TÉCNICAS DE REALIZAÇÃO DE UM VERSO QUE PODEM CONFUNDIR NOSSA CONTAGEM DAS SÍLABAS POÉTICAS: (ATUALIZADO)

TÉCNICAS DE REALIZAÇÃO DE UM VERSO QUE PODEM CONFUNDIR NOSSA CONTAGEM DAS SÍLABAS POÉTICAS:

INTRODUÇÃO

Em alguns momentos encontramos problemas na contagem das sílabas poéticas de um verso.

De repente aparecem duas ou mais vogais em sequência, numa mesma palavra ou em palavras contíguas.

Em outro verso aparece uma consoante muda.

Mais adiante contamos sílabas poéticas em número excessivo no verso.

Então, ficamos com dúvidas, mas afinal quantas sílabas poéticas tem o verso que escandimos?

A escansão de um verso não é uma tarefa muito simples, em versos, principalmente, onde os encontros vocálicos aparecem. O poeta pode valer-se de diferentes técnicas do fazer poético para aclimatar seu verso ao número de sílabas e o ritmo por ele desejado. Então, ao utilizar essas técnicas, ele chega à métrica e ao ritmo desejados.

Existem alguns casos extremos em que o poeta pode excluir da contagem das sílabas poéticas do verso alguma(s) sílaba(s) do seu início ou após a cesura, que podemos definir como as pausa(s) mais prolongada(s) no interior do verso formando seus hemistíquios. E ainda, pode acontecer de o poeta contar uma pausa prolongada como sendo uma sílaba poética.

A) APRENDIZADO BÁSICO DA POESIA.

Ao estudarmos conceitos básicos da Poesia Clássica em Línguas Neolatinas (Francês, Espanhol, Italiano, Português) nos deparamos com quatro elementos essenciais que nela estão presentes, acrescentado de um quinto elemento, quase sempre presente, mas não obrigatório em todas as formas fixas de poema:

Elementos obrigatórios:

1) Poema de forma fixa;

2) A métrica;

3) O ritmo;

4) A estrofe.

Elemento quase sempre presente (não obrigatório):

5) A rima.

As formas fixas são, por exemplo, a nênia, o vilancete, o madrigal, o soneto, a oitava, a écloga, a sextina, a décima, etc. Elas servem de base para a construção do poema. Ou seja, o poeta escolhe uma dessas formas poéticas fixas, todas com regras específicas, para falar do amor, das guerras, das viagens, da sua religiosidade, etc.

Não era costumeiro, no tempo da Poesia Clássica, produzir um poema, sem a preocupação da escolha, de antemão, de uma forma fixa de poema.

Além da forma fixa, quase todo poema clássico possui, em cada um dos seus versos, uma métrica isossilábica, ou seja, um número de sílabas poéticas igual em todos os versos.

No Romantismo existiu uma maior liberdade nas estrofes, ao diversificar a métrica de uma estrofe para outra do mesmo poema, mantendo o isossilabismo dentro de cada estrofe. Observe esta afirmação na obra de Gonçalves Dias. E as formas fixas foram menos valorizadas. (Os românticos mantiveram a métrica e o ritmo clássicos, realizando poemas menos preocupados com a utilização de uma forma fixa conhecida). Logo em seguida, com os parnasianos e os simbolistas as formas fixas foram retomadas e revitalizadas.

Em alguns momentos aparecem na estrofe um ou mais versos com sílabas poéticas diferentes. Porém, em cada estrofe, este verso ou versos com sílabas poéticas diferentes dos demais, é colocado na mesma posição e com o número de sílabas idêntico.

Um bom exemplo para nós de forma fixa é a trova. Ainda produzida com constância, e onde todos os seus 4 versos possuem 7 sílabas poéticas.

O ritmo do poema é construído, segundo modelos pré-estabelecidos, conforme o número de sílabas poéticas do verso. É obrigatória a presença de sílabas tônicas em determinadas posições do verso. Por exemplo:

No verso de 11 sílabas poéticas, também chamado de hendecassílabo a 2, 5, 8 e 11 sílabas do verso são acentuadas, o que provoca após a tônica nelas presente, pausa mais intensa na pronúncia, a chamada cesura, e forma o ritmo que denominamos de arte maior.

