prestação de serviços, é a natureza intelectual que marca a pessoa do prestador (médico, advogado, engenheiro, ator, escritor, pintor etc.). Para estes, eventual atividade econômica que possam exercer não é dotada de empresarialidade.  Repita-se: há empresarialidade se a atividade econômica for organizada para a produção ou para a circulação de bens ou de serviços não excepcionados no parágrafo único do art. 966, Código Civil; entretanto, tanto os prestadores de serviços que estejam na condição de empresários quanto os que não o estão, fazem de sua atividade prestadora um meio econômico, visto que contraria a índole econômica a gratuidade.
 
Com a exceção reservada aos serviços intelectuais de natureza literária, artística ou científica, tem-se a estrutura da empresarialidade, ou seja, há empresarialidade sempre que a atividade econômica se direciona nos segmentos de produção ou circulação de bens e de serviços que não caracterizem exceção.
 
A atividade econômica, organizada para os segmentos retro mencionados (produção e circulação de bens e de serviços não excepcionados), se realiza por meio de pessoa natural ou por meio de pessoa jurídica. Na primeira hipótese, o agente. Se pessoa natural (de produção ou de circulação de bens e de serviços não excepcionados), denomina-se empresário, porém empresário individual; no segundo caso, o agente, se pessoa jurídica, também é denominado empresário, contudo por se tratar de pessoa jurídica, da classe sociedade esta é a empresária; por essa razão, no direito societário, é denominada sociedade empresária.
 
1.6 – Espécies de pessoas do gênero empresário.
 
Constata-se, desde logo, que o termo empresário encerra um gênero que abrange dois tipos de pessoas: pessoa natural e pessoa jurídica; porém não qualquer pessoa jurídica e sim apenas a pessoa jurídica sociedade, porque, de acordo com a regra do art. 44, Código Civil, há várias espécies de pessoas jurídicas de direito privado:
 
I - Associações;
II - As sociedades;
III - as fundações.
IV - As organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
V - Os partidos políticos.  (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
VI - As empresas individuais de responsabilidade limitada.  (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011)
 
Releva observar que, salvo as associações, as fundações, a organizações religiosas e os partidos políticos, as sociedades e as empresas individuais de responsabilidade limitada constituem-se com fim lucrativos, ou seja para o exercício de atividade econômica.
 
É importante registrar de maneira objetiva e clara que o exercício da atividade econômica, que supõe lucro, não é ato exclusivo das sociedades; outras pessoas jurídicas poderão exercê-la, contudo somente na sociedade é que há distribuição obrigatória de lucro entre os sócios. Nas demais pessoas jurídicas eventual lucro, que possa resultar de atividade econômica, integrará o patrimônio dessa mesma pessoa obrigatoriamente, visto que a estrutura associativa é diferente da que existe para as sociedades.
 
Uma associação, por exemplo, poderá explorar atividade econômica relacionada com alimentação (restaurante), lazer (colônia de férias) e assim por diante. Uma vez que na estrutura jurídica das associações não se encontram os requisitos das sociedades, o lucro auferido reverterá, obrigatoriamente, para enriquecimento do patrimônio da pessoa jurídica, no caso da associação.
 
No caso de empresário ou de sociedade empresária o resultado positivo da atividade econômica, ou seja, o lucro, este, obrigatoriamente, será objeto de partilha entre os sócios, dado que, estes, são contratantes de acordo com a previsão contida no art. 981 do Código Civil; se não se tratar de sociedade, entidade integrada por sócios, e sim de empresário individual, é óbvio que o lucro será dele.
 
Em face do exposto, até o presente momento destas considerações acerca do direito de empresa, restaram estabelecidos os conceitos de empresário individual (pessoa natural) e sociedade empresária (pessoa jurídica).
 
 
2 – PROFISSIONAIS LIBERAIS E SOCIEDADES SIMPLES.
 
O parágrafo único do art. 966, do Código Civil, está assim redigido:
 
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
 
Foi dito que a regra mencionada caracteriza exceção quanto à qualidade dos serviços prestados, sob o critério da natureza profissional, intelectual, do prestador;  entretanto, essa regra de exceção traz, na parte final de sua redação, exceção da exceção, ou seja não se insere na exceção (na não empresarialidade) se, mesmo em se tratando de prestação de serviço de natureza intelectual, o agente, isto é o profissional intelectual, não presta, por si, os serviços, mas toma-a de outro profissional, admitido em relação de trabalho.
 
O trabalho remunerado em favor de empregador forma relação de emprego e integra a organização empresarial; com efeito, descaracteriza-se a pessoalidade profissional dos serviços intelectuais. Nestes, é fundamental a qualidade pessoal de quem os presta, na relação direta entre as partes, por exemplo médico e paciente. 
 
Não se trata de qualquer médico, mas o médico X desejado pelo paciente Y.  É fácil perceber que um facultativo, em seu consultório particular não se insere na mesma relação que se forma entre qualquer facultativo, empregado de um hospital, para atendimento de pacientes desconhecidos.  No seu consultório, o facultativo é profissional libera, isto é não é empresário; no hospital, é empregado e sua atividade, tomada na relação de emprego, caracteriza elemento de empresa, visto que o hospital é sociedade empresária.
 
 
2.1 – O profissional liberal e a sociedade simples.
 
Levando-se em consideração que a profissionalidade de natureza intelectual no setor literário, artístico ou científico implica na formação de relação não empresarial, aquele que, individualmente, presta o serviço é denominado profissional liberal.
 
De outra forma, se profissionais liberais decidem pela constituição de uma sociedade, para a atividade específica da profissão de cada um, na mesma área de atuação, a sociedade é denominada SOCIEDADE SIMPLES. A sociedade, pessoa jurídica, não perde a distinção, entretanto o objeto social será o exercício profissional de cada sócio. Em síntese, a sociedade presta o serviço, mas por meio de seus sócios.
 
No Direito Tributário, essas sociedades, simples para o direito societário, denominam-se sociedades uniprofissionais (SUPs), gozam de regime diferenciado de tributação, por força do art. 9º, § 3º, do D.Lei 406/68, mantido pela Lei Complementar nº 116/2003. Em razão desse sistema tributário instalaram-se interpretações conflitantes que gravitam em torno, ora do direito societário, ora do direito tributário; contudo, em sede deste artigo, não serão feitas considerações a respeito.
 
