AUSÊNCIA

Sempre quando eu digo que a vida sem poesia não é vida, é protótipo... na verdade, essa minha fala se estende às diversas formas de arte... Eu, sinceramente, quando assisto a um espetáculo como o de hoje ( Espetáculo AUSÊNCIA - com o ator Luís Melo), eu tenho necessidade, vital mesmo, de reafirmar minha tese, e meu amor à arte. A peça " me pegou" logo de início. Eu realmente não esperava ver , ouvir, sentir, tudo o que vi, ouvi, senti... E mais, não imaginava mergulhar tão profundamente numa história não contada.

Sim, a peça AUSÊNCIA é uma história que não se conta, ela nos é apresentada quase de forma brutal, e depois nos aperta a garganta, nos puxa da cadeira, nos joga num espaço inexistente e nos faz quase sufocar num mergulho sem volta naquilo que é pior do que qualquer situação humana. A própria ausência. Assim, a mim, explica-se o nome da peça; e o que me fica é isto: a ausência é pior do que qualquer solidão.

E ausência de quem? Não sei... Como disse, talvez a de nós mesmos... Há pior ausência do que não estarmos em nós, e buscarmos, como bichos sedentos, ávidos por alguma gota de vida, ou de água, mas não a encontrarmos? Há pior situação do que não morrermos de fato, apesar de já estarmos mortos e não nos atentarmos a isso? E termos todas as possibilidades de vida: portas, janelas... mas nenhuma delas nos satisfaz ou não nos é suficiente para nos tirar daquele espaço imundo, obscuro, fétido... em que nos encontramos?

E então, como espectadores/personagens ficamos ali, sufocados, sem voz, hipnotizados, tentando fugir daquilo que já entendemos que será jogado em nossa cara. Ou se aguenta firme ou, simplesmente, finge-se não estar ali. Finge-se a própria ausência, assim como muitas vezes somos obrigados a fingir quando não queremos aceitar o que nos está estampado na cara... Sim, porque a peça é forte, como são fortes todos as emoções ou sentimentos, quando vivenciados até a última instância.

E (sem saída?) somos cruéis. Cruéis como ratos, porque ratos são nojentos, igualmente ao ser humano quando se transforma em bicho, e se utiliza de outros bichos para saciar sua sede de vida, suas necessidades, sejam de energia, de abstração, de vingança, ou de crueldade, pura e simples...

E isso tudo, dentro de uma sublimidade maior, que é o amor por outro ser que não queremos que morra. E não queremos que morra por quê? Porque o amamos de fato? Porque somos donos dele? Ou porque este é o único ser que ali está conosco? E então... deste amor cuidamos, com ele "viajamos", sonhamos, por ele nos enamoramos... E tudo vira poesia... E beleza, ainda que de uma sutil morbidez ou tristeza profunda... Daquelas tristezas que batem na alma... e que esmagam não o coração, mas todas as nossas imagens sublimes, quase sagradas, de noites que seriam de puro encantamento...

Mas e os ratos? Pois é. Ratos existem muitos, vários... E são (repito) nojentos, como nós, seres humanos, muitas vezes o somos. Por isso, soam como espelhos de nós mesmos. Por isso merecem e precisam ser torturados.

E a carência? Do que se trata? Seria o mesmo que amar? Seria o mesmo que amor? Seria o mesmo que posse? Seria o mesmo que falta de perspectiva em nossas potencialidades, ou uma eterna espera do outro? E por que cuidamos do outro? E o que fala mais alto em nós? O sublime ou o que há de mais baixo?

No final de tudo, o quê ou quem nos sobra? Aquele a quem amamos ou aquele em quem pisoteamos, ou quem torturamos? Aliás, quem estaríamos ou estamos torturando mesmo?

O "objeto amado"?

O "objeto já torturado" ?

Ou nós mesmos, que somos apenas "objetos" quando nada mais faz sentido... e as pancadas nos ouvidos, na mente, nas costelas, no esôfago... ou onde quer que

estejam... além de uma janela para o nada, são as únicas coisas que nos restam?

AUSÊNCIA não nos conta nada. Mas questiona e, intimamente, diz-nos muita coisa.

Magistral. Não consigo mais nenhum adjetivo. Creio que nisso encerram todos os meus elogios à peça que, hoje, tive oportunidade de ver, magistralmente...

É isso.

(Adriana Luz)