NÃO CONCRETOS, CONCRETOS E PROCESSO

1---Começo com uma reflexão:

Poema COTA ZERO de DRUMMOND - “Stop. / A vida parou / ou foi o automóvel?” --- Três versos ou linhas, Curtinho, não?! Ih, esse titulo transmite anulação, aniquilamento das nossas ‘verdades’, redução espiritual, automatismo que nos leva a equalizar e não mais distinguir entre um e outro valor humano. Pensar, repensar a vida: novos valores do espírito e da existência humana. E como é a sua vida, caro leitor?

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2---CASSIANO RICARDO (1895/1974)- Início de produção como neo-simbolista e neo-parnasiano. Fez parte do Verde-Amarelismo e do Grupo Bandeira: espírito nacionalista, inspiração indígena e no bandeirante paulista em algumas obras; também lírico e urbano (máquinas e tecnologia); depois, poesia concreta, práxis e processo. Jornalista, advogado, poeta, ensaísta. Cadeira n.31 da ABL.

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3---Poemeto da linha pré-concretista, publicado no livro “Um dia depois do outro”, 1947, aspecto gráfico-especial inovador - serenata é canto popular, canto é poesia, texto que pode ser uma brincadeira irônica: típico do Modernismo apresentar coisas sérias em tom jocoso:

Serenata sintética

Rua

torta.

Lua

morta.

Tua

porta.

ASPECTO FORMAL - 6 versos, cada um deles com uma única palavra e uma única sílaba poética, agrupadas em 3 frases ou 3 dísticos, rimas ababab.

NÍVEL FÔNICO - Rimas tipo ‘a’ nos versos 1-3-5, ‘ua’; ‘b’ nos versos 2-4-6, ‘or’ - só muda a primeira letra das palavras. A partir da observação de dois blocos fônicos no poema, r-l-t + ‘-ua’ e t-m-p + ‘-orta’, percebe-se estreita ligação-relação entre os componentes de cada bloco. Assim, a rua (o caminho) e a lua (o astro dos apaixonados) levam à mulher amada - em paralelo, a sinuosidade da rua e a falta de brilho da lua - a incerteza do que não se vê bem - se transfere para a (tua) porta: abrirá ou não?

NÍVEL MORFOLÓGICO - Classes de palavras: rua-lua-porta - substantivos; // torta-morta - adjetivos acompanhando substantivos; // tua - pronome possessivo acompanhando um substantivo. // Agrupamentos - rua-lua-porta; torta-morta-tua. // Ausência de verbos que pelo contexto poderiam ser: andar, caminhar, procurar, tocar, abrir - estaticidade na expectativa do seresteiro ante a porta da amada..

NÍVEL SEMÂNTICO - Três pontos finais no texto, ao final de cada estrofe. // DENOTAÇÕES (significação primeira) e CONOTAÇÕES (percebidas por associação) destas 3 frases: Rua - caminho, passagem; conotativamente, vida, destino / torta - sinuosa, difícil; conotativamente, sendo torta, não se vê um fim, daí ser misteriosa, duvidosa / “rua torta”, caminho sinuoso, vida difícil, misteriosa. // Lua - astro dos namorados, típico das serenatas que exigem lua cheia; antes inatingível, hoje visitada pelo homem / morta - sem vida, triste, sem luz / “lua morta” - lua encoberta, oculta, lua sem brilho, noite sem luar. // Tua - localiza a segunda pessoa a quem o poeta se dirige / porta - passagem, abertura; fechada representa uma abertura possível, uma esperança ou pelo menos ema expectativa / “tua porta” - a da amada, abertura ou não para o amor; lugar onde o poeta faz serenata; dúvida ante o amor dela.

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4---CASSIANO RICARDO - Livro “Jeremias sem chorar”, 1964 - crítica política ao mundo pós-moderno, o homem sem espaço para lamentos - o livro ainda retrata o fanatismo religioso, as guerras, a fragmentação da família e o desinteresse pela política. Obra “escrita” em linosignos, poemas sem alinhamento linear clássico, versos soltos na página ou em ideogramas, ritmo visual no texto. Personagem JEREMIAS (na Bíblia, Antigo Testamento, pesquisador-historiador-profeta) - vida num mundo de lutas individuais e coletivas, sem tempo para chorar as dificuldades da vida unindo-se aos próximos pelo amor; escreveu o “Livro das Lamentações” --- feito em pedra-sabão por Aleijadinho no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo - MG.