 
 
DOUTRINA (KIYOSHI HARADA) SOBRE SOC. SIMPLES (UNIPESSOAIS PARA O DIREITO TRIBUTÁRIO.)
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada.   Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições 
  
“ISS. Regime tributário da sociedade uniprofissional sob modalidade jurídica de sociedade limitada  -   Kiyoshi Harada
 
  As sociedades de profissionais legalmente regulamentadas continuam gozando do regime de tributação fixa do ISS por força do § 3º, do art. 9º, do Decreto-lei nº 406/68 mantido pela Lei Complementar nº 116/2003. São as chamadas sociedades uniprofissionais – SUPs - , isto é, aquelas constituídas por profissionais que desempenham a mesma atividade intelectual de forma pessoal e respondendo por seus atos. São os casos de sociedades formadas por médicos, engenheiros, advogados, economistas, contadores etc.
 
O fisco de São Paulo vem promovendo o desenquadramento, com efeito retroativo,  dessas sociedades quando elas são compostas por sócios pertencentes a especialidades diferentes, ainda que integrantes do mesmo ramo do conhecimento científico.
 
Assim, para o fisco paulistano não pode um engenheiro civil associar-se com um engenheiro industrial, sob pena de descaracterização da sociedade uniprofissional.
 
Se isso fosse correto um advogado criminalista não poderia associar-se com um advogado tributarista. Esse procedimento do fisco paulistano não encontra amparo na jurisprudência do E. TJESP que não distingue as diversas modalidades de uma mesma área de conhecimento científico para fins tributários[1].
 
Outrossim, a constituição da sociedade uniprofissional sob a modalidade jurídica de sociedade limitada (art. 1.052 do CC) com registro de seu ato constitutivo na Junta Comercial, também, não é motivo para, por si só, descaracterizar a sociedade simples (art. 997 do CC), favorecida pelo regime de tributação por alíquota fixa.
 
Com exceção da Ordem dos Advogados do Brasil, que não permite a constituição de sociedade de advogados sob a forma de limitada, os Conselhos Regionais dos demais profissionais liberais não vedam esse procedimento.
 
O importante é que a sociedade profissional, simples ou limitada, seja formada por sócios da mesma habilitação profissional (inscritos no mesmo órgão fiscalizador da profissão)  que prestam serviços, de forma pessoal, responsabilizando-se pelos seus atos, sem assumir caráter empresarial.
 
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:
 
“Ementa  PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISSQN. ART. 9°, §3°, DO DECRETO-LEI N.406/68. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL. RECOLHIMENTO POR QUOTA FIXA. AUSÊNCIA DE CARÁTER EMPRESARIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INOCORRÊNCIA.
1. A divergência jurisprudencial, ensejadora de conhecimento do recurso especial pela alínea "c", deve ser devidamente demonstrada, conforme as exigências do parágrafo único do art. 541 do CPC, c/c o art. 255, e seus parágrafos, do RISTJ.
2. À demonstração do dissídio jurisprudencial, impõe indispensável revelar soluções encontradas pelo decisum embargado e paradigma tiveram por base as mesmas premissas fáticas e jurídicas, havendo entre elas similitude de circunstâncias, sendo insuficiente para esse fim a mera transcrição de ementas (precedentes: REsp n.º425.467 - MT, Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES, Quarta Turma, DJ de 05/09/2005; REsp n.º 703.081 - CE, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJ de 22/08/2005; AgRg no REsp n.º 463.305 - PR, Relatora Ministra DENISE ARRUDA, Primeira Turma, DJ de 08/06/2005).3. Ademais, o recurso especial interposto com esteio na alínea "c" é cabível quando a corte de origem tiver atribuído à lei federal interpretação diferente da conferida por outro tribunal, haja vista que a finalidade é justamente possibilitar a uniformização da jurisprudência dos tribunais acerca da interpretação da lei federal.4. In casu, o Município recorrente aduz que: "O acórdão oriundo da SEGUNDA CÂMARA ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RONDÔNIA, cuja decisão se dera por unanimidade de votos, entendeu que às sociedades civis uniprofissionais, com caráter empresarial, frise-se, gozam do privilégio previsto no Art. 9°, §3°, do Decreto-Lei Federal N° 406/68 (...) Já o acórdão paradigma oriundo da SEGUNDA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, A UNANIMIDADE, assentara o entendimento segundo o qual têm direito ao tratamento diferençado ao recolhimento do tributo ISSQN as sociedades civis uniprofissionais, cujo objeto contratual se destina à prestação de serviço especializado, com responsabilidade social e sem caráter empresarial.". 5. Ocorre que, diferentemente do alegado, o acórdão recorrido entende que é cabível o recolhimento do ISS mediante alíquota fixa justamente por não ser a sociedade requerente uma sociedade com finalidade empresarial, coadunando-se com a jurisprudência do STJ,senão vejamos:"Com efeito, a sociedade simples constituída por sócios de profissões legalmente regulamentadas, ainda que sob a modalidade jurídica de sociedade limitada, não perde a sua condição de sociedade de profissionais, dada a natureza e forma de prestação de serviços profissionais, não podendo, portanto, ser considerada sociedade empresária pelo simples fato de ser sociedade limitada. É exatamente o caso da apelada. Extrai-se do contrato social que a sociedade é composta por dois médicos e seu objeto é a exploração, por conta própria, do ramo de clínica médica e cirurgia de oftalmologia e anestesia. Como frisado na sentença, apesar de registrada na Junta Comercial, a apelada tem características de uma sociedade simples, porquanto formada por apenas dois sócios, ambos desempenhando a mesma atividade intelectual de forma pessoal e respondendo por seus atos. Diante desses elementos, entendo que a sociedade simples limitada, desprovida de elemento de empresa, atende plenamente às disposições do Decreto-lei n. 406/68, e, em relação ao ISS, devem ser tributadas em valor fixo, segundo a quantidade de profissionais que nela atuam. (...) Assim, verificada que a apelada preenche os requisitos das sociedades uniprofissionais, uma vez que assim caracteriza-se toda aquela sociedade formada por profissionais liberais que atuam na mesma área, legalmente habilitados nos órgãos fiscalizadores do exercício da profissão e que se destinam à prestação de serviços por meio do trabalho pessoal dos seus sócios, desde que não haja finalidade empresarial, impõe-se a manutenção da sentença que lhe garantiu o direito de recolher o ISS mediante alíquota fixa, em conformidade com o Decreto-lei n. 406/68, bem como em compensar a quantia paga a maior.” 6. Agravo Regimental desprovido”. (AgRg no Resp nº 1.205.175 – RO (2010/0145557-0), Rel. Min. Luiz Fux, DJe: 16/11/2010).O registro do ato constitutivo da SUP na Junta Comercial só descaracteriza a tributação pelo regime de alíquota fixa se a sociedade revestir caráter empresarial, isto é, se os sócios passarem a atuar como empresários. O conceito de empresário está expresso no art. 966 do Código Civil:
“Art. 966 – Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único – Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.
Por expressa previsão do parágrafo único estão excluídos do conceito de empresário os exercentes de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, salvo se o exercício da profissão constituir-se em elemento da atividade organizada em empresa. É o  caso, por exemplo, de um farmacêutico que a par de aviar as receitas médicas mantém um estabelecimento destinado a comercializar remédios. Outro exemplo: um médico mantém comercialmente um SPA onde exerce, também, a sua profissão de médico para atender os freqüentadores do SPA. A presença de auxiliares ou colaboradores igualmente não descaracteriza a SUP. Essas pessoas limitam-se a exercer uma atividade-meio para que os sócios, profissionais legalmente regulamentados, possam prestar o serviço especializado (atividade-fim). Parece patente que a colaboração de terceiros a título de atividade-meio para atingir a atividade-fim não descaracteriza os serviços de natureza pessoal executados pelos sócios que assumem a responsabilidade pela prestação de tais serviços.”
 