Como neste verso de Gonçalves Dias:

“O /ÍN // dio/ já/ QUE// rem/ ca/ TI//vo a/ca/BAR:”

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Ou ainda, para o verso de 10 sílabas poéticas com acentuação tônica na 6 e 10 sílabas poéticas provocando pausa mais intensa na pronúncia, forma o ritmo que denominamos de heroico, e assim por diante.

Como neste outro verso de Gonçalves Dias:

“Sa/tis/fei/ta a/pai/XÃO, // vem/ lo/go o/ FRIo,”

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

O poema de forma fixa, o metro, o ritmo demarcado e a estrofe limitam as ações do poeta, porque ele não pode deixar escapar dos seus poemas estes elementos, e na quase totalidade das vezes deve, também, preocupar-se com a rima, porque, quase toda forma fixa de poema clássico utiliza a rima no final dos seus versos.

É interessante saber que a estrofe clássica possui uma regularidade interna que faz com que ela termine com um sinal de pontuação: ponto final, dois pontos ou ponto e vírgula. As ideias se fecham dentro de uma estrofe, claro que ampliadas no conjunto das estrofes e no todo do poema. Cada estrofe pode ser pensada como um período, um parágrafo de uma redação, todavia, com suas obrigatoriedades (regras) por ser um poema e não um texto em prosa.

A 1) APRENDIZADO BÁSICO DO VERSO.

O verso clássico apresenta métrica, ritmo, cesura(s), hemistíquio(s) e segmentos melódicos.

É importante saber! Em um verso do Português e do Francês contamos suas sílabas poéticas até a última sílaba tônica do verso, excluindo as sílabas átonas após-última tônica do verso. (Amplio este assunto da contagem das sílabas poéticas no próximo tópico, sobre escansão: tópico A 2).

No decassílabo heroico, por exemplo, existe ao menos 3 segmentos melódicos e obrigatoriamente 2 cesuras (que são as pausas mais demoradas do verso) e essas cesuras aparecem após a 6 e 10 sílabas poéticas, que aprendemos são obrigatórias no verso heroico. Até a primeira cesura temos o primeiro hemistíquio; após a cesura temos o segundo hemistíquio.

Todo verso com mais de 5 sílabas poéticas possui mais de 1 segmento melódico e mais de 1 hemistíquio.

O segmento melódico corresponde ao pé do verso. Conforme a colocação das sílabas fracas e fortes no verso, obtêm-se os segmentos melódicos, que podem conter de 2 até 4 sílabas poéticas.

Voltemos no decassílabo heroico de Gonçalves Dias para compreender melhor os elementos do verso:

1) verso:

“Satisfeita a paixão, vem logo o frio, “

2) separação em sílabas poéticas determinando que se trata de um verso decassílabo:

“Sa/tis/fei/ta a/pai/xão/ vem/ lo/go o/ FRIO,”

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

3) descobrindo o ritmo heroico do decassílabo, a partir das duas tônicas principais:

“Sa/tis/fei/ta a/pai/XÃO, // vem/ lo/go o/ FRIO,”

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

4) os hemistíquios:

“[Sa/tis/fei/ta a/pai/XÃO,] //[ vem/ lo/go o/ FRI//O,]”

1 2

Respectivamente, hemistíquios com 6 e 4 sílabas poéticas.

5) por fim, os segmentos melódicos (pés do verso):

[Satisfei] [ta a paixão,] [vem lo] [go o frio,]

1 2 3 4

Entre parênteses os segmentos melódicos.

Observe que nos dois primeiros segmentos melódicos existe uma regularidade, a formação de cada um se dá com a colocação em sequência de duas sílabas poéticas com som átono e uma sílaba poética com som tônico.

Essa colocação não é aleatória. Tem uma organização anterior, onde o poeta procurou dar um ritmo, não só ao verso (ritmo heroico), mas, também, a cada segmento melódico para formar seu decassílabo.

No caso dos dois últimos segmentos melódicos, alternam-se uma sílaba poética com som fraco e uma sílaba poética com som forte (no caso do segmento melódico: [vem lo] o som do vem é abrandado na leitura pela presença do [ó] tônico – consideramos como som fraco como o [o + o] do último segmento melódico do verso).