5---IDEOGRAMA - Escrita por ideias, lembrando a forma dos sons. O ideograma se liga à poesia concreta e ao poema-processo porque ambos criam desenhos, primeira parte da palavra existe. O signo verbal representa “outra” coisa; o ideograma constitui a maioria dos alfabetos primitivos e nos traz um significado direto. Processo de composição prática que transmite uma ideia através de palavras que ficam soltas dentro de uma estrutura visual; a ideia do poema é apreendida inicialmente pela própria representação gráfica.

6---Dois poemas correlacionados de CASSIANO RICARDO, em “Jeremias sem chorar”:

1 - “Rotação” (3 estrofes) - “a esfera / em torno de si mesma / me ensina a espera / a espera me ensina / a esperança / a esperança me ensina / uma nova espera a nova / espera me ensina / de novo a esperança / na esfera // a esfera / em torno de si mesma / me ensina a espera / e a espera me ensina / a esperança / a esperança me ensina / uma nova espera a nova / espera me ensina / uma nova esperança / na esfera // a esfera / em torno de si mesma / me ensina a espera / a espera me ensina / a esperança / a esperança me ensina / uma nova espera a nova / espera me ensina / uma nova esperança / na esfera.”

Ideia através de palavras soltas dentro de uma estrutura visual. Movimento no tempo - “a espera” - e no espaço - “a esfera em torno de si mesma”. Comutação (troca) de um fonema. Ciclo da vida - nascimento-crescimento-maturidade - presentes no poema e também “uma nova esperança na esfera”.

2 - “Translação”

Aqui, IDEOGRAMA (Internet).

Movimento no tempo e no espaço. Sempre esperar.........

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7---Novamente CASSIANO RICARDO, no mesmo livro “Jeremias.........”

De novo IDEOGRAMA.

Agora poema-processo “Gagárin” - este nome significa em russo .’pato selvagem’ - astronauta do primeiro voo ao redor da Terra, em 1961. No poema, tudo é funcional, isto é, tem sua razão de ser: utilização estética do espaço gráfico para reproduzir a órbita, o voo da nave de Gagárin. São exploradas as qualidades estéticas dos signos lingüísticos e também há o jogo rítmico de fonemas afins e a utilização de nomes de grande potencialidade expressiva: a palavra ‘ave’ “conduz”por associações de semelhança à idéia de foguete, novo material ‘belo-bela’: ‘ave bela’ /’belonave’, nave de guerra, ‘astronave’, navio para o espaço/ - e numa original composição ‘ave bélica’ (nave de guerra, retomada do radical latino de ‘bellum’, que tem o significado de guerra).

Pato selvagem - ser belo, simples, natural, indômito, frágil, gregário (vive em bandos), perseguido pelos mais fortes (caçadores). YURI GAGÁRIN foi o pato selvagem em relação aos homens que em abril de 1961 estavam na Terra, representando a concretização dos anseios de todos os homens de se superarem etc., ele voando mais alto que qualquer outro, em torno do planeta, livre da prisão da Terra - ‘pato frágil’ pois seria morto na falha de qualquer mecanismo, caçado como uma ave. Relacionamento entre ‘Gagárin, pato selvagem’ e ‘ave, nave’ - palavra ‘ave’, que voam: nesta palavra, a sensação de liberdade......... --- Do Cosmos, a primeira comunicação estética foi resumida em “Ela (a Terra) é azul.

Não poema composto de versos simétricos, poesia linear, mas de blocos de palavras em disposição circular:

1-no centro do poema, as palavras ‘pato selvagem ave’, alusão clara do núcleo do texto poético; // 2-no semicírculo superior, duas palavras-chave, ‘ave - belo’, usadas homonimiamente: ave - cumprimento (Ave Maria, Ave Cesar) X pássaro; belo - beleza - bellus, a, um (radical latino ‘bel’) = bonito X guerra bellum, i = guerra (conquista especial, pode ser algo ‘belo’, mas bonito, para a guerra?) - neste radical latino, coexistem a beleza (‘bela ave’, ‘bela nave’) e a guerra (‘ave bélica, belonave’) - mensagem ambígua: Guerra Fria entre States e URSS; // 3-muitos substantivos, alguns adjetivos e no semicírculo inferior apenas uma frase estruturada parafraseando (imitando), segundo o historiador Suetônio, a famosa saudação dos gladiadores romanos ao imperador antes dos combates: “...morituri te salutant” - “Ave César, os que vão morrer te saúdam”. No poema, o inverso, antítese, saudação ao advento de uma nova civilização, perspectiva largamente aberta para a vida : “os que vão nascer te saúdam”.

FONTE:

Diversos livros didáticos.

F I M