Notas:
[1] Ap. Civ. c/ Revisão nº 509.500-5/1-00, Rel. Des. Eulálio Porto, j. em 8-5-2008; Ap. MS c/ Revisão nº 563.951.5/4-00, Rel. Des. Yoshiaki Ichihara, j. em 27-7-2006.
 
 
 
II – PERFIL OBJETIVO DA EMPRESA.
 
I - PERFIL OBJETIVO DA EMPRESA
     ORGANIZAÇÃO TÉCNICA FINANCEIRA.
     ESTABELECIMENTO 
         universalidade de fato
        coisa móvel  
 
 
 II. ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL DO PATRIMÔNIO FÍSICO.

III - FINALIDADE DA ORGANIZAÇÃO :
      A) Exercício da empresa
      B) eficiência na atividade para obtenção de lucro.
lhável, no caso de sociedade)
IV -  Conceito legal do Estabelecimento:
 
Art. 1.142 - Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária
 
 
4 – O CONTRATO PARA ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO  (Trespasse – art. 1.143 cód civil)
 
Não confundir, para efeito de alienação do estabelecimento (que é considerado coisa móvel), por meio de contrato unitário (trespasse) com o contrato de compra e venda de imóvel, no caso de este bem integrar o estabelecimento, porque, quanto à compra e venda de imóveis, há características e requisitos diferentes, dentre os quais o ato registrário denominadomatrícula, por meio da qual se registra a sucessão de proprietários.
 
Em se considerando que o estabelecimento, por se cuidar de complexo técnico, organizado, acervo de bens móveis, imóveis e direitos, para um fim determinado por alguém (exercício de empresa), portanto universalidade de fato, nessas circunstâncias é considerado objeto unitário de negócios jurídicos, inter vivos ou causa mortis;  a respeito, tem-se a regra do  art. 1.143 do código civil:
 

 
Art. 1.143. Pode o estabelecimento ser objeto unitário[1] de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.
 
O artigo referido, ao mencionar a possibilidade de negócios jurídicos, assinala que, por meio de contrato único, possam ser equacionados os direitos particulares relativos a cada espécie de bem componente do estabelecimento, sem se afastar, é evidente, o sistema que regula cada espécie de bem em si considerado.
 
Os elementos integrantes do estabelecimento são os mais variados, tendo em conta o fim escolhido para a atividade econômica (imóvel locado, veículo com contrato de leasing, bem alienado fiduciariamente, software licenciado etc.). Cada elemento, quanto à sua natureza, é tutelado por lei específica que lhe diz respeito: lei locacional, lei financeira de arrendamento mercantil, lei especial de softwares. Respeitadas essas leis, quanto à tutela de cada bem a que se refere, o art. 1.143 do código civil, o art. 1.143 aludido autoriza a elaboração de contrato único que possa abranger todos os elementos, sem afastá-los da regência própria.
 
 
Colhe-se da jurisprudência um julgado a respeito de alienação de estabelecimento, no bojo de cujo contrato fora inserida cláusula de transferência da locação do imóvel, integrante do estabelecimento. Segundo o contrato de locação ficara vedada a sublocação ou transferência da locação.
 
No contrato, por ser unitário, negociou-se a transferência da locação do imóvel, não se fazendo menção e, também, não se colhendo anuência do locador.
O pedido de nulidade do contrato, por iniciativa do trespassado, foi objeto de decisão  na Apelação Civel nº2009.005384-0, Capital-SC, Rel. Jorge Schaefer Martins:  
 
O objeto do contrato deve ser compreendido não somente em relação a sua existência corpórea, mas sim consoante seu fim útil. A alienação de estabelecimento comercial que lhe era vedado negociar resultou na contratação de trespasse cujo objeto era impossível de ser cumprido. O reconhecimento do vício no contrato impõe a declaração de sua nulidade”
 
 
Em conclusão, embora o estabelecimento possa ser objeto unitário de negócios jurídicos, no que o conjunto de regras do direito de empresa não regular expressamente, haverá necessidade de se observarem as regras específicas e aplicáveis aos bens, isoladamente, integrantes do acervo. 
 
 
Há outro requisito de validade a ser verificado; confira-se:
 

 
Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.
 
O código civil não nomina o contrato ao qual se refere o artigo mencionado, contudo a doutrina italiana (e nossa vigente lei falimentar) dá, ao contrato, o nome de TRESPASSE.  Portanto, considera-se trespasse o contrato cujo objeto versa, unitariamente, de um lado, direitos e, de outro lado, negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.
 
A lógica recomenda que se formule a premissa partideira a respeito da finalidade do trespasse; se as exigências feitas são gerais ou particulares. Em seguida, extrair-se-á a conclusão a respeito da natureza: se contrato do direito civil ou contrato do direito de empresa.
 