Estas alternâncias das sílabas formando segmentos melódicos (os pés dos versos) possuem uma nomenclatura, que é extensa. No caso deste verso os pés são denominados de:

Os dois primeiros, com duas sílabas fracas + uma sílaba forte: ANAPESTO.

Os dois últimos, com uma sílaba fraca + uma sílaba forte: JAMBO ou IÂMBO.

A 2) APRENDIZADO BÁSICO DA ESCANSÃO.

Antes de descobrirmos técnicas utilizadas pelos poetas aprendamos a regra básica da contagem das sílabas poéticas de um verso:

Relembrando! Na escansão de um verso do Português e do Francês contamos as sílabas poéticas até a última sílaba tônica do verso, excluindo as sílabas átonas após última tônica do verso.

Por exemplo:

A menina dos olhos de safira.

Para o sistema de contagens de sílabas adotado pelo Português e Francês, este verso acima teria 10 sílabas poéticas.

Façamos a escansão para comprovar:

A – me – ni – na – dos – o – lhos – de – sa – FI – ra.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

(FI – última sílaba tônica do verso)

Já na escansão de um verso do Espanhol e do Italiano contamos até a primeira sílaba átona pós-última tônica do verso. Então, o verso acima teria 11 sílabas poéticas, para a Poesia Espanhola e Italiana. Vejamos:

A – me – ni – na – dos – o – lhos – de – sa – fi – RA.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

(RA - primeira sílaba átona após última tônica do verso)

Atenção! No término de um verso com palavra proparoxítona, a última sílaba da palavra proparoxítona, também, é descartada pelo sistema de contagem de sílabas do Espanhol e do Italiano.

Então o decassílabo na poesia francesa e portuguesa é chamado de hendecassílabo na poesia espanhola e italiana.

Como dica, anterior ao conhecimento das técnicas que podem interferir na contagem das sílabas poéticas, na dificuldade em saber a métrica de um verso faça a contagem das sílabas poéticas (escansão) de outro verso do poema, menos problemático. Se for um poema clássico, em sua quase totalidade teremos uma métrica idêntica em todo poema, se não, ao menos na estrofe; e eventualmente duas métricas em uma estrofe. (Este macete é valioso para poemas, estrofes com um único metro).

Observação! Versos sem encontros de vogais em sequência e consoantes mudas são bem mais fáceis de realizar a contagem das sílabas poéticas.

TÉCNICAS DE REALIZAÇÃO DE UM VERSO QUE PODEM CONFUNDIR NOSSA CONTAGEM DAS SÍLABAS POÉTICAS:

Aprendamos agora técnicas poéticas, para acertarmos na contagem das sílabas poéticas de qualquer verso. Descobrindo com precisão a métrica e o ritmo utilizados.

Fiz uma lista com as situações possíveis que encontrei ao ler Dicionários e Tratados de Teoria Literária, estudos sobre versificação e na escansão de versos, ok?

Vamos a elas:

1) Sinérese

Fusão de dois sons em apenas um dentro de uma mesma palavra, dito de outra maneira, contração de vogais numa mesma palavra, o que torna um hiato num ditongo. (Informações retiradas de Hênio Tavares e Massaud Moisés).

Ex.

O poema tem a cor do coração.

Escandindo o verso:

O – poe – ma – tem – a – cor – do – co – ra – ção.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Observe que na escansão para se formar o decassílabo heroico utilizei o processo de junção do encontro das vogais das sílabas [ po + e ] da palavra poema e criei a sinérese.

Se fizesse a separação do encontro desses dois sons na mesma palavra o verso tornar-se-ia hendecassílabo (verso com 11 sílabas poéticas).

Então, se percebe que as sílabas gramaticais quase sempre estão em maior número num verso do que as sílabas poéticas, porque estas representam emissões continuadas de um som sem pausas. Um poeta pode considerar que a leitura da palavra poema lhe provoque apenas a emissão de dois sons e outro de três sons.

Ainda para o ajuste da métrica, um poeta pode optar pela sinérese. Imaginemos que o verso criado por mim fosse de outro poeta, talvez a razão da sinérese não esteja no fato da leitura de um único som em [poe], mas por necessidade da métrica decassílaba.

Por isto, todo cuidado é pouco na escansão! Resultados na contagem de versos podem ser iguais por motivos diferentes.

