DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
E QUALIDADE DE VIDA

Professora Sílvia M. L. Mota
Poeta e Escritora do Amor e da Paz
 
Saúde e qualidade de vida são temas que se imbricam estreitamente, sendo essa afirmativa reconhecida na sucessão dos dias e com a qual pesquisadores e cientistas acedem completamente - a saúde colabora para melhorar a qualidade de vida e esta é fundamental para que um indivíduo ou comunidade tenha saúde.
 
DIREITO À SAÚDE
 
Conceito
 
Dos pensadores da Grécia Antiga até a atualidade, o termo saúde é impreciso. Por vezes relaciona-se com o meio ambiente e as condições de vida dos homens e, outras vezes, aceita-se o conceito de saúde como ausência de doenças.
 
Cortando os séculos, somente no início do século XX, em 1946, com a criação da Organização Mundial de Saúde (OMS), foi a saúde reconhecida como um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, credo, crença política, condição social ou econômica, passando a ser entendida como o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de doença. Essa nova visão deve, entretanto, ser acrescida do pensamento de Fritoj Capra (1997, p. 305), para o qual a saúde é uma busca contínua pelo “[...] equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e os vários componentes.”
 
O reconhecimento da natureza jurídica da Saúde, passa por diversas discussões.
 
Direito humano ou direito fundamental
 
Um dos documentos mais antigos que vinculou os direitos humanos é o Cilindro de Ciro, que contêm uma declaração do rei persa (antigo Irã) CiroII depois de sua conquista da Babilônia em 539 aC. Foi descoberto em 1879 e a ONU o traduziu em 1971 a todos os seus idiomas oficiais. Pode ser resultado de uma tradição mesopotâmica centrada na figura do rei justo, cujo primeiro exemplo conhecido é o rei Urukagina, de Lagash, que reinou durante o século XXIV aC, e de onde cabe destacar também Hammurabi da Babilônia e seu famoso Código de Hammurabi, que data do século XVIII aC. O Cilindro de Ciro apresenta características inovadoras, pois declarava a liberdade de religião e abolição da escravatura. Tem sido valorizado positivamente por seu sentido humanista e inclusive foi descrito como a primeira declaração de direitos humanos. Documentos posteriores, como a Carta Magna da Inglaterra, de 1215, e a Carta de Mandén, de 1222, são também associadas aos direitos humanos.
 
No entender de Ricardo Lobo Torres (1999, p. 255), os direitos fundamentais são direitos da liberdade, que corresponderiam à positivação da liberdade, valor humano básico, anterior e superior à constituição do Estado.
 
No sentido filosófico da expressão, dizer que os direitos são fundamentais serve para ressaltar que se referem àqueles direitos mínimos devidos a cada ser humano, pelo simples fato de existirem, outorgados conforme o desenvolvimento cultural e histórico de cada sociedade. Mas, na contemporaneidade, usa-se fundamentais para aludir-se aos direitos que, apesar de serem aqueles que o homem deve gozar, só aparecem como fundamentais uma vez que o direito positivo os reconhece e acolhe em sua positividade. Entende-se, portanto, que se tal é a acepção deste adjetivo, existem e devem existir direitos humanos antes e fora do direito positivo, mas não há direitos fundamentais senão a partir do momento em que são positivados (CAMPOS, 1991, p. 131).
 
Os direitos fundamentais, de um lado, são elementos essenciais de cada ordenamento jurídico nacional e, de outro, ultrapassam esse sistema. Devem contemplar os direitos humanos que, por terem uma validade universal independem de qualquer positivação, impondo-se a cada ordem jurídica. A expressão direitos fundamentais do homem é reservada, segundo José Afonso da Silva (1994, p. 163), para designar, na seara do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.
 
A doutrina germânica distingue direitos humanos e direitos fundamentais (Gundrechte). Os últimos seriam os direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos humanos positivados nas constituições, nas leis, nos tratados internacionais. Essa concepção arrisca que falsos direitos humanos (certos privilégios da maioria dominante), sejam, da mesma forma, inseridos na Constituição, ou consagrados em convenção internacional, sob a denominação de direitos humanos. Essa constatação nos conduz, necessariamente, à busca de um fundamento mais profundo do que o simples reconhecimento estatal para a vigência desses direitos.
 
Pode-se dizer, por conseguinte, que o direito à saúde é um direito fundamental (MARTINS, 2000, p. 482), reconhecido por todos os foros mundiais e em todas as sociedades. Sendo assim, assume patamar de igualdade com outros direitos garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: liberdade, alimentação, educação, segurança, nacionalidade, entre outros. Torna-se imprescindível detectar o fundamento para a sua vigência além da organização estatal. Isto poderá ocorrer através da consciência ética coletiva, a convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da condição humana exige o respeito “[...] a certos bens ou valores em qualquer circunstância, ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos internacionais.” (COMPARATO, 1999, p. 46).
 
A Saúde é amplamente reconhecida como o maior e o melhor recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como uma das mais importantes dimensões da qualidade de vida.
 