Ora, se no conjunto de regras do direito de empresa, no que tange ao perfil objetivo, estão as regras próprias para essa modalidade de contratação a respeito do estabelecimento, é correto afirmar que o contrato de trespasse é especial, regulado no direito de empresa, portanto contrato empresarial, sem importar o fato de sistematicamente estar contido no código civil.
 
Atente-se para o fato demonstrado, visto que serve de argumento para sustentação do milenar princípio da autonomia do direito comercial.
 
Na linhas anteriores se fez menção ao art. 1.144 do código civil, segundo o qual os efeitos do contrato de trespasse, em relação a terceiros, condicionam-se, quanto à eficácia, à averbação na Junta Comercial e à publicação do negócio na imprensa oficial.
 
Uma vez que há norma expressa, quanto à tutela dos direitos de credores (terceiros), segundo disposto no art. 1.144, indaga-se: A inexistência de credores ou sua existência, porém sem afetação, porque é possível a sobra de bens suficientes para se honrarem obrigações (art. 1.145[2]), dispensam-se as exigências de averbação na Junta Comercial e publicação na Imprensa Oficial?
 
No que diz respeito à primeira hipótese (inexistência de terceiros credores), o contrato, quanto à eficácia de seus efeitos, não se cinge tão somente a essa figura jurídica (eficácia), porquanto, em se cuidando de negócio jurídico, outros aspectos são levados em conta, isto é “existência” e “validade”.
 
A propósito invocam-se, para ponderação, os artigos 104 e 166, ambos do código civil; o 104, no tocante à validade e, o 166, relativamente à nulidade. Anote-se que, acerca da nulidade as hipóteses são mais amplas:  
 

 
 
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
 
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - Celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - For ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - O motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - Não revestir a forma prescrita em lei;
V - For preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - Tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

 
Cita-se aqui um exemplo, extraído de um caso concreto, como tentativa de melhor elaborar a explicação acerca da nulidade e consequente invalidade dos efeitos do negócio nulo: 
 
Cinco pessoas, A, B, C, D e E adquirem, em comum, um equipamento industrial alienado em leilão público. Com a aquisição tornam-se proprietários de bens móveis, ou melhor coproprietários. Decidem que, em vez de alienarem os bens a quem destes tivesse interesse, uma sociedade seria constituída e esses bens seriam dados, ou melhor seriam objeto de contribuição para formação do capital social, traduzindo-se o respectivo valor em cifra monetária.
 
De fato, a sociedade foi constituída e os ato constitutivo (contrato social) foi objeto de registro na Junta Comercial competente; contudo não houve início da atividade econômica, por causa de desentendimentos entre os então sócios (A, B, C, D e E).
 
Os sócios, que já não eram proprietários do equipamento, por causa da contribuição feita à sociedade, para composição do capital social, decidiram alterar a composição do quadro societário, única maneira que encontraram para solução dos desentendimentos. Uma vez que a administração era comum, por unanimidade, acertaram o seguinte: A, B e C, alienariam suas cotas sociais bem como a parte que (supostamente) lhes caberia no equipamento que adquiriram em leilão; assim, D  e E, remanescentes, seriam detentores de maior número de cotas e mais direitos sobre o equipamento.
 
 
É evidente, no caso do exemplo, que o contrato nasceu morto, dada a manifesta nulidade prevista no art. 166, II, do código civil, pelo seguinte motivo.
 
 
No ato da contribuição para formação do capital social, em vez de entrega de dinheiro foram entregues os móveis (equipamento industrial) por simples tradição, em favor da sociedade, pessoa jurídica distinta. A partir de então, qualquer intenção de estabelecer relação entre os sócios contribuintes e o equipamento formador do capital social, mormente quanto a eventual negociabilidade do equipamento, estar-se-ia a esbarrar na regra da intangibilidade do capital social, isto é o capital não pode ser afetado, de maneira alguma, pelos sócios como forma de retribuição. A única possibilidade de retorno do valor equivalente aos bens contribuídos ocorre no caso de liquidação patrimonial, isto é, na realização do ativo, pagamento do passivo e, eventual sobra, retorna aos sócios, proporcionalmente ao número de cotas de cada um.
 
Em resumo, da maneira pela qual ocorreu a tangibilidade do capital social, o negócio eivou-se de nulidade absoluta e, nulidade absoluta, não pode ser convalidada.
 
Em conclusão, mesmo que não exista credores, quando do negócio cujo objeto é o estabelecimento e mesmo que a sociedade permaneceu inativa, o contrato de trespasse não dispensa o preenchimento dos requisitos de validade do negócio jurídico, quanto à capacidade, a licitude do objeto, a possibilidade jurídica, a determinação e, finalmente, o cumprimento da forma legal ou o não respeito à forma estabelecida.  Esses requisitos, que se encontram em Livro próprio, no código civil, na Parte Geral, valem para todo e qualquer negócio jurídico.
 
Quanto à inatividade de sociedade, não se pode considerar, no conceito “direitos de credores”, tão somente os credores quirografários (fornecedores p. ex.), mas créditos fiscais. O fato da inatividade não significa que não possa existir tributo pendente, porque mesmo inativa há responsabilidade fiscal; o mesmo se pode dizer da responsabilidade trabalhista. Sob essa ótica, percebe-se quão relativa é a norma do art. 1.145 do código civil ao se referir à sobra de bens, suficientes para eventuais obrigações.
 
 
4.1 - ESTADO DE INSOLVÊNCIA PATRIMONIAL E OS EFEITOS DECORRENTES DA ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO.
 
Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.
 
O artigo em apreço consigna uma forma de responsabilidade que se projeta em direção a uma ou mais relações que não a relação originária, formada entre o alienante e o adquirente do estabelecimento. A projeção tende ao estabelecimento de garantia de terceiros que poderão ser afetados por força do negócio de origem, isto é o trepasse. É hipótese de EFICÁCIA em relação a terceiros.
 
A eficácia se refere ao negócio jurídico, mas em relação a terceiros não integrantes do negócio originário, mas que poderão ser prejudicados pelos efeitos que decorrerem entre as partes.
 
Importante é compreender o significado jurídico da eficácia, ao lado da nulidade e anulabilidade dos negócios jurídicos. Importante, porque não se trata de nulidade ou anulabilidade, figuras consideradas no momento de exame do art. 1.144 do diploma material.
 