2) Diérese

Oposta da sinérese a diérese é a separação em sílabas poéticas diferentes, quando do encontro de vogais numa mesma palavra, formando dois sons distintos.

Ex.

A poesia triste me fascina.

Escandindo o verso:

A – po – e – si – a – tris – te – me – fas – ci – na.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Neste caso, na palavra poesia, foi feita a separação do encontro vocálico: [po] [e], formando duas sílabas poéticas. Aqui, na contagem das sílabas poéticas e gramaticais houve coincidência, certo?

Eu precisei da separação das sílabas [po] e [e] para formar meu decassílabo heroico. Não me é habitual realizar esta separação, fiz para a ilustração da diérese.

Outro poeta poderia entender que existe, realmente, uma pausa na leitura entre as sílabas [po] e [e]; o que, naturalmente, formaria o decassílabo, sem precisar, como foi o meu caso, de uma “licença poética” consciente para o ajuste da métrica.

Percebem como é importante a escansão cuidadosa, para determinação precisa do número de sílabas poéticas do verso e observar as interpretações de cada poeta para não errar na conta?

3) Sinalefa ou elisão

Sinalefa, também conhecida como elisão, é a junção de vogais contíguas de palavras diferentes formando uma mesma sílaba poética. Os sons são pronunciados continuamente, sem nenhuma pausa na leitura. O encontro da vogal final de uma palavra com a consoante muda (h) de outra palavra, também, provoca, quase sempre, uma sinalefa.

Ex.

Viver e amar a vida e a fantasia.

Escandindo o verso:

Vi – ver – e a – mar – a – vi – da e a – fan – ta – si (a)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Observa-se a sinalefa nas uniões de [e] + [a] (3 sílaba poética) e de [a] + [e] + [a] (7 sílaba poética), todas vogais pertencentes à palavras diferentes, ok? Com a observação das sinalefas encontra-se o decassílabo heroico.

Como informação, é considerado de boa feitura o verso, que no encontro de quatro ou mais vogais contíguas, em palavras diferentes, faça a separação em ao menos duas sílabas poéticas dos sons vocálicos encontrados.

Importante!

Cuidado com a sinalefa (elisão) forçada. (informação baseada no Professor Amorim de Carvalho)

Já a - tar - de - se - vai.

Este verso de 5 sílabas - redondilha menor - se valeu de uma elisão forçada: [Já a] - não se lê [Já a] numa única emissão de voz sem pausa, certo? Aqui fiz este verso para mostrar que na escansão de versos encontraremos casos em que esta situação ocorrerá para adaptação da métrica e ritmo desejados pelo escritor.

Outro exemplo: Eu - sor - ri e - vi a - vi/da.

1 2 3 4 5

[ri e] + [vi a] - vi = do verbo ver - duas sinalefas forçadas para realizar a redondilha menor.

O correto seria esta escansão: Eu sor - ri - e - vi - a - vi/da.

E até situações extremas: E - vi - ve - ram em - paz. [ram em] ao invés de [ram/ em] para realizar a redondilha menor.

4) Dialefa ou hiato

Dialefa, também conhecida como hiato, é o contrário da sinalefa. É a separação de vogais contiguas de palavras diferentes formando duas ou mais sílabas poéticas. Os sons são pronunciados separadamente, com pausa(s) na leitura.

Ex.

Lindo amanhecer de primavera.

A utilização da dialefa pode ser um recurso para adaptação do verso à métrica desejada. Claro que, também, utilizado quando um poeta considera existência de uma pausa na leitura entre o encontro vocálico em palavras diferentes. Aqui o decassílabo heroico surgiu com a dialefa [do] [a] formando 2 sílabas poéticas.

Observação! É recomendável, evitar uma cacofonia (encontro desagradável de sons) no verso. Como no caso de vi ela, que sem a dialefa se quero dizer que eu vi uma pessoa, fica a impressão, na leitura em voz alta, de que quero dizer que estou numa viela.

Encontrou situações semelhantes, como vá eu, está ao, vivi o a, de certo a vogal tônica da primeira palavra estará separada da(s) outra(s) vogai(s) sequencial(ais). Raro será a união da vogal tônica + a átona seguinte, será um exagero poético, como disse na técnica anterior, uma sinalefa (elisão) forçada.