QUALIDADE DE VIDA
 
Conceito
 
O conceito qualidade de vida foi usado pela primeira vez pelo presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, em 1964, quando declarou: “[...] os objetivos não podem ser medidos através do balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas.” Aqui Lyndon Johnson referiu-se à qualidade de vida em termos econômicos.
 
Com a evolução, através do tempo e do espaço, verifica-se que os estudiosos foram refletindo sobre o conceito de qualidade de vida e a partir dos anos 80 considerou-se que este envolvia diferentes perspectivas, entre elas a biológica; psicológica; cultural; e econômica, ou seja, o conceito era multidimensional. No entanto, só na década de 90 chegou-se à conclusão acerca da multidimensionalidade e também da subjetividade do conceito, uma vez que, cada indivíduo avalia sua qualidade de vida de forma pessoal.
 
Qualidade de vida é o método utilizado para medir as condições de vida de um ser humano ou é o conjunto de condições que contribuem para o bem físico e espiritual dos indivíduos em sociedade. Envolve o bem espiritual, físico, psicológico e emocional, além de relacionamentos sociais, como família e amigos e também a saúde, educação, poder de compra, habitação, saneamento básico e outras circunstâncias da vida. Não deve ser confundida com padrão de vida, uma medida que quantifica a qualidade e quantidade de bens e serviços disponíveis.
 
A qualidade de vida (QV) é um conceito ligado ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que regula a qualidade de vida nos países, comparando a riqueza, a qualidade do processo de alfabetização, a educação, a expectativa média de vida, o índice de natalidade e mortalidade, entre outros fatores.
 
Algumas definições
 
R. E. Hornback et al (1974): "É o conjunto de condições objetivas presentes em uma determinada área e da atitude subjetiva dos indivíduos moradores nessa área, frente a essas condições."
 
Secretaria de Asentamientos Humanos y Obras Públicas (SAHOP) (1978): "São aqueles aspectos que se referem às condições gerais da vida individual e coletiva: habitação, saúde, educação, cultura, lazer, alimentação, etc. O conceito se refere, principalmente, aos aspectos de bem-estar social que podem ser instrumentados mediante o desenvolvimento da infra-estrutura e do equipamento dos centros de população, isto é, dos suportes materiais do bem-estar."
 
G. Galloppin (1981): "É a resultante da saúde de uma pessoa (avaliada objetiva ou intersubjetivamente) e do sentimento (subjetivo) da satisfação. A saúde depende dos processos internos de uma pessoa e do grau de cobertura de suas necessidades, e a satisfação depende dos processos internos e do grau de cobertura dos desejos e aspirações."
 
A. A. Maya (1984): "O conceito de qualidade de vida compreende uma série de variáveis, tais como: a satisfação adequada das necessidades biológicas e a conservação de seu equilíbrio (saúde), a manutenção de um ambiente propício à segurança pessoal, a possibilidade de desenvolvimento cultural, e, em último lugar, o ambiente social que propicia a comunicação entre os seres humanos, como base da estabilidade psicológica e da criatividade."
 
Dalkey menciona que quando se fala em Qualidade de Vida, deve-se refletir também sobre os fatores subjetivos (sentimentos), a esperança, a antecipação, a ambição, o nível de aspiração, a ansiedade e a idealizada "felicidade". Deve-se compreender que estas características são as que distinguem o ser humano dos demais animais, pois são estes diferenciais que levam o homem a buscar objetivos e ter perspectivas de futuro em decorrência desses fatores subjetivos.
 
Depreende-se, dessa exposição, que múltiplos são os conceitos condizentes à qualidade de vida. No entanto, faz-se necessário salientar, que ter qualidade de vida não significa apenas que um indivíduo ou um grupo social tenham boa saúde física e mental e, sim, que estejam em equilíbrio consigo mesmo e com o mundo exterior, o que proporcionará controle da vida e dos acontecimentos ao derredor. Portanto, deve-se avaliar a Qualidade de Vida, sob dois aspectos: um objetivo e outro subjetivo. O aspecto objetivo é possível de ser aferido através das condições de saúde física, remuneração, habitação e também por meio daqueles indicadores observáveis e mensuráveis; o subjetivo, por outro lado, esquadrinha os sentimentos humanos e as percepções qualitativas das experiências vividas.
 
