Longe da mera ficção:
O Menino do Pijama Listrado e O Órfão de Hitler

     Há, mais ou menos, recentes 72 anos, a Guerra fechava as cortinas do palco de um show de horrores. Aí, quase inevitável não recordar de palavras-chave clichês como Hitler, suástica, nazismo, Gestapo, campo de concentração, entre outras. São vários os pontos que nos ajudam a refletir sobre as mazelas do mundo e, quando o assunto se trata de 2ª Guerra Mundial, não poderia ser diferente. É possível hoje encontrarmos, digamos que de forma mascarada – ou muito estampada, por aqueles que têm coragem a dar a cara à tapa – seus resquícios que, nada mais, nada menos, se resumem a preconceitos e a visões de mundo mal fundamentadas.
     E não é de se estranhar que os livros também nos possibilitam um olhar – além de histórico – literário sobre esses relatos. Como exemplos disso, podemos citar O Menino do Pijama Listrado e O Orfão de Hitler. Ambas as obras, claramente, retratam episódios da realidade de um período não muito remoto, que formam uma espécie de eixo que as liga: um olhar, em terceira pessoa, a protagonistas jovens, ingênuos, inocentes e puros, que lidam com os infortúnios de um período deveras obscuro. 
     John Boyne, em narrativa curta, conta a história de como Bruno nunca conheceu a real face da 2ª Guerra, mesmo vivendo sob ela. Não, claro, passando pelas mesmas circunstâncias de Samuel – judeu sem prestígio algum –, já que pertencia a uma família bem requisitada. Nisso, dá-se destaque ao pai que, com poder, põe-se como sendo um daqueles que personificam uma Alemanha levantada e recuperada, cheia de si e farta de tantos outros, representada pela liderança de "O Fúria", nome quase nada sugestivo, se pensado na intenção do autor em retratá-lo como o anti-herói (se assim podemos denominá-lo) Hitler.           
     Paul Dowswell, em narrativa longa, narra a história de Piotr, menino que, durante a 2ª Guerra Mundial, veio a ficar órfão de um jeito bastante trágico. Interessante audácia do autor em sua criatividade é mostrar o protagonista com todos os dotes de "um exemplo perfeito de raça nórdica" e, em vista disso, ser objeto de adoção por uma família que, por ele e por suas características, mostrava bastante interesse. 
     Diferenças nesses livros são encontradas na escrita e até mesmo nas formas narrativas. É muito possível que vários digam gostar mais da obra de John Boyne pelo estilo fácil, observado na linguagem, e pela rapidez com que flui a narrativa.
     Também notamos isso por meio da metáfora dos protagonistas: Bruno é a ingenuidade, enquanto Pitr (Peter, depois) é a inocência perdida. Até o final do livro, Bruno convive apenas com o pouco do que pode interpretar acerca de seu mundo, já que ninguém fazia questão de lhe contar nada a respeito do que realmente estava havendo. Era tanta a sua inocência que pensava que Samuel vivia num lugar bom ("[...] ele pensar que todas as cabanas estavam cheias de famílias felizes [...]"), mas não. 
     Com Peter, é diferente: logo no início do enredo se encontra pelado, junto a "[...] vinte e tantos outros meninos [...] no corredor comprido e cheios de correntes de ar", e, mais tarde, percebe que pertencer à raça sub-humama, segundo a família que o adota, é um infortúnio. 
     Em questões de semelhanças, como já dito antes, citamos o uso de personagens protagonistas jovens que convivem com os retardos da 2ª Guerra Mundial. E nisso também sentimos a voz dos autores, por meio de seus respectivos narradores. John Boyne não nos conta muito sobre questões da Guerra, apenas deixa alguns subetendidos, facilmente entendidos por quem conhece um pouco sobre o período ("As palavras que dizia sempre que saía da presença de um soldado [...]). Compara-se, então, ao seu personagem, cujas ideias são virgens, sem maldade alguma. Paul Dowswell faz diferente: fala detalhadamente sobre fatos da Guerra, trazendo até informações obscuras, não muito descritas em livros didáticos, por exemplo. Não é de se esperar menos, ao se observar no posfácio que o autor baseou sua obra em muitas fontes, extraídas de relatos de testemunhas ou fotos da época, ao saber que "Ao escrever sobre uma ideologia tão radical e grotesca quanto o nazismo, é fácil cair na caricatura".
     Livros assim são interessantes, pois nos fazem refletir, além de meramente aprender fatos históricos, não apenas sobre o horror desse período tenebroso, mas também sobre o que disso, infelizmente, ainda restou nos nossos dias. Não há mais campos de concentração judeus em ação, mas ainda há diversos massacres diários a quaisquer formas de diferenças, corrompendo a ingenuidade e o amor que, sob muito esforço, ainda se fazem presentes. E é de maneira genial que o narrador de Boyne, retrantando a "ingenuidade" de Bruno, nos faz pensar: 

 
"Claro que tudo isso aconteceu há muito tempo e nada parecido poderia acontecer de novo. Não na nossa época."
 
Será?