  A lei, de modo geral, estabelece certos requisitos quer para a existência e validade do negócio jurídico diante da lei dispositiva (a lei de caráter geral, ou lei de direito material), quanto para os defeitos do negócio jurídico decorrentes da manifestação de vontade.
 
Por exemplo, no caso da alienação do Estabelecimento, consigna a lei que “a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação” Atente-se que a norma não se refere à validade ou defeito de consentimento do negócio jurídico e sim da força eficaz que os efeitos desse negócio subjacente possa ter, em relação a terceiro, isto é a pessoa que não participou do negócio primitivo.
 
Para melhor compreensão, indague-se de que modo se constrói a interpretação da figura jurídica “eficácia”, à luz do estudo do negócio jurídico?
 
A construção interpretativa do sentido jurídico do termo “eficácia” deve ser feita sob a ótica de estudo dos negócios jurídicos, no tocante à validade, nulidade, defeitos e anulabilidade, considerando-se a relação jurídica originária entre as partes do contrato.  Em assim procedendo, se houver um terceiro, estranho a essa relação, mas que, por influência do que pode acontecer em decorrência da prestação contratual, esse terceiro for afetado, de algum modo, é regra geral encontrar-se na lei um requisito de exigibilidade para que ocorra a eficácia do ato em relação a esse terceiro.
 
No caso que se estuda o requisito emerge do termo PASSIVO; portanto, se não se extrair correta noção, ou significado da nomenclatura, evidentemente a compreensão da lei fica dificultada, sem conclusão correta. 
 
Para se chegar ao conceito de passivo e sua natureza jurídica, há que se incursionar, ainda que pela rama, em ciência auxiliar do direito, qual seja a Contabilidade, porque passivo se contrapõe a ativo e, ambos, integram um demonstrativo contábil.
 
Anote-se, por oportuno, que no código civil, na parte que trata do direito empresarial, no Capítulo III, introduziu-se no sistema legal noções de contabilidade, ao menos as que importam diretamente ao patrimônio empresarial.
 
 Direito Empresarial, na parte que se refere a prepostos e auxiliares, indica a figura do Contabilista e, mais adiante, da escrituração contábil; por essa razão é oportuna a reprodução dos artigos constantes do código civil.  
 
Seção III
 Do Contabilista e outros Auxiliares
 
Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele.
 
Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos.
 
Art. 1.178. Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, praticados nos seus estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autorizados por escrito.
 
Parágrafo único. Quando tais atos forem praticados fora do estabelecimento, somente obrigarão o preponente nos limites dos poderes conferidos por escrito, cujo instrumento pode ser suprido pela certidão ou cópia autêntica do seu teor.
 
 CAPÍTULO IV
 Da Escrituração
 
 
Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
 
§ 1o Salvo o disposto no art. 1.180, o número e a espécie de livros ficam a critério dos interessados.
 
§ 2o É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.
 
Art. 1.180. Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica.
 
Parágrafo único. A adoção de fichas não dispensa o uso de livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do de resultado econômico.
 
Art. 1.181. Salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis.
 
Parágrafo único. A autenticação não se fará sem que esteja inscrito o empresário, ou a sociedade empresária, que poderá fazer autenticar livros não obrigatórios.
 
Art. 1.182. Sem prejuízo do disposto no art. 1.174, a escrituração ficará sob a responsabilidade de contabilista legalmente habilitado, salvo se nenhum houver na localidade.
 
Art. 1.183. A escrituração será feita em idioma e moeda corrente nacionais e em forma contábil, por ordem cronológica de dia, mês e ano, sem intervalos em branco, nem entrelinhas, borrões, rasuras, emendas ou transportes para as margens.
 
Parágrafo único. É permitido o uso de código de números ou de abreviaturas, que constem de livro próprio, regularmente autenticado.
 
Art. 1.184. No Diário serão lançadas, com individuação, clareza e caracterização do documento respectivo, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações relativas ao exercício da empresa.
 
§ 1o Admite-se a escrituração resumida do Diário, com totais que não excedam o período de trinta dias, relativamente a contas cujas operações sejam numerosas ou realizadas fora da sede do estabelecimento, desde que utilizados livros auxiliares regularmente autenticados, para registro individualizado, e conservados os documentos que permitam a sua perfeita verificação.
 
§ 2o Serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária.
 
Art. 1.185. O empresário ou sociedade empresária que adotar o sistema de fichas de lançamentos poderá substituir o livro Diário pelo livro Balancetes Diários e Balanços, observadas as mesmas formalidades extrínsecas exigidas para aquele.
 
Art. 1.186. O livro Balancetes Diários e Balanços será escriturado de modo que registre:
 
I - a posição diária de cada uma das contas ou títulos contábeis, pelo respectivo saldo, em forma de balancetes diários;
 
II - o balanço patrimonial e o de resultado econômico, no encerramento do exercício.
 
Art. 1.187. Na coleta dos elementos para o inventário serão observados os critérios de avaliação a seguir determinados:
 
I - os bens destinados à exploração da atividade serão avaliados pelo custo de aquisição, devendo, na avaliação dos que se desgastam ou depreciam com o uso, pela ação do tempo ou outros fatores, atender-se à desvalorização respectiva, criando-se fundos de amortização para assegurar-lhes a substituição ou a conservação do valor;
 
II - os valores mobiliários, matéria-prima, bens destinados à alienação, ou que constituem produtos ou artigos da indústria ou comércio da empresa, podem ser estimados pelo custo de aquisição ou de fabricação, ou pelo preço corrente, sempre que este for inferior ao preço de custo, e quando o preço corrente ou venal estiver acima do valor do custo de aquisição, ou fabricação, e os bens forem avaliados pelo preço corrente, a diferença entre este e o preço de custo não será levada em conta para a distribuição de lucros, nem para as percentagens referentes a fundos de reserva;
 
III - o valor das ações e dos títulos de renda fixa pode ser determinado com base na respectiva cotação da Bolsa de Valores; os não cotados e as participações não acionárias serão considerados pelo seu valor de aquisição;
 
IV - os créditos serão considerados de conformidade com o presumível valor de realização, não se levando em conta os prescritos ou de difícil liqüidação, salvo se houver, quanto aos últimos, previsão equivalente.
 
