AMOR IDEALIZADO

De um velho caderno escolar:

1---BARROCO - Século XVII, a partir do Renascimento: desenvolvimento científico, cultura fora dos limites da Igreja (ensino leigo ou laico), mecenatismo (financiamento das artes por ricos senhores // luta interior do home barroco: tentativa de conciliar a visão teocêntrica do mundo, típica da Idade Média (espírito ainda medieval em Portugal e Espanha), com a visão antropocêntrica veiculada pelos humanistas e pelo Renascimento (amadurecimento por longo tempo na Itália) // surgimento com a Contra-Reforma - movimento religioso: tentativa de impedir o avanço do Protestantismo e do racionalismo, conduzindo o homem ao seio da igreja católica // opções inconciliáveis: valorização da vida terrena em contraposição à salvação da alma / visão tensa e dramática da vida - conflito nasce da busca de conciliação desses dois contrários: Céu X Terra - a educação ibérico-jesuítica sustentada pela Companhia de Jesus alimenta e reforça essa contradição: religião, “antídoto da vida”, ilusão, sonho passageiro // estilo rebuscado, antíteses, metáforas, hipérboles, imagens e símbolos - jogo de palavras e idéias.

2---Com GREGÓRIO DE MATOS (advogado e poeta) e outros de menor valor, início de uma produção verdadeiramente literária, no estilo de época ou escola chamada Barroquismo, evidenciado principalmente pelo uso de hipérboles - dualidade: matéria X espírito, ou seja, profano X religioso - poema lírico-amoroso (espírito pagão renascentista). ----- O poeta baiano GREGÓRIO DE MATOS (1636/1696) usa uma forma clássica de composição, que condensa o pensamento, o soneto / rigor formal característico do Renascimento. ----- Texto em 14 versos ou linhas, distribuído em 4 estrofes ou estâncias: 2 quadras + 2 tercetos --- forma e conteúdo poéticos, predominantes lirismo e subjetivismo --- poesia lírico-amorosa de GM - espírito pagão renascentista: retomada da mitologia pagã (ideal de perfeição estética, marcada pela pureza de formas) - mulher como detentora do ideal de beleza = deusa --- brevidade da existência e da formosura / jovem mulher bela = flor (carpe diem) --- carpe diem - latim, ‘aproveita a vida’ - frase de HORÁCIO, poeta latino, que exprime um dos ensinamentos da filosofia epicurista.

3---Dona ÂNGELA - uma das três filhas de Vasco de Sousa Paredes e sua mulher, Dona Vitória, de tão rara formosura que D. João de Alencastro, quando foi deste governo para Lisboa, levou um retrato da moça.

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4---I N T E R P R E T A Ç Õ E S

SONETO (I) À DONA ÂNGELA DE SOUSA PAREDES --- Poema: “Não vi em minha vida a formosura: (...) Antes, olhos ceguei, do que eu perder-me.”

Esquema de rimas: ABBA-ABBA-CDC-DCD. ----- Figuras de linguagem - “De um sol, que se trajava em criatura.” (v.8) - metáfora --- “Ouvia falar nela cada dia” (v.2) - “Me matem” (v.9) --- “disse então, vendo abrasar-me” (v.5) - hipérboles --- “Olhos meus” (v.12) - apóstrofe. ----- Assunto (concreto) - o encontro do poeta com D. Ângela: ele descreve a figura da amada e procura expressar os sentimentos que ela nele desperta. ----- Lirismo amoroso, subjetividade: anjo, do latim ‘angelus”. ----- Ambiguidade da mulher: anjo que causa desventura e leva à negação da beleza, cujo cultivo é destruidor. ----- Questionamento do poeta é contraditório e desconcertante: para que beleza, se a função dela é a perdição? ----- Apelo aos sentidos - da visão - “Não vi em minha vida a formosura” - “Ontem a vi, por minha desventura.” --- da audição - “Ouvia falar nela cada dia.” ----- Erotismo e religiosidade - “Se a beleza hei de ver para matar-me, / Antes, olhos cegueis, do que eu perder-me.”

