COMO SE FAZ LITERATURA...

Seja qual for o nível do alunado, a LITERATURA faz parte de um processo educacional - fundamental o convívio com ela desde o pré-escolar: o prazer de ouvir e contar estórias, ouvir e dizer versos... prazer, lazer... criar a capacidade de expressão verbal, tanto oral como escrita. Aprender a desvendar os significados profundos do texto literário é aprender a descobrir sentidos não evidentes, por vezes escamoteados, ocultos...

AULA PROPRIAMENTE DITA:

ESTUDO DA NARRATIVA LITERÁRIA - Fronteiras modernamente diluídas entre os gêneros literários, confundindo-se poesia/prosa, teatro/narrativa, jornalismo/literatura etc. Onde ficção, onde realidade? O que não é real, poderá ser um dia. Desde as primeiras narrativas, os MITOS, intimidade fantasiada de verdade/mentira, real vivido e real possível, a palavra como real simbólico. A consciência do existir do homem no mundo criou as primeiras perguntas, os enigmas, e tentou as primeiras respostas, os mitos, estórias inventadas passando a verdadeiras. Estágios diferentes nas diferentes culturas modificaram a função do discurso mítico: evolução em lendas, fábulas, apólogos, contos, novelas, romances, todos com a função básica de escamotear a verdade (por vezes cruel), preencher vazios através da FICÇÃO.

TRAÇOS PERTINENTES - Estudo sistematizado da narrativa literária: perceber semelhanças num mesmo gênero, o ÉPICO, e atentar nas diferenças individuais de cada narrativa.

Em primeiro lugar, a narrativa supõe uma situação - alguém relata acontecimentos a alguém.

ELEMENTOS:

NARRADOR (sujeito da enunciação), emissor da mensagem narrativa, DESTINADOR / ASSUNTO ou MATÉRIA narrada / DESTINATÁRIO da narração (leitor ou ouvinte). As relações entre narrador e matéria narrada e entre receptor e destinatário se realizam ao nível do DISCURSO. // O FOCO DA NARRATIVA pode em alguns momentos deslocar-se da perspectiva do narrador para um dos personagens, contando algo, como no capítulo II de “Iracema”, romance romântico de ALENCAR, quando ela vê Martim pela primeira vez, ele narrado em discurso direto em terceira pessoa, o foco se desloca e é do PONTO DE VISTA da índia que Martim aparece. // Os acontecimentos são a ESTÓRIA ou a FÁBULA. Mesmo através dos tempos, a narrativa é sempre em torno de problemas e conflitos humanos: amor, medo, busca, amizade, ódio, bem, mal, paz, guerra, morte... que problematizam, complicam e/ou solucionam. O que caracteriza cada narrativa não é o assunto, mas a forma como o discurso do narrador o apresentará.

Ao NÍVEL DA ENUNCIAÇÃO - ponto de vista da narração em PRIMEIRA ou TERCEIRA PESSOA; em primeira, limita o narrador que pode não saber mais do que as outras personagens, não onisciente no interior dos outros - julgamentos parciais; em terceira, maior distanciamento entre narrador e matéria tratada, ele pode conhecer até as intimidades. // Importante observar quem se configura como HERÓI, ANTI-HERÓI, PROTAGONISTA, ANTAGONISTA.

TEMPO - Ação acelerada ou retardada? Tempo verbal tem função importante e o ritmo da narrativa se alterará se usado o pretérito perfeito (narrativa acelerada) ou o imperfeito (narrativa retardada ou o desenrolar dos acontecimentos ficam paralisados). O presente nas descrições também paralisa a ação. Exemplo em “Iracema”, capitulo II. // No nível do discurso do narrador, a cronologia dos fatos, que pode ser LINEAR (ordem em que aconteceram) ou não. Exemplos em “A ópera dos mortos”, de AUTRAN DOURADO, e “O tempo e o vento”, de ÉRICO VERÍSSIMO. Há ainda tempo mítico, histórico, cronológico, psicológico. Também flash-back (volta ao passado) e flash-forward (prolepse ou antecipação). // Ainda no plano do discurso, o ‘tom’ da enunciação pode ser irônico (“Brás Cubas”, de MACHADO DE ASSIS), patético (“Paixão, segundo G. H.”, de CLARICE LESPECTOR), satírico-caricatural (“Memórias de um sargento de milícias”, de M. A. ALMEIDA) entre outros. // Em “Iracema”, ordenação lógica, causa entre os fatos; em “Sargento de milícias”, bem menos; em “Brás Cubas”, fatos articulados por associação uma ideia levando à outra, um fato lembrando outro.

OBRA DIVIDIDA EM CAPÍTULOS - Pode haver ou não um corte entre os capítulos: divisão exterior, porém continuidade do assunto anterior ou não.

“Iracema” - Situação inicial, de EQULÍBRIO, harmonia entre a índia e a natureza, que vai ser transformada em outra situação, em sucessão de acontecimentos: ela descrita sentada, tranqüila após banho nas águas de uma lagoa - a motivação para o começo da mudança é a chegada de Martim, equilíbrio perdido; DESEQULÍBRIO, sanção ou consequência será a morte de Iracema que transgredira o código cultural familiar da tribo; cessado o conflito, ordem recuperada, novo EQUILÍBRIO.

As narrativas tradicionais são fortemente codificadas, seja literatura oral, de cordel ou conto, novela ou romance romântico, permitem estas aplicações teóricas: sequência dos fatos no tempo, feita por um narrador. Dirigidas a um narratário, seja ouvinte ou leitor.

FONTE:

“Iniciação ao estudo da narrativa literária”, artigo de Samira Nahid Mesquita - Rio, revista DIÁLOGO, Fundação Cesgranrio, ano III, n.33, 1980.

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