Parágrafo único. Entre os valores do ativo podem figurar, desde que se preceda, anualmente, à sua amortização:
 
I - as despesas de instalação da sociedade, até o limite correspondente a dez por cento do capital social;
 
II - os juros pagos aos acionistas da sociedade anônima, no período antecedente ao início das operações sociais, à taxa não superior a doze por cento ao ano, fixada no estatuto;
 
III - a quantia efetivamente paga a título de aviamento de estabelecimento adquirido pelo empresário ou sociedade.
 
Art. 1.188. O balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.
 
Parágrafo único. Lei especial disporá sobre as informações que acompanharão o balanço patrimonial, em caso de sociedades coligadas.
 
Art. 1.189. O balanço de resultado econômico, ou demonstração da conta de lucros e perdas, acompanhará o balanço patrimonial e dele constarão crédito e débito, na forma da lei especial.
 
Art. 1.190. Ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei.
 
Art. 1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência.
 
§ 1o O juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão.
 
§ 2o Achando-se os livros em outra jurisdição, nela se fará o exame, perante o respectivo juiz.
 
Art. 1.192. Recusada a apresentação dos livros, nos casos do artigo antecedente, serão apreendidos judicialmente e, no do seu § 1o, ter-se-á como verdadeiro o alegado pela parte contrária para se provar pelos livros.
 
Parágrafo único. A confissão resultante da recusa pode ser elidida por prova documental em contrário.
 
Art. 1.193. As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais.
 
Art. 1.194. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.
 
Art. 1.195. As disposições deste Capítulo aplicam-se às sucursais, filiais ou agências, no Brasil, do empresário ou sociedade com sede em país estrangeiro.
 
O art. 1.179, especificamente, exige que o empresário e a sociedade empresária adotem um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
 
Importa por ora a figura do BALANÇO PATRIMONIAL, porquanto é deste demonstrativo que cuida o art. 1.145 em exame.  Mas, antes, busque-se o conceito de Contabilidade.
 
Contabilidade é ciência que tem por objeto o PATRIMÕNIO NAS SUAS VARIAÇÕES QUALITATIVAS E QUANTITATIVAS. É um retrato do patrimônio em determinado momento e, por esse retrato, se verifica, por exemplo, sob o aspecto quantitativo, quantos elementos integram o ATIVO  (relação de bens e de direitos) e respectivos valores, aferido no momento da verificação.
 
Esses elementos patrimoniais, integrantes do ativo, têm um valor considerado sob o prisma de aquisição e atualização. Assim, um veículo é adquirido por 100 e, ao cabo de alguns anos, é depreciado para 80. O valor patrimonial, no ano da depreciação, é menos do que o valor do ano de aquisição.
 
Portanto, quanto ao valor do bem patrimonial, na estrutura do ESTABELECIMENTO, os valores não são coincidentes. Isto porque o estabelecimento não é demonstrativo do patrimônio da empresa, mas a FUNCIONALIDADE da organização, cuja finalidade é o melhor resultado econômico, isto é O LUCRO.
 
Ocorre que, contabilmente, todos os bens, direitos e obrigações, são objeto de lançamentos ou de demonstração, pelo método das partidas dobradas, ou seja a cada débito, p.ex., corresponde um crédito; a cada entrada, corresponde uma saída e assim por diante. Isto posto, ao ATIVO  (conjunto de bens e de direitos), corresponde um passivo (conjunto de obrigações).  O resultado é o patrimônio líquido, positivo ou negativo. 
 
Se há ATIVO de 100 e obrigações de 90, o patrimônio líquido é 10 positivo. Valor baixo, mas PATRIMÔNIO SOLVENTE, isto é suportável como lastro de garantia do passivo.  Se o ativo é 100 e o passivo 200, o saldo patrimonial é negativo e o estado patrimonial é de INSOLVÊNCIA.
 
Alienante é o trespassante, isto é a parte que aliena, total ou parcialmente, o acervo, transferindo a titularidade direta do estabelecimento, na hipótese mencionada no art. 1.143, sob a rubrica “negócios jurídicos, translativos”.
 
Embora a natureza do estabelecimento não seja a mesma do patrimônio,  no tocante à sua finalidade é bem difrerente e a diferença específica entre uma e outra figura está na palavra ORGANIZADA (vide art. 966 do código civil). O patrimônio é lastro, enquanto a estabelecimento é iunstrumento organizado. Os bens patrimoniais, isolados, sem organização, de nada servem para o resultado da atividade econômica do empresário ou da sociedade empresária, o patrimônio é causa da qual o lucro é o efeito e a organização é o nexo etiológico.  Em última análise estabelecimento é o patrimônio especificamente organizado para melhor funcionalidade e melhor resultado econômico da atividade econômica, por empresário ou por sociedade empresária.
 
Em assim sendo, a sociedade simples não tem estabelecimento, porque, este, é exclusividade do empresário ou da sociedade empresária.
 

 
Nexo etiológico
ORGANIZAÇÃO

 

CAUSA (patrimônio)                     NEXO (organização)                    EFEITO (lucro)
 
 
 
O patrimônio é a garantia dos credores e a garantia é considerada segundo o valor de cada bem integrante, valor esse diferente do valor do estabelecimento. Para melhor explicar, diz-se que o patrimônio reveste-se de expressão monetária temporal (cada bem tem um preço/valor intrínseco), enquanto o estabelecimento tem um preço/valor conjuntural, qualitativo).
 
O patrimônio do empresário ou da sociedade empresária integra as contas do denominado ativo patrimonial (conjunto de bens e direitos da empresa); em contrapartida, o passivo (conjunto de obrigações) garante-se na força do ativo. Quão maior força financeira tenha o ativo, mais garantido fica o passivo. O inverso traz a consequência da denominada insolvência patrimonial, ou seja, o montante do ativo é inferior ao montante das obrigações.  A diferença entre ambos (Ativo menos o passivo) denomina-se patrimônio líquido, que pode ser positivo ou negativo.
 
Portanto, em ocorrendo a hipótese de, por causa do trespasse, a alienante vir a se tornar insolvente, esse estado de insolvência[3]  acarretará falência.
 
Diante do que foi exposto, a prudência recomenda que, por ocasião das tratativas de trespasse, cuide o alienante de diligenciar a elaboração de um balanço especial, patrimonial, a fim de que haja total transparência contratual e se demonstre o cuidado adotado para que não se alegue invalidade do contrato, por inobservância da forma prevista em lei.
 