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SONETO (II) À MESMA DONA ÂNGELA --- Poema: “Anjo no nome, Angélica na cara! (...) Sois Anjo, que me tenta e não me guarda.”

Esquema de rimas: ABBA-ABBA-CDC-DCD. ----- Figuras de linguagem - “Anjo no nome, Angélica na cara!” (v.1) - aliteração (recurso sonoro) --- “(vós) Fôreis o meu Custódio” - zeugma (recurso sintático) --- “E quem um Anjo vira tão luzente / Que por seu Deus o não idolatrara?” (E quem vira um Anjo tão luzente / que não o idolatrara por seu Deus?) (v.7-8) - inversão (recurso sintático) --- “Isso é ser flor, e Anjo justamente.” (v.2 - metáfora (recurso semântico). ----- O “eu lírico” (poeta) nos mostra a figura de uma mulher, ÂNGELA, desdobrada na origem latina do nome, ‘angelus’, e na analogia entre o rosto e a flor ‘angélica’ - religiosidade e erotismo / conciliação do bem e do mal para obter a unidade perdida. ----- Eixo do dualismo: tensão conflito entre dois elementos contraditórios. ----- Substantivo indica materialidade - Angélica flor (=formosura, frescor) / substantivo indica espiritualidade, adjetivo indica materialidade - “Anjo florente” (pureza, santidade) --- simbiose de anjo e flor: uma só coisa. ----- Mulher concretiza essa tensão porque reúne misticismo (anjo) e sensualidade (flor), constante conflito no Barroco. ----- Dualismo também nos sentimentos despertados pela figura feminina entre a contemplação e a sedução - “anjo da guarda” (protetor) x “anjo da tentação” (sedutor). ----- Elementos que pertencem ao mundo espiritual - mulher-anjo X mundo físico - mulher-flor. ----- Oposição dos elementos pela duração: espiritualidade, eternidade - o anjo é eterno; materalidade, vida breve - a flor tem vida breve. ----- Por ser anjo e flor, a mulher desperta sentimentos contraditórios no poeta (estrofe 2): a) verbo que indica o desejo do poeta em relação à mulher-flor, ‘cortar’ - “que a não cortara” / b) e em relação à mulher-anjo ‘idolatrar’ - “o não idolatrara”. ----- Poeta identifica o papel que caberia à mulher-anjo (estrofe 3) - “Fôreis o meu Custódio, a minha guarda”. ----- Idolatria: ela, angélica, sendo ao mesmo tempo espírito (anjo) e matéria (flor) - frase que destoa da ideia de sagrado (estrofe 4) - “Sois anjo, que me tenta, e não me guarda.” ----- Característica do relacionamento amoroso na época do poeta: tensão resultante da oposição entre matéria (mulher-flor) e espírito (mulher-anjo) - antíteses, uma das principais características dos textos produzidos no Barroco.

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NOTAS DO AUTOR:

À MARIA DE POVOS, FUTURA ESPOSA DE GREGÓRIO DE MATOS --- Poema: “Discreta e formosíssima Maria, (...) Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada”.

Casou em Portugal com D. Michaella de Andrade. No Brasil, viúvo, com a bela viúva rica Maria de Povos, aquém dedicou o poema acima, refeito com maestria de dois outros de GÔNGORA.

POETA - obra poética vasta e variada: poesia lírica (religiosa, amorosa) e satírica (contraiu muitas inimizades) - forte influência dos espanhóis QUEVEDO e GÕNGORA - poesia lírica reflete os temas constantes da estética barroca: transitoriedade da vida e das coisas, busca de unidade em meio à diversidade, preocupação em esclarecer as contradições que envolvem os sentimentos humanos.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 08/10/2017
Código do texto: T6136239
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