Carta de Ottawa
 
Da Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, Canadá, em novembro de 1986, resultou a Carta de Ottawa - um documento pretendia contribuir para se atingir Saúde para Todos no Ano 2000 e anos subsequentes. Trata-se de um dos mais relevantes documentos se produziram no cenário mundial sobre o tema da saúde e qualidade de vida. Exara que são recursos indispensáveis para ter e manter saúde: paz, renda, habitação, educação, alimentação adequada, ambiente saudável, recursos sustentáveis, equidade e justiça social. Sendo assim, o incremento nas condições de saúde requer uma base sólida nesses pré-requisitos básicos. Além desses, o documento estabelece outros critérios que considera importantes no direcionamento das estratégias de saúde. São esses: a defesa de causa: a necessidade de a saúde ser reconhecida, por todos os setores políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos, como o maior recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como uma importante dimensão da qualidade de vida; a capacitação, através da garantia de oportunidades e recursos igualitários para todas as pessoas no intuito de realizar completamente seu potencial de saúde, através de ambientes favoráveis, acesso à informação, a experiências e habilidades na vida, e a liberdade para a escolha de uma vida mais sadia; a mediação, através da demanda de uma ação coordenada de todos os setores envolvidos na promoção da saúde: governo, setores sociais e econômicos, organizações voluntárias e não-governamentais, autoridades, indústria, mídia, assim como os indivíduos, famílias e comunidades. A adaptação dos programas de saúde às necessidades locais e às possibilidades de cada país e região, bem como o respeito às diferenças sociais, culturais e econômicas; a construção de políticas públicas saudáveis, em que a saúde conste como prioridade em todos os setores, através da legislação, medidas fiscais, taxações e mudanças organizacionais; a criação de ambientes favoráveis, através da mudança dos modos de vida, de trabalho e de lazer, assim como a proteção do meio-ambiente e conservação dos recursos naturais, contribuindo para um significativo impacto sobre a saúde da população; o reforço da ação comunitária, no desenvolvimento de prioridades e na definição de estratégias de promoção de saúde. A incrementação do poder das comunidades, na posse e controle de seu próprio destino, na aprendizagem e no desenvolvimento de sistemas de reforço da participação popular na direção dos assuntos de saúde; o desenvolvimento de habilidades especiais da população, através da educação em saúde e da capacitação, proporcionando a escolha de opções mais saudáveis para sua própria saúde e para o meio-ambiente; a reorientação dos serviços de saúde, através do compartilhamento da responsabilidade entre indivíduos, comunidade, grupos, profissionais da saúde, instituições e governos, no sentido de todos trabalharem juntos e com o mesmo objetivo, promovendo a abrangência dos recursos e o incentivo à pesquisa; a objetivação de um futuro construído sobre o poder decisório da população, em que as preocupações com a qualidade de vida, com o meio-ambiente e a importância da parceria façam parte do planejamento e da implantação de atividades de promoção da saúde; os compromissos com a promoção da saúde como objetivo fundamental dos participantes da Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, através da atuação nas políticas públicas, da defesa do meio-ambiente, da luta pela igualdade social, do incentivo à capacitação e do reconhecimento da saúde como o desafio maior dos governos. A conferência conclama a todos os interessados juntar esforços no compromisso por uma forte aliança em torno da saúde pública; e a conclamação da OMS e demais organizações internacionais em prol da defesa da promoção da saúde em todos os fóruns apropriados e a exortação do apoio aos países no estabelecimento de estratégias e programas direcionados a tal objetivo.
 
Organização Mundial da Saúde
 
A Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu um instrumento (questionário) para aferir a Qualidade de Vida, trata-se do World Health Organization Quality of Life (WHOQOL) que possui duas versões validadas para o português, o WHOQOL-100 (composto por 100 questões) e o WHOQOL-Breve, composto por 26 questões. O WHOQOL-100 é composto por seis domínios: o físico, o psicológico, o de independência, o das relações sociais, o do meio ambiente e o dos aspectos religiosos. O WHOQOL BREVE é composto por quatro domínios: o físico, o psicológico, o das relações sociais e o do meio ambiente.
 
Brasil
 
No Brasil, a Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV) promove a integração e o desenvolvimento de profissionais multidisciplinares voltados para atuação em Qualidade de Vida, divulgando tendências, provocando discussões reflexivas e formando opiniões que fundamentem: estilo de vida, padrões e ambiente saudáveis.
 
REFERÊNCIAS
 
CAMPOS, German J. Bidart; HERRENDORF, Daniel E. Princípios de derechos humanos y garantias. Buenos Aires: Ediar, 1991, p. 131.
 
CAPRA, Fritoj. O ponto de mutação. 20. ed. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1997, p. 305.
 
CARTA DE OTAWA. Biblioteca Virtual em Saúde, Brasília. Serviços da Biblioteca. Disponível em: . Acesso em: 1 ago. 2016.
 
COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 46.
 
GALLOPIN, G. El ambiente humano y planificación ambiental. Madrid: Centro Internacional de Formación en Ciencias del Ambiente, 1981. 30 p. (Opiniones: Fascículos de Medio Ambiente n. 1).
 
HORNBACK, R. E. et al. Quality of life. Washington D.C.: Environmental Protection Agency, 1974. 222 p. (EPA 600/5 73 O12 b).
 
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social: custeio da seguridade social: benefícios: acidentes de trabalho: assistência social: saúde. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 482.
 
MAYA, A. A. Turismo y medio ambiente. México: Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente, 1984. 54 p.
 
SAHOP. SECRETARIA DE ASENTAMIENTOS HUMANOS Y OBRAS PÚBLICAS. Glosario de términos sobre asentamientos humanos. México D.F., SAHOP, 1978. 175 p.
 
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. rev. e ampl. De acordo com a nova Constituição. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 163.
 
TORRES, Ricardo lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo lobo. Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 199, p. 255.

 
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 29/08/2016
Reeditado em 01/01/2017
Código do texto: T5743394
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