 
4.2. – A RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE DO ESTABELECIMENTO.
 
Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
 
Ao se verificar que, no artigo à epígrafe, consta a expressão “adquirente” induz-se que trata de uma relação, de modo que, na outra ponta, existe a figura do ALIENANTE. Portanto, adquirente e alienante compõem a relação negocial de que se trata.
 
Uma vez que relação negocial é negócio jurídico e em se considerando que negócio jurídico se materializa no contrato, está-se diante de uma RELAÇÃO CONTRATUAL, relação contratual denominada TRESPASSE, contrato típico, não versado na parte dos contratos comuns, no código civil, e, por esse motivo, deve ter algo de diferente, de especial, de particular enfim.
 
Especificamente, no contrato ao qual se refere o artigo em comento, há fixação de RESPONSABILIDADE.  A responsabilidade de que cuida o artigo, em um primeiro momento refere-se a eventuais débitos anteriores à data do negócio e, acerca destes débitos, o que vem à tona é a obrigação de pagamento, ou seja QUEM RESPONDERÁ PELOS PAGAMENTOS? 
 
A lei esclarece: Responsável pelos pagamentos (anteriores à data do negócio) É O ADQUIRENTE, EM PRINCÍPIO; todavia, verifica-se que foi considerada uma CONDIÇÃO (Estudar, no direito civil, a figura da condição, no art. 121, cuja redação é a seguinte 
 
Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.
 
A condição, examinada à luz das fontes do direito, é  DISPOSITIVA ou CONSTITUTIVA. Dispositiva, está na lei é tem direção erga omnes , isto é, incide indistintamente sobre todas as pessoas. No caso de constar no contrato, trata-se de condição voluntária. As partes a estabelecem se quiserem.
 
 No caso em apreciação, isto é , o art. 1.146, trata-se de condição COGENTE, fora da esfera de vontade das partes.
 
 Em função dessa condição legal, é certo que ao ADQUIRENTE incumbirá o cumprimento das obrigações constantes do PASSIVO que retrata situação anterior ao negócio.
 
Mas a lei não para por ai e prossegue: Apesar de obrigatoriedade legal, atribuída ao adquirente, apesar dessa circunstância, repita-se,  o ALIENANTE PERMANECERÁ OBRIGADO, POR UM PERÍODO DE UM ANO E DE MANEIRA SOLIDÁRIA.
 
Aqui há que se fazer uma parada e direcionar o raciocínio ao sentido jurídico do termo SOLIDARIEDADE.
 
Solidariedade é questão jungida ao direito obrigacional e é estudada no Livro das Obrigações, no Código Civil.
 
A propósito, encontra-se a regra insculpida no art. 264, conforme segue
 
Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.
 
É importante considerar a parte final do artigo que ora se examina, porque há duas formas que direcionam a responsabilidade solidária, na alienação do estabelecimento de empresa.
 
PRIMEIRA FORMA – responsabilidade solidária relativa às PRESTAÇÕES VENCIDAS, NA TOTALIDADE DO DÉBITO. “in solidum”.
 
SEGUNDA FORMA – responsabilidade solidária referente às PRESTAÇÕES CONTINUADAS. 
 
OBS - Consideram-se prestações continuadas partes desmembradas de um todo e que se vencem a cada lapso de tempo (dia, mês  e ano). São as prestações que nascerem do que se denomina CRÉDITO.
 
Doutrinariamente se encontra a seguinte classificação relativamente ao cumprimento de obrigações, sob o critério do momento em que devem ser adimplidas; assim:
 
Execução Instantânea. Exaure-se em um único ato, visto que o cumprimento é de pronto, imediato, ao ensejo de sua constituição.
 
Diferida. O adimplimento também se dá por meio de um único ato, uma só conduta; contudo, o momento é projetado para o futuro
 
Execução continuada, periódica ou de trato sucessivo. Diferentemente das demais, o cumprimento se realiza por meio de atos reiterados, periódicos, visto que a relação obrigacional é duradoura e com projeção para o futuro. Consideram-se prestações seriadas, independentes e, as que foram cumpridas, no pretérito, não se vinculam às vincendas eventualmente inadimplidas. Os efeitos do inadimplemento da prestação de trato sucessivo tangenciam situações particulares, por exemplo, prazos prescricionais se iniciam a partir do vencimento de cada prestação, independentemente das demais, mesmo as anteriores que podem ser alcançadas pela prescrição
 
Quanto à primeira hipótese aludida (débito vencido na totalidade), o prazo de um ano, período de manutenção da responsabilidade, passa a fluir a partir da data da publicação obrigatória do contrato, no Diário Oficial.
 
De outra maneira, se se tratar de caso de prestações continuadas, o prazo flui a partir do vencimento de cada qual, com o que deflui a conclusão de que o último vencimento projetará um prazo além do que foi projetado com o primeiro vencimento. 
 
Para arremate mencione-se o seguinte: Seguindo a tradição do direito italiano, que consagrou a prática da alienação do estabelecimento (azienda) e abeberada no direito brasileiro, nota-se que houve manifesta preocupação com terceiros, em relação ao contrato firmado entre alienante e adquirente do estabelecimento empresarial; mormente para os casos de existência de credores, de modo a se por cobro às práticas de fraude contra credores, muito comum antes do advento do vigente código civil.
 
Por essa razão, encontra-se o disposto no art. 1.146 do novo Código Civil Brasileiro, segundo o qual o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos do alienante, assumidos antes da transferência, desde que regularmente contabilizados.
 
Verifica-se, outrossim, que a lei consagrou hipótese de solidariedade anual, ou seja, responsabilidade solidária do adquirente, quanto aos débitos anteriores e devidamente contabilizados, por prazo de um ano, contado a partir da publicação a que alude o art.  1.144, quanto aos créditos vencidos e, quanto aos vincendos no curso da anuidade, da data do respectivo vencimento.
 
Cumpre ressalvar que, no tocante às obrigações tributárias e trabalhistas, há regras específicas no Código Tributário Nacional e na Consolidação das Leis do Trabalho.  
 
 
4.2.1. – Limitação quanto à unicidade do contrato.
 
Conforme já salientado, o estabelecimento é passível de alienação, por meio de contrato único, no qual se inserem cláusulas regulatórias de situações diferentes e para as quais se encontra a legislação própria; p. ex. locação, licenças, bens financiados etc.
 