Porém, em casos com a presença do (é - tônico) podem ocorrer, tanto a sinalefa como a dialefa ou ambas ao mesmo tempo (como no 2 exemplo abaixo de escansão). Seja pela forma como o poeta lê o encontro dessas vogais, como pela necessidade de adaptação do verso à métrica.

Ex. (imaginando este verso com 5 sílabas poéticas).

Sua vida é alegre.

Escandindo o verso:

Su – a – vi – da é a – le (gre)

1 2 3 4 5

Parte dos poetas considerariam que este verso tem 6 sílabas poéticas.

Vejamos a escansão em 6 sílabas poéticas:

Su – a – vi – da é – a – le (gre)

1 2 3 4 5 6

O que conta aqui, para a contagem correta, é saber os conceitos mais importantes da construção do verso: a métrica, o ritmo e os pés métricos; além da leitura em voz alta para a busca da correta entonação do verso estudado, ou seja, estudos primeiros e primordiais para a boa escansão de um verso.

Está com dúvida na contagem do verso? Faça a escansão de outro verso, sendo isossilábico o poema, resolve-se com mais segurança a dúvida.

Uma informação útil! Os poetas românticos foram mais amigos da hiatização; enquanto os parnasianos foram mais adeptos da ditongação.

5) Anaptixe (do grego) ou suarabácti (do sânscrito)

A Anaptixe, também conhecida como suarabácti é a utilização de uma vogal de apoio entre duas consoantes. Na linguagem oral é mais utilizada. (*** informação de Massaud Moisés)

Ex.

Um rapaz, ad(i)mira bela moça.

Escandindo o verso:

Um – ra – paz, – a – d(i) – mi – ra – be – la – mo(ça).

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Não é comum esta utilização da anaptixe. Serve como recurso para adaptação da métrica.

A leitura em separado, criando duas sílabas poéticas: [a] – [d(i)], onde gramaticalmente e até na pronúncia em voz alta do falante culto da língua se lê uma só sílaba gramatical, criou o suarabácti. E assim, o meu decassílabo heroico nasceu.

O mais correto é valer-se do aprendizado da gramática da Língua Portuguesa: considerar a primeira consoante muda como parte integrante da sílaba que se inicia anteriormente à consoante muda. E não se valer desta técnica.

O suarabácti foi mais utilizado por alguns poetas do romantismo literário.

6) Hiperbibasmo

É o deslocamento do acento da sílaba tônica de uma palavra do verso.

Realizado de duas maneiras:

a) Sístole

Quando o acento desloca-se para a sílaba anterior.

Ex.

Na vida, são solitários, os vates.

Passam anos sozinhos, sem mãos dadas.

A sístole pode ser visualizada, pensando no nosso decassílabo heroico. A 6 sílaba poética deveria ser acentuada, certo? Neste caso não acontece, a sílaba da cesura é a 7 sílaba poética. Porém, numa leitura exagerada, da sílaba [li], como a sílaba tônica obrigatória do ritmo heroico é possível. Transformei a palavra solitário, paroxítona em proparoxítona.

Acabei criando com o verso seguinte uma rima interna [soli com sozi]. E criei minha sístole.

b) Diástole

Quando o acento desloca-se para a sílaba posterior.

Ex.

Alto, desengonçado e magerrimo

Da família, o doméstico era arrimo.

A diástole pode ser visualizada, também, pensando no nosso decassílabo heroico e na ideia de rimar magérrimo com arrimo.

As duas palavras tem acentuação diferenciada: magérrimo é proparoxítona e arrimo paroxítona. Desloquei o acento de magérrimo para a sílaba posterior e lendo mageRRImo, tornada paroxítona, encontramos o par de rimas(rimo/rimo) e acertamos a contagem do decassílabo.

Observem que a colocação da 6 sílaba poética (tônica, provocando a cesura forte e os dois hemistíquios) de cada verso foi realizada.

Sístole e diástole são empregadas para ajuste da métrica, do ritmo e para utilização da rima.

O hiperbibasmo é um exagero poético. Vale mais num poema humorístico, numa ideia brilhante, que o poeta, não quer deixar de registrar.

7) Anacruse

A anacruse é o artifício da colocação de 1 ou mais sílabas poéticas no início do verso, sílaba(s) que não entram na contagem das sílabas poéticas do verso. Utilizada por alguns poetas em casos esporádicos.

Ex.

Por sonhar, viver e amar morreu feliz.

Observemos que no verso por mim criado, eu imaginei colocar uma sequência de 5 segmentos melódicos com 1 sílaba poética com som fraco + 1 sílaba poética com som forte e formar meu decassílabo.

Todavia, para dar sentido gramatical ao verso, encaixei a preposição: por, no início do verso. Imaginemos esta situação em meio a um poema todo de versos decassílabos, o [por] que acaba nos dando uma sílaba poética a mais no verso, seria denominado como uma anacruse.

8) Sinafia

A sinafia consiste na inclusão de uma sílaba excedente, situada após a última sílaba poética com som forte do verso anterior, no verso seguinte para garantir o isossilabismo (o mesmo número de sílabas poéticas) em cada verso da estrofe. Utilizada por alguns poetas em casos esporádicos.

Ex.

Rosa vermelha

Símbolo e bálsamo

Dos amantes.

Os três versos com a utilização da sílaba [mo] do 2 verso no 3 verso acabam possuindo quatro sílabas poéticas e a sinafia se configura.

9) a pausa prolongada como sílaba poética (informações de M. Said Ali)

Em algum momento o poeta pode considerar o “espaço” encontrado após cesura e antes da próxima sílaba poética, capaz de formar sílaba poética independente, pelo prolongamento da pausa.

A falta de uma sílaba gramatical não impede a manutenção da métrica do verso.

Ex.

Por Clara! Quis viver... E chorou...

Após [viver...] e as reticências imaginei uma pausa prolongada, como se fosse uma pausa para reflexão, um silêncio e contei nessa pausa prolongada após a cesura, uma sílaba poética. A pausa prolongada seria a 7 sílaba poética do meu decassílabo heroico.

10) Cesura Épica

Cesura épica pode ser definida como o descarte (para contagem do número de sílabas poéticas) das sílabas átonas (com som fraco) da última palavra, após sua tônica, no primeiro hemistíquio do verso.

São casos raros em nosso idioma. Mais comum na Poesia de Língua Espanhola, no verso alexandrino espanhol.

Ex.

No jardim colorido de rosas multicores

Na contagem deste verso de 12 sílabas poéticas (verso dodecassílabo), fiz aqui um alexandrino espanhol, descobrimos que utilizei a técnica da cesura épica.

Vejamos como determinamos que há uma cesura épica:

Façamos a escansão e separemos o verso em seus dois hemistíquios.

[No/ jar/dim/ co/lo/ri]// do [de/ ro/sas/ mul/ti/co//res]

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Cada hemistíquio deste verso deve ter 6 sílabas poéticas para formar o dodecassílabo, ok?

Ao escandir o verso até a última sílaba tônica da última palavra do verso descobrimos que a contagem deu 13 sílabas poéticas, quando o correto seriam 12 sílabas poéticas.

O que aconteceu para encontrarmos 13 sílabas poéticas?

Aconteceu que descartei da contagem das sílabas poéticas do verso a sílaba átona [do], situada após a sílaba tônica da última palavra da primeira cesura (colorido).

Esta técnica de descarte da(s) sílaba(s) átonas excedente(s) após a tônica da última palavra do primeiro hemistíquio é denominada de cesura épica.

A cesura épica é denominada de CESURA ÁTONA pelo Professor e Poeta Amorim de Carvalho em seu Tratado de Versificação Literária.

11) Aférese

É a diminuição no princípio de um vocábulo, ou seja, supressão de fonema da sílaba inicial de uma palavra. (a partir de Hênio Tavares e Vittorio Bergo).

Ex.

Spasmo de amor no coração sofrido.

Ao utilizar esta técnica consegui o objetivo de construir um verso decassílabo sáfico, verso decassílabo com acentuação e cesura na 4, 8 e 10 sílabas poéticas, como já sabemos.

Vejamos, o que a contração da sílaba inicial realizou escandindo o verso.

[Spas]/ mo/ de a/ MOR// no/ co/ ra/ ÇÃO/ so/ FRI// do.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

O correto é a palavra es/pas/mo com três sílabas gramaticais, certo? Para adequar a métrica transformei es/pas/mo - trissílabo em spas/mo - dissílabo.

Veja outro verso, agora a aférese não está na palavra inicial.

As vidas stão repletas de tristeza.