Mesmo diante da possibilidade de elaboração de contrato único, forçoso é convir que unicidade não significa o afastamento das normas que regulam determinados elementos do estabelecimento.
 
Admita-se a hipótese de o elemento imóvel (um galpão p. ex.) estar sob regime de locação, sendo o alienante o locatário. Admita-se que, no contrato de alienação do estabelecimento, se faz constar que as obrigações pelos aluguéis vincendos, após o contrato, seriam de responsabilidade do adquirente do estabelecimento. Ainda que o adquirente venha a cumprir rigorosamente com os alugueres, estaria o locador obrigado a respeitar o contrato de alienação?
 
A resposta encontra-se no julgado adiante, originário do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e de cuja leitura se conclui que a regra que exige notificação de terceiro, para preservação de direito seu, aplica-se neste caso exemplificado.
 
TJ-DF - Apelação Cível APC 20140110278014 (TJ-DF) - Data de publicação: 30/04/2015 Ementa: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TERCEIRO INTERESSADO. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO EMBARGOS DE TERCEIRO. POSSIBILIDADE. CONTRATO DE LOCAÇÃO. TRESPASSE DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. AUSÊNCIA DE ANUÊNCIA DO LOCADOR. MANUTENÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO CEDENTE. 1. ......................................................................................................
2. Em caso de trespasse, a responsabilidade pelo pagamento de alugueis referentes a contrato de locação comercial, somente se transfere com a notificação e respectiva anuência do locador, mormente considerando-se a existência de cláusula contratual vedando a cessão da locação. 3."Quando do trespasse do estabelecimento empresarial, o contrato de locação do respectivo ponto não se transmite automaticamente ao adquirente." (Enunciado nº 234 na 3ª Jornada de Direito Civil). 4. Apelo parcialmente provido, para afastar a preliminar de ilegitimidade ativa e, com espeque no artigo 515 , § 3º , do CPC , julgar improcedentes os pedidos.”
 
 
Em contrapartida ao exemplo retro considerado, não é razoável que se force intepretação no sentido de considerar que, por existir legislação que regula negócio jurídico distinto, por exemplo compra e venda de imóvel, esse negócio imobiliário não guardaria relação com o contrato de trespasse.
 
O caso adiante mostra a intenção de assim proceder, visto que determinada pessoa ao adquirir certo estabelecimento composto por vários elementos dentre os quais um imóvel, entendeu que, quanto ao imóvel, o negócio jurídico fora distinto e, sem qualquer relação com o trespasse; portanto não seria caso de se falar em responsabilidade do adquirente.
 
É evidente que a pretensão não podia ser acolhida e daí o seguinte julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
 
“TJ-RS - Apelação Cível AC 70050485903 RS (TJ-RS)  Data de publicação: 02/04/2014 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO DE EMPRESA. SUCESSÃO EMPRESARIAL. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE POR DÉBITO ANTERIOR. PROVA DOS AUTOS QUE CONFIRMA A OCORRÊNCIA DO TRESPASSE. NÃO HÁ SE FALAR DE VENDA APENAS DO IMÓVEL, POSTO QUE O TRESPASSE, NA FORMA EFETIVADA, FAZIA DO IMÓVEL, ONDE SE LOCALIZAVA O ESTABELECIMENTO COMERCIAL, ELEMENTO INTEGRANTE DO FUNDO DE COMÉRCIO. INOVAÇÃO RECURSAL. A INOVAÇÃO DA TESE EM SEDE DE RECURSO É VEDADA PORQUE OFENDE AS GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO E DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, O QUE IMPEDE O CONHECIMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS MANTIDA. Apelação conhecida em parte e, nesta, negaram-lhe provimento. (Apelação Cível Nº 70050485903, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 26/03/2014)”
 
 
 
4.2.2. – Caráter pessoal da obrigação na hipótese de sub-rogação.
 
Em se cuidando de prestação de serviço público, a interpretação jurisprudencial afasta o rigor da solidariedade anual, visto como a tomada do serviço tem caráter pessoal, de sorte que a responsabilidade recai sobre o efetivo usuário. Confira-se no teor do julgado que segue originário do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
 
Releva salientar que a decisão guarda relação de conformidade ao que estatui o art. 1.148 do c. civil, na parte que se refere ao caráter pessoal das obrigações e que está grifada para destaque:
 
“Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.”
 
Preso à lei, vem à lume o julgado adiante, pertinente ao tema:
 
“TJ-MG - Apelação Cível AC 10236110015831001 MG (TJ-MG)  Data de publicação: 24/02/2015
Ementa: APELAÇÃO - AÇÃO ORDINÁRIA - ANULAÇÃO DE DÉBITO - CEMIG - IRREGULARIDADE NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA - OBRIGAÇÃO IMPUTADA AO ANTIGO PROPRIETÁRIO - DIFERENÇA DE FATURAMENTO OCORRIDA APÓS O EFETIVO TRESPASSE DOMINIAL - RESPONSABILIDADE AFASTADA - OBRIGAÇÃO REPOUSADA AO EFETIVO USUÁRIO - ANULAÇÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. - O débito relativo ao consumo de energia elétrica, diante de seu caráter pessoal, deve ser imputado ao efetivo usuário do serviço público. - Patenteado no feito que o autor alienou a propriedade do imóvel em momento muito antecedente ao período de irregularidade apontado pela concessionária, ocasião em que, inclusive, já remanescia a unidade de consumo sob a titularidade de outrem, afigura-se acertada a sentença repudiada, que reconheceu a ilegalidade do débito imputado ao ex-proprietário. - Recurso não provido.”
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

[1] Unitário no sentido de que o contrato “ pode efetuar-se por meio de contrato único, apesar da pluralidade dos bens considerados, desde que nele sejam observadas todas as formalidades peculiares de cada um desses bens. A vantagem de incluir num só instrumento todas as cláusulas e condições do trespasse está em salientar a unidade do negócio jurídico...que pode servir de critério ilustrativo para as dúvidas ocorrentes “  (BARRETO FILHO, Oscar – Teoria do estabelecimento Comercial – editora Saraiva, São Paulo, 1983)
[2] Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.
[3] - Situação que, na lei falimentar caracteriza manobra fraudulenta.
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
        .......................................................................................................................................................
 
        III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
.........................................................................................................................................................................
        c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
aclibes
Enviado por aclibes em 09/10/2016
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