Com a contração stão no lugar de estão se fez o decassílabo heroico. E se encontrou no verso a aférese.

As/ vi/ das/ [stão]/ re/ PLE/ tas/ de/ tris/ TE/ za.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Exemplos de aférese que podemos encontrar em versos na Língua Portuguesa:

Spasmo por espasmo; inda por ainda; stava por estava; té por até, etc.

Esta técnica é outra daquelas bem raras. Alguns poetas utilizam dela em algum momento e a gente pode nem perceber o intento, nem observar a sua utilização no verso e, acaba até contando errado o número de sílabas poéticas, principalmente, nos casos [sta, spa].

12) Ectlipse

Cuidados dobrados aqui!

Existe uma técnica utilizada na construção de um verso chamada ectlipse. Ela pode nos confundir na contagem das sílabas poéticas.

A definição de ectlipse é a seguinte:

“supressão do fonema nasal em fim de palavra quando a seguinte principia por vogal.” (Informação retirada de Massaud Moisés)

Nem sempre a supressão do fonema nasal, por exemplo, [com o] tornando-se [co´o] está representada graficamente.

Exs.

O verso que criei:

Eu vivo com o sonho batendo no peito.

Torna-se com a utilização da ectlipse:

Eu vivo co´o sonho batendo no peito.

Com o virou co´o.

Até ai nenhuma dificuldade de contar as sílabas poéticas, certo? Errado.

Os poetas podem considerar [com o] como sendo duas sílabas poéticas ou considerar [com o] como sendo apenas uma sílaba poética.

Ai começa a confusão!

Os dois versos acima podem ter 11 sílabas poéticas ou o primeiro 12 sílabas poéticas e o segundo 11 sílabas poéticas, tudo por causa desse encontro [com o].

Neste verso abaixo:

Eu vivo com os pés flutuando no vento.

Eu contei uma sílaba poética em [com os], e realizei a ectlipse;

Considerei, ainda, uma diérese em [tu] / [an] e fiz um verso de arte maior, com acentuação tônica na 2, 5, 8 e 11 sílabas poéticas.

Um leitor ao escandi-lo pode dizer: - é um dodecassílabo e alexandrino!

Como?

Ele contou em [com os] duas sílabas poéticas [com] / [os] e viu, também, uma diérese em [tu] /[an].

Então:

[com o] e [co´o] podem ser entendidos como uma única sílaba poética.

E [com o] pode ser entendido como uma sílaba poética, mesmo se o apóstrofo não for utilizado ou duas sílabas poéticas se [com] for separado de [o].

Cada poeta uma sentença.

Então, para se resolver a escansão com precisão é bom se valer dos detalhes da vida de cada poeta:

a) localização geográfica do poeta (onde ele nasceu e onde ele mora/ morou);

b) tempo histórico (Século em que viveu o poeta);

c) escola literária do poeta. Ex. Barroco, Romantismo, Parnasianismo, Modernismo, etc.

d) influências literárias do poeta e opções particulares. (Um poeta pode escrever poemas no estilo barroco e viver no nosso tempo. Pode, também, por necessidade do momento manter ou não a técnica habitualmente utilizada para a construção seu verso).

Estes cuidados garantem a correta pronúncia de cada verso, pois, como a língua é dinâmica, a pronúncia dos encontros vocálicos se modifica com o tempo, com o lugar geográfico; e ainda, sabemos que influências literárias podem intervir na construção de um verso.

Enfim, todo cuidado é pouco!

Bibliografia básica para o estudo de Poesia e versificação:

AMORA, Antônio Soares - "Teoria da Literatura". São Paulo, Editora Clássico-Científica - 5 edição, 1964.

ARAUJO, Murilo - “A arte do poeta”. São Paulo, Livraria São José, 2 edição, 1956.

ÁVILLA, Affonso - "O poeta e a consciência crítica". São Paulo, Summus Editorial, 2 edição, 1978.

AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante - “A Técnica do Verso em Português”. Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1971.

AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante - "O Verso Decassílabo em Português". Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da universidade da Guanabara para concorrer à cátedra de Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, 1962.

BARBADINHO NETO, Raimundo - “Estudos em Homenagem a Cândido Jucá (filho)”. Rio de Janeiro, Editora Organização Simões, [